Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

19 de maio de 2023

O Desbastar da Pedra Bruta na caminhada do Aprendiz. Que significado?

O Desbastar da Pedra Bruta na Caminhada do Aprendiz. Que Significado?

Várias foram as noites em que me deitei e adormeci reflectindo sobre o simbolismo da Pedra Bruta, sobre o seu valor e significado.

Durante a minha reflexão e pesquisa sobre o assunto senti que estava a iniciar uma de muitas viagens. Sabemos que ao iniciar uma viagem há que saber o que se deve levar. Os inexperientes enchem as suas malas com excesso de bagagem, provavelmente com “tralhas” que nunca irão precisar. Os já viajados, pelo contrário, escolhem com critério o que irão necessitar pois sabem que o peso e o volume atrapalham e dificultam o caminho.

No fundo trata-se de um ritual que todos os viajantes, que procuram outros lugares, terão que passar. Depois de uns largos anos e viagens realizadas, talvez a carga seja mais leve. Por agora sinto que a mala está carregada de “calhaus” que forçosamente terão quer ser levados tal qual uma penitência destinada a todos aqueles que apesar de tudo, não temem dar início à primeira etapa da uma jornada que será longa.

Assim será a jornada de um aprendiz de maçom, que ao longo da mesma se deverá empenhar e esforçar, depurando o seu espírito, purificando o seu ser, expurgando as imperfeições da sua alma e refinando-a com valores e princípios éticos em prole da humanidade.

Se nome atribuísse a essa jornada, chamar-lhe-ia, “o desbastar da pedra bruta”. Poderemos dizer que o aprendiz de maçom é tal qual uma “pedra bruta”. Uma pedra que brota e que emerge da rocha mãe em estado bruto. Que às vezes se solta tal qual muitas outras e que segue o seu caminho levada, por vezes, pelas torrentes de lama ou pelo vento agreste próprio das serranias, ou então pela água pura da imparável corrente de um rio.

Na maçonaria “o desbaste da pedra bruta” simboliza o ponto de partida, o soltar da rocha mãe, o início da grande transformação que deve ser realizada de forma voluntária e empenhada. Que carece de tempo, esforço e dedicação. A “Pedra bruta” simboliza a matéria e o espírito que constitui o aprendiz, recheada de arestas e saliências e por vezes impurezas que podem e devem ser desbastadas, esculpidas e lapidadas, levando a formas mais nobres, harmoniosas e definidas. Neste processo o aprendiz é matéria-prima, mas também, obreiro e instrumento. Dando largas à imaginação, penso num cirurgião plástico que ao mesmo tempo é psicólogo e que se auto manipula, moldando, não o corpo, mas o carácter, tudo isso com as suas próprias mãos. Tal especialidade médica não seria de todo reconhecida pela ordem, no entanto, pensamos que a maçonaria, aprová-la-ia decerto.

A PEDRA BRUTA, no essencial, simboliza o Grau de Aprendiz de Maçom. Simboliza a imperfeição espiritual do homem, independentemente das suas qualidades profissionais e de sua posição social. Representa o começo, o início de uma longa jornada de procura e de constante aprendizagem.

Enquanto matéria-prima, as pedras contêm todas as formas e possibilidades, desde as mais bizarras, imperfeitas e insignificantes, às mais sublimes, harmoniosas e imponentes. A pedra já traz em si marcas que irão influenciar o seu entalhe, facilitando ou dificultando o seu desbaste. A sua forma original, o material do qual é feita e a sua origem, definirão o seu acabamento. A quem se propõe desbastar a pedra bruta cabe o trabalho de a esculpir e de a tornar perfeita de modo que, em conjunto com muitas outras, se torne parte do edifício que é a humanidade.

Algumas pedras são mais maciças feitas de material mais difícil de penetrar, por vezes até quebradiças. Exigem trabalho mais árduo por parte do obreiro. Devem ser manipuladas com cuidado e atenção de modo a não comprometer a sua estrutura base. Outras de material mais poroso, mais frágil, exigem uma actuação mais pensada pois qualquer toque pode deixar impressões profundas e aberrantes. Há ainda outras que apesar da sua aparente solidez, são ocas, contando com um vazio perigoso que pode comprometer e inviabilizar toda a obra.

As marcas deixadas ao longo da vida são infinitas e de infinitas características, algumas evidentes facilmente aparadas, outras, mais discretas e profundas representam passagens delicadas e sensíveis da nossa história de vida exigindo, portanto, mais atenção do obreiro. Os vícios são como fissuras na pedra e serão sempre um obstáculo ao seu perfeito entalhe.

Os caminhos que fomos percorrendo em nossas vidas deixaram marcas, contribuíram para a formação do nosso carácter, das nossas qualidades, mas também dos nossos defeitos. O desbaste da pedra exige, portanto, tempo, estudo e método, para que não se corram riscos desnecessários, evitando dessa forma novos defeitos ou falsos conceitos contrariando assim os méritos desta instituição milenar que é a maçonaria.

Enquanto obreiro, o aprendiz tem que ter a consciência que o desbaste da pedra bruta é um trabalho contínuo e para a vida. A necessidade de aperfeiçoamento seja ele intelectual; espiritual ou moral é essencial à evolução humana, permitindo atingir novos estádios de progresso sempre ao serviço de toda a humanidade.

O processo de entalhe da pedra bruta requer humildade e trabalho perseverante, em busca da autotransformação, evolução e desenvolvimento pessoal. Requer cooperação, solidariedade e união entre todos os irmãos para que sejam também alcançados objetivos comuns, visando a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Nesta caminhada, o aprendiz é dotado de livre-arbítrio, autonomia individual e livre pensamento, pois o trabalho na pedra deve ser um símbolo de liberdade de escolha, livre de todas as formas de opressão, poder ou repressão. Esta condição é essencial para a viagem que espera o aprendiz pois é necessário que possa aprender com os próprios erros e falhas, para que não sejam infinitamente repetidos. A lapidação da pedra bruta é, pois, um processo lento e gradual que exige paciência, perseverança e dedicação. É um processo que envolve o estudo, a reflexão e a prática de valores éticos e morais e que leva a uma melhoria pessoal constante. A pedra trabalhada, representa a vitória sobre as fraquezas e limitações humanas e simboliza a realização pessoal e a alegria de viver connosco e com os outros.

Enquanto instrumento, o aprendiz dispõe de três ferramentas que devem ser utilizadas de forma coordenada e integrada. Esses instrumentos, a Régua de 24 PP, o Maço e o Cinzel, são essenciais para que o Aprendiz consiga desbastar a sua pedra bruta. Simbolicamente, a Régua de 24 PP é a consciência, o Maço a força de vontade e a energia e o Cinzel a beleza moral e a razão e significam que o Aprendiz deve dominar suas paixões, emoções e vaidades, aperfeiçoando o seu espírito e desbastando as arestas que causam as suas imperfeições e vícios profanos.

A Régua de 24 PP, é fundamental para o trabalho do Aprendiz, já que a sua utilização potencializa o trabalho dos restantes dois instrumentos. No trabalho desenvolvido pelo Aprendiz, a Régua de 24 PP serve para planear, projectar e medir sobre a pedra bruta, o desbaste que irá ser por ele efectuado. Em outras palavras, sem a aplicação e interpretação adequadas da Régua de 24 PP e do seu significado, de pouco servirá a correta utilização dos outros instrumentos de trabalho ao alcance do Aprendiz. A aplicação da Régua de 24 PP, significa preparar com precisão, planejar de forma clara e definida, todo trabalho a ser executado pelo Aprendiz. A utilização da Régua de 24 PP como instrumento de trabalho auxilia o Aprendiz a planear as suas atividades, estabelecer metas e realizá-las com critério e objetividade.

O Maço representa a força, a energia necessária para o trabalho na pedra bruta. Na construção de sua auto-escultura, o Aprendiz precisa da força e da energia do Maço, para que as suas acções metodicamente planeadas com o auxílio da Régua de 24 PP possam ser, efectivamente, realizadas. O maço é o símbolo do desejo de trabalhar e é guiado pelo livre-arbítrio e livre pensamento e reforça as nossas ações. O maço representa a força de vontade necessária para dominar e controlar a nossos vícios e a insensatez.

O cinzel representa a inteligência, pois é o cinzel que direciona a força do maço rumo às imperfeições da Pedra Bruta, pois apenas com força bruta não é possível tirar com perfeição e exatidão os defeitos da mesma. É necessário que o cinzel encaminhe esta força ao foco, ao ponto exato e arranque com o seu gume contundente a imperfeição diagnosticada pelo aprendiz. Para a adequada aplicação do Cinzel, o Aprendiz deve possuir qualidades morais, sentimentos bons e generosos (linha da virtude), uma mente bem dotada e educada (linha da direção) e uma natureza espiritual pura e profunda (linha do discernimento), qualidades que o auxiliarão na sua longa caminhada.

Em suma, a pedra bruta é um símbolo de humildade pois representa a aceitação da condição humana, das suas imperfeições e fraquezas. Ela recorda-nos que os homens são todos iguais, independentemente das suas circunstâncias e características pessoais e que será sempre necessário trabalhar incessantemente para que superemos as nossas fraquezas, limitações e imperfeições.

A pedra bruta é também um símbolo de liberdade e livre-arbítrio. Simboliza a liberdade de pensamento e de ação, essenciais para o trabalho maçónico e desenvolvimento pessoal. A pedra bruta lembra aos maçons que é preciso preservar a liberdade e autonomia individual e lutar contra todas as formas de opressão e dominação. A fraternidade é, igualmente, um dos atributos do desbaste da pedra bruta pois representa a unidade e a solidariedade entre os seres humanos. Ela lembra aos maçons que todos são irmãos e que é preciso trabalharem juntos para alcançar objetivos comuns. A pedra bruta simboliza a solidariedade entre os seres humanos que é essencial para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. A pedra bruta é trabalhada por todos os maçons através do processo de lapidação, processo que visa a auto transformação e desenvolvimento pessoal. Esse processo envolve a remoção das partes imperfeitas e irregulares da pedra bruta, até que ela alcance uma forma geométrica perfeita. Esse processo de lapidação simboliza o trabalho que os maçons devem realizar em si mesmos, a fim de alcançarem a perfeição moral e espiritual. A lapidação da pedra bruta é um processo lento e gradual que exige paciência, perseverança e dedicação. É um processo que envolve o estudo, a reflexão e a prática de valores éticos e morais e que leva a uma melhoria pessoal constante. A lapidação da pedra bruta é um processo coletivo que envolve a colaboração entre todos os maçons. Cada maçom contribui com o seu trabalho individual para o processo de lapidação da sua pedra bruta e em conjunto da edificação do templo que deverá ser composto por todas as pedras, desde as mais sólidas, robustas e imponentes, às mais toscas e frágeis. Esse processo simboliza a importância da colaboração e da solidariedade entre os seres humanos que é essencial para construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária.

Como a perfeição é infinita e o seu absoluto é inacessível, o que nos resta fazer é somente aproximar da perfeição ideal, por etapas de progresso, ultrapassando-as através de sucessivos graus de perfeição relativa. Reconhecer a nossa imperfeição em face do ideal de perfeição desejado é o fermento necessário para dar continuidade ao trabalho de desbaste.

Termino este trabalho com um poema de um escritor brasileiro que penso ser pouco conhecido pois pouco conhecedor sou eu da poesia em geral e da brasileira em particular.

(1) A pedra

O distraído, nela tropeçou,

o bruto a usou como projétil,

o empreendedor, usando-a construiu,

o campônio, cansado da lida,

dela fez assento.

Para os meninos foi brinquedo,

Drