Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

1 de abril de 2021

A Geometria e o Templo, A Mente e a Consciência

 


Com a devida vénia se transcreve este Artigo do Ir.'. Roman publicado na  Revista do Grémio Lusitano

A Geometria e o Templo

A Mente e a Consciência

A ordem de um nome é também a ordem das coisas, porque elas são transcendentes no plano da consciência, mesmo que diminutas no lugar da mente. A coexistência do Maçon com a sua realidade profana, existe em simultaneidade com a vivência no Templo da Fraternidade, que é ao mesmo tempo o da sua Interioridade. Este é um percurso longo que o Maçon percorre, e que representa uma linha espaço temporal na história dos homens, e ela perde-se na noite dos tempos, desde as longas noites da última glaciação de Würm, à volta dos fogos do grande inverno, quando as primeiras histórias e as primeiras iniciações, começaram a ganhar uma geometria.

A construção levantou-se com as primeiras pedras, feitas pináculos e menhires, imitando o ciclo do sol e da lua ao longo do ano, mimetizados pelo ritmo da vida, do nascimento e da morte, imprimindo na mente dos primeiros homens que pensaram uma ordem possível, uma eternidade desdobrada pela complexidade da sua mente.

O sonho, o espaço, as estrelas, os ciclos, em fim, a intuição e a descoberta da Razão, são o corolário da precepção última e primeira de uma Consciência abrangente, tão complexa como a rede neurónica do cérebro. Esta complexidade neuronal, semelhante em desenho ao micélio dos cogumelos, e em geometria irregular aos filamentos intergalácticos, o homem viu nos sonhos. E viu que era possível à sua semelhança, entender e desenhar o que via acordado e a dormir.

Foi, a partir desta constatação, de uma interrogação genuinamente simples, solitária e confrontada com a sobrevivência, que o homem saiu da sua Caverna, e deixou de ver as sombras do mundo. Ver-se a si mesmo, descobrir que pensa e que desenha, que levanta templos aos deuses sonhados, próximos e longínquos, foi o ponto de partida para uma geometrização da vida social, mas simultaneamente onírica, iniciática e espiritual.

O Segredo nunca foi mais do que o silêncio dos sonhos profundos, onde essa geometria sagrada, dada à partida como guia e mapa dos labirintos desenhados nos primeiros templos, passou a ser repetida por todas as gerações; melhorada, redesenhada até à exaustão, ampliada numa rede intuitiva, mais tarde redescoberta na sucessão dos números primos e nas sequências algorítmicas. Em fim, no dia chegado, a humanidade, principalmente os primeiros construtores, levantaram as majestosas pirâmides, e depois deles, outros reinventaram com planos de filigrana de pedra em toda a bacia do Mediterrâneo.

O famoso Segredo contagiava como uma virose a cultura Europeia, e num fenómeno epigenético, cruzado com a cultura céltica, lançou a primeira pedra de um Templo à Virtude. Um Templo que nunca foi acabado, sempre interrompido pelo mundo profano das guerras, das pestes e das pandemias virais e ideológicas. Apesar de tudo, o Segredo de uma Geometria Perfeita (a do Pensamento e a da Construção da Ética e da Sociedade), mantiveram-se através de bolsas de sobrevivência, aqui e ali. Em redutos de Sabedoria Tradicional, em Alexandria, em Bizâncio, no Lácio, em Marselha, em Paris, na Irlanda, na Escócia… em qualquer lugar onde resistiram homens livres e de bons costumes.

O Mistério, ou o Segredo sobre uma Geometria Perfeita, do pensar ao construir, entre o sonho e a realidade, foi primeiramente escrito no livro da memória dos homens, num tempo em que a escrita ainda não existia. Esta memória prodigiosa dos homens bons, só foi possível graças à criação de Irmandades de Mestres de Artes. Pois de Artes se trataram, da Arquitectura à Matemática, da Medicina à Botânica, da Astronomia à Arte de Navegar em mar aberto.

Só uma corrente fraterna e inquebrável permitiu que todo este conhecimento chegasse até nós, e que evoluísse ao ponto de explorarmos o espaço externo do Cosmos, e o infinitamente pequeno da Nano escala das nossas células. A todos os Mestres que nos antecederam devemos o Método de um pensar, não arcaico, não ultrapassado, mas transcendente, para além da linha espaço-temporal da nossa efêmera existência. Só assim se pode explicar que o mesmo método, puramente geométrico e redesenhado vezes sem conta nos rituais dos templos, tenha tão grande influência na mente dos Irmãos em Loja, quando o praticam com sinceridade, com coração e com Razão.

Este Método é vazio de palavras, mas tem um guião, é desenhado à Esquadria e ao Prumo, mas tem uma Ética, tem Silêncio e introspecção, mas permite o esclarecimento entre irmãos. Imita o paradoxo do mundo, pretende seguir uma possível construção do Universo, e a toda essa força criadora que ordenou o visível e o invisível, têm-na como o Grande Arquitecto do Universo.

Tal como o antigo construtor de pirâmides e de templos, o Maçom constrói o seu Ser a partir de uma mente esculpida em filigrana e perfeita. Não para se vangloriar ao mundo e aos outros, Mas para se melhor que si mesmo no serviço aos outros. Este é, em fim o Segredo da Grande Geometria, e ao mesmo tempo a mais difícil de realizar. O peso dos graves, que é a personalidade, teima em destruir a construção do nosso Templo, porque a vaidade e a inveja minam a Grande Obra da Vida, a construção de uma Sociedade Perfeita feita de Homens e de Mulheres justos.

A Geometria do Templo é assim, a própria Geometria de um pensar perfeito e equilibrado, sem mácula. A repetição do Ritual e do Rito, permitem o treinamento de uma mente sã. O seu objectivo, revelar ao Iniciado a sua verdadeira essência, se para isso for honesto na prática e entender os símbolos que os Mestres deixaram desenhados ao longo dos séculos. A Geometria do pensamento maçónico, é a geometria da Construção do Templo invisível à Virtude, uma fisicalidade necessária à reeducação de uma mente profana.


Naturalmente que a Filosofia é próxima a este Método, pela sua própria natureza, como os pré-socráticos expuseram à vez e tematicamente, e como receberam dos egípcios e dos filósofos judaicos, dos babilónios e dos indianos, as ciências e as concepções filosóficas mais pessoais.

A Maçonaria é, justamente, herdeira desta tremenda tradição, desta Cadeia de União que une não só todos os Irmãos Maçons mas todos os outros de outras Ordens que continuam irmanados connosco.

Dos primeiros construtores de Templos, os Operativos guardaram a Geometria visível das catedrais, igrejas e outros templos. Na Arte da Pedra usaram o saber para explicar a Criação e a Natureza, acima e abaixo da linha do horizonte, assim como o céu infinito. Cada Obra foi uma expressão do pensamento equilibrado, filosófico, ordenado, que imprime ainda hoje no espírito de quem medita, um profundo estado modificado de consciência, e isso é exactamente o efeito que os nossos antigos Mestres buscaram, abstrair da mente a essência que nela se pode manifestar quando não tem oposição, algo que está além da rede neurologica, que é transcendente, que é Razão pura, que é Consciência.

A cultura do Mediterrâneo Oriental, foi sem dúvida importantíssima, para a elevação da Maçonaria tal como a conhecemos hoje. Os métodos da verdadeira construção e da especulação filosófica nunca se separaram, tal como a ostra da sua concha. O que é a Ostra?

Apenas a opção de seguir uma operacionalidade física como a do Pedreiro, do Carpinteiro, do Padeiro, ou do Alquimista, e a do Filósofo especulativo, Maçom de Loja Regular (ou Irregular). As tendências multiplicaram-se como fractais dendríticas na linha do tempo, eis a evolução do pensamento em Loja, resultado da descoberta que emerge em cada Homem de Bons Costumes, quando a mente se abre à Razão, à Consciência.

Os ciclos da Vida e da Natureza, que antes de nós os antigos Mestres descobriram, e que encontraram geometricamente plasmados na mente comum, foram tal como conhecemos, desenhados em arquitectura no complexo ritual em Loja. Um sortilégio do qual o Iniciado só se libertará depois de chegar ao fim do labirinto, o 33º Grau do compasso da existência maçónica.

Entre muitos construtores míticos, o nome de Pitágoras é sem dúvida o mais importante, na definição da Geometria Sagrada como da Matemática. E ele, Mestre por excelência do Segredo, ainda hoje é exemplo entre Maçons, Rosacruses, Martinistas, etc.


Da Geometria do Mediterrâneo

Ao Templo na Europa

As tradições do Mediterrâneo Oriental, das escolas gregas e latinas (gnósticas, pitagóricas e cristãs) encontram-se no fundo do pensamento espiritual e filosófico da identidade europeia. Este é o facto que reconhecemos consensualmente, mas não sabemos exactamente como se desenvolveram as agremiações, já que elas por natureza, sempre mantiveram uma discrição própria ao labor iniciático.

Porém, a literatura greco-latina, como a medieval e a renascentista, descrevem exaustivamente todo o universo iniciático, com ou sem alusões pagãs, mas igualmente num ambiente judaico-cristão, demonstrando assim uma continuidade de tradição e de ritos.

Dante Alighieri ― a Divina Comédia apresenta todo um simbolismo alquímico, pitagórico e gnóstico que se praticava na altura ― como Petrarca, e até nas comunidades espiritualistas do Languedoc, é notória a proximidade com as tradições neopitagóricas e neoplatónicas. Tradições, que apesar das perseguições religiosas, contribuíram param a formação espiritual e filosófica do Renascimento e para a criação da Academia Platónica de Marcilio Ficino (1433-1499). Giordano Bruno e Tomás de Campanella foram igualmente influenciados pelos preceitos de Pitágoras e vários monges igualmente se deixaram contagiar pela gimnosofia pitagórica. É aliás pela via do hermetismo, da alquimia e da filosofia neoplatónica, que vamos encontrar muitos eclesiásticos em Lojas e Fraternidades a partir dos séculos XVI-XVII.

Anterior a este período conhecemos apenas intelectuais que individualmente emergiram e publicaram estudos e tratados, supostamente baseados nas traduções latinas e em textos árabes, sem suspeita de terem pertencido a alguma Irmandade, embora isso seja pouco credível nalguns casos. Roger Bacon, Basil Valentin, Ramon Llull, George Ripley, John Hollandus, Geber e Paracelcus encontram-se entre os maiores intelectuais que igualmente foram influenciados por Pitágoras, não só através dos conhecimentos da matemática como da filosofia.


Entre a fundação da primeira escola em Crotona por Pitágoras e o surgimento da Maçonaria no século XVIII, vão aproximadamente 1221 anos, contados desde a morte do Mestre grego em 496 a.C., até ao surgimento tradicionalmente reconhecido do Rito Escocês Antigo e Aceito em 1733.

Mas entre o advento da Fraternidade Rosa-Cruz e da Maçonaria, um outro acontecimento transformou o horizonte europeu. E esse foi a Reforma Protestante (1517), que iria ter repercussões em todos os níveis da sociedade civil e religiosa, e cujo impacto ainda se faz sentir nos nossos dias.

É de facto a partir deste evento que começam a surgir as primeiras edições de textos clássicos ligados às tradições neopitagóricas e neoplatónicas. Em 1583 é publicado pela primeira vez o texto grego dos Versos de Ouro de Pitágoras, com comentários de Hiérocles, numa tentativa de demonstrar a concordância doutrinal entre Platão e Aristóteles, refutando os sistemas dos epicuristas e dos estoicos. Este e outros textos atribuídos à Escola de Pitágoras já tinham aparecido efemeramente em duas edições anteriores, mas em latim, a de 1471 (em Pádua) e a de 1475 (em Roma).

O Pitagorismo aparece assim de forma pública, embora reservada apenas aos eruditos que “sabiam ler”, entendidos como religiosos, académicos, alguns nobres e burgueses, assim como cristãos-novos. Os preceitos de Pitágoras foram assumidos por várias irmandades num espectro alargado da sociedade europeia, incluindo alguns grupos distintos de ordens e de congregações religiosas, como de academias de artes e ofícios.

Aproximadamente um séculos depois da Reforma, e após um outro acontecimento com impacto ao nível das cortes e das academias de artes, surgem novas traduções dos Versos de Pitágoras e respectivas notas clássicas.

Esse outro acontecimento é a publicação da Fama Fraternatitatis (1614) e da Confessio Fraternitatis (1615) em Kassel, pela Fraternidade Rosa-Cruz. Dois panfletos que dão início a uma transformação sem precedentes. Em 1611 já circulavam versões manuscritas dos dois documentos, o que indica um trabalho preparatório e uma rede de contactos que se espalhava por toda a Europa e que mostra uma longa tradição iniciática.

Em consequência da sua imensa influência, a Fraternidade Rosa-Cruz, assim como a Maçonaria, ostentam ainda hoje marcas simbólicas e visíveis do pitagorismo e ambas têm orgulho em nomear o Mestre grego nas suas Lojas. É natural, portanto, que a partir do século XVII, depois da publicação da Fama e da Confessio, Pitágoras e o pitagorismo tenham ressurgido numa metamorfose humanista, e que alguns conselheiros de Estado, educadores e religiosos tenham dedicado aos seus protectores (reis e nobres) reedições traduzidas do grego e do latim, para as línguas vernáculas, dos Versos de Ouro, da Letra de Pitágoras e do Homem de Bem.

Porém, o movimento da Reforma (1517), se por um lado fez reverdecer as fraternidades cristãs e gnósticas da Europa, por outro e com a Contra-Reforma, principalmente a partir do Concílio de Trento (no ano de 1545 e depois em 1563), provocou uma reacção entre os tradicionalistas pitagóricos, levando a uma separação sensível na interpretação dos textos fundadores da Fraternidade Pitagórica na Europa e no seu relacionamento com a cultura mediterrânica.

A primeira e grande cisão que deve ter-se operado no seio desta irmandade, envolveu precisamente aqueles que se mantiveram fiéis ao Catolicismo Apostólico Romano e os que se agruparam em torno do Movimento Protestante. Devem ter passado a existir, portanto, duas irmandades gémeas pitagóricas: uma de fundo Apostólico Romano e outra Protestante, ambas com um certo perfil gnóstico cristão.

E isso é o que justamente podemos observar nas traduções e anotações feitas entre finais do século XVII e meados do XVIII, nos textos pitagóricos, ou tradicionalmente atribuídos a Pitágoras. Na edição portuguesa de 1795 percebe-se a preocupação que Luís António de Azevedo tem ao referir en passant a sua filiação apostólica e fiel ao Concílio de Trento, muito embora a filosofia que expõe, as explicações que dá e as anotações que faz, não iliba o Opúsculo de pertencer à melhor tradução gnóstica do Mediterrâneo oriental. É que Azevedo, embora se defenda, com todo o fundamento cristão, em São Jerónimo e São Paulo, prefere citar entre outros autores (gregos e latinos) o Padre António Vieira.

A tradução original de que se valeu para fazer a sua, tirou-a certamente e na maioria de André Dacier (1651-1722), um emérito membro da Academia de Letras de Paris e seu secretário perpétuo, mas protestante assumido e conhecido nos meios académicos e sociais da França. Os cotejos de Azevedo em todo o opúsculo são maioritariamente retirados deste comentador francês.

A tradução portuguesa realizada por Azevedo e publicada em 1795, encontra-se dentro da tradição iniciática e revela uma filiação europeia. Noutros países e à mesma altura em que Azevedo dava à estampa os famosos Versos, também se fez publicar Pitágoras com a mesma forma editorial e com os mesmos objectivos: educar e cativar os reis e os nobres e talvez iniciá-los nalguma Loja. De facto, a edição de Dacier (com as notas de Hiérocles) serviram de exemplo a vários editores.

Seriam estas publicações uma resposta ao apelo lançado pelos Rosa-Cruzes na Fama e na Confessio, um século antes, e uma resposta ao movimento da Contra-Reforma, que no caso português atingiu a sua maior expressão com a “Viradeira”?

Nestas edições descobre-se constantemente a afirmação do horizonte moral e ético, como especulativo, alusivos ao julgamento e ao discernimento: “vivendo no nível e pelo esquadro”.

A narrativa da Fraternidade Pitagórica estende-se por toda a história da Europa e do Mediterrâneo, o que implica reconhecer que houve Lojas pitagóricas na orla do mar interior, incluindo Marrocos, onde existiu igualmente em Fez uma Irmandade Pitagórica com texto traduzido para o Árabe.

Este facto é de extraordinária importância para a história da Maçonaria e da Rosa-Cruz em geral, mas igualmente para a história da implantação da Maçonaria em Portugal.

Embora não se saiba ainda como as irmandades ibéricas e particularmente portuguesas sobreviveram e se mantiveram antes do advento da Maçonaria, podemos fazer uma ideia de como os elos e as fraternidades entre elas e outras irmandades na Europa possam ter-se mantido.

É ainda um mistério a forma como a Maçonaria foi implantada “sem acolhimento” em Portugal, se pensarmos que as ordens militares e de cavalaria, mesmo estando já em decadência e muitas sendo apenas honoríficas, mantinham ritos oriundos da Ordem de Cristo, antiga Ordem do Templo, e que algumas podem ter oferecido resistência à sua entrada em Portugal.

Não se explica facilmente como em 1727 a primeira e única Loja maçónica, de mercadores ingleses fosse interdita pela Inquisição, a não ser por motivos religiosos e políticos (anglicanismo e protestantismo). Em 1733 fundava-se em Lisboa a primeira Loja genuinamente portuguesa, “Casa Real dos Pedreiros-Livres da Lusitânia”, na qual Carlos Mardel era Obreiro, para logo em 1738 abater colunas por imposição da bula condenatória de Clemente XII.

Qualquer outra Fraternidade que mantivesse neste período uma Loja activa em Portugal, certamente teria de mover-se com a precaução necessária para não ter que adormecer.

Em 1743 a Loja Coustos era denunciada à Inquisição, levando à prisão e à tortura os seus Irmãos. Só mais tarde, entre 1760-1770, é que a Maçonaria adquiriria mais liberdade e força em Portugal, derivada da acção esclarecida do marquês de Pombal. Porém, com a sua morte e a partir de 13 de Março de 1777,a “Viradeira” dava origem a novas e ferozes perseguições que se prolongariam até 1797, após a chegada a Lisboa do corpo expedicionário inglês.

É no contextos da “Viradeira” e da expulsão de vários alunos e professores da universidade de Coimbra, acusados de heresia e de serem “enciclopedistas”, que vemos surgir em 1795 a edição de Azevedo, dedicada a D: João VI.

Esta publicação representa um esforço por parte de algumas Irmandades europeias, para “esclarecer” a realeza portuguesa, e assim tentar travar a perseguição, ou pelo menos aliviar e retardar o seu andamento.


O Rito Pitagórico na Maçonaria

Foi em Crotona, cidade helénica da Itália meridional, que Pitágoras fundou a sua escola iniciática conhecida posteriormente pelo nome de “Fraternidade Pitagórica”. Ali reuniu-se um grupo de discípulos, a quem iniciou nos conhecimentos de matemática, música e astronomia, consideradas como base de todas as artes e ciências.

Para entrar na Fraternidade, o candidato era submetido a rudes provas, tanto físicas como de ordem psicológica. Se essas provas eram ultrapassadas, então o neófito era aceite como “acusmático”, o que significa que deveria fazer o voto de silêncio durante os cinco primeiros anos. Os ensinamentos nunca eram escritos, mas transmitidos de boca a ouvido àqueles que estavam prontos a assimilá-los.

Pitágoras, na sua linguagem numérica, que vamos encontrar igualmente entre os hindus, persas e mais tarde entre os árabes, designava Deus pelo número 1 e a Matéria pelo 2; exprimia o Universo pelo número 12, resultante da multiplicação de 3 por 4; quer dizer, Pitágoras concebia o Universo composto por três mundos particulares que, encaixando-se uns nos outros através dos quatro princípio ou elementos da natureza, desenvolviam-se em 12 esferas concêntricas. Ao Ser Inefável que inundava estas esferas sem ser captado por nenhuma delas, o Filósofo de Samos chamava-lhe Deus (Theos). Pitágoras conheceu e aprendeu no Egipto (e talvez na Pérsia) a aplicação do número 12 ao Universo, tal como assumiam os Caldeus que a faziam derivar da divisão do céu astrológico no mesmo número de casas zodiacais.

Pitágoras aprendera no Egipto que os astros são corpos vivos que se movimentam no espaço. Obedecendo a uma lei de harmonia universal, à qual estão inexoravelmente sujeitos no tempo, como todas as coisas manifestadas. Nas suas formas esféricas, o Mestre de Samos via a figura geométrica mais perfeita. Considerava o Homem um Universo à escala reduzida, e o Universo uma grande Homem. Ele chamou-lhes respectivamente Microcosmo e Macrocosmo. Assim, o Homem como uma célula contida no Todo, seria um reflexo de ternário universal constituído de Corpo, Alma e Espírito.

Foi esta geometria clássica da Antiga Grécia, passada à península itálica, e supostamente derivada do conhecimento egípcio e oriental persa e hindu, que influenciou profundamente as Irmandades do Renascimento, que e mais tarde deram origem ao Rito Pitagórico europeu. Este Rito surgiria na Alemanha em 1616 com a finalidade de propagar os ensinamentos de Pitágoras, possuindo três graus: Ouvinte, Iniciado na Ciência e Mestre Pitagórico.

Desde sempre que a Maçonaria considera o simbolismo geométrico com a maior importância, sendo o teorema de Pitágoras amplamente representado na arte Maçónica. Foi sugerido por vários Obreiros e investigadores, que sobreviveu através dos tempos certa forma de iniciação Pitagórica, primeiro no Império Bizantino e depois (Istambul, Marraquexe e Fez), à medida que os turcos otomanos avançaram, em Itália, donde a elite intelectual grega encontrou refúgio.

O Rito Filosófico Italiano, do qual Reghini foi um dos seus fundadores, realizou um intento para promover a unificação dos Grupos Maçónicos dispersos, através do retorno às raízes espirituais da Arte (o nome trás à memória o Rito Filosófico Escocês, considerado como tendo ligações com os Pitagóricos Britânicos). O Rito Italiano teria sete graus e foi descrito como uma mistura de elementos Pitagóricos e Gnósticos. Em 1911, Arturo Righini (1878-1946) e Armentano reescreveram os estatutos do Rito., determinando que deveria pôr-se no templo uma cópia dos Versos de Ouro de Pitágoras, junto com os demais objectos usados na trabalho de loja.

Esta experiência foi interrompida pela Primeira Guerra Mundial, que desfez os contactos fraternais internacionais, quando Reghini se alistou no exército. O Rito Filosófico teve o seu fim em 1919, quando se fundiu com a Grande Loja do Rito Escocês. Daí em diante Reghini passaria a ser mais cauteloso com qualquer “reforma universal” da Arte.

Através de todas as suas actividades Reghini foi um pitagórico. E o que significava isso em termos operativos? Ele dicou-se à recolha diária dos seus actos ― uma prática que remontava a Pitágoras ― assim como ao “extae filosofico”, que é na realidade um tipo de meditação. O Irmão tem que sentar-se comodamente num lugar tranquilo, esvaziando a mente de todos os pensamentos e emoções; deverá estar em obscuridade ou ter apenas uma luz por detrás dele.

O Rito Escocês Antigo e Aceito conserva ainda hoje traços do antigo pitagorismo, quer na geometria do Rito, quer no próprio Ritual. Mas é no pensamento e na forma de o ordenar, como na síntese da tradição judaico-cristã que ele demonstra essa geometria transcendente da Razão, suportada pelos três pilares da Sabedoria, da Força e da Beleza, de grau em grau, do 1º ao 33º

Roman, M.'.M.'.

Bibliografia

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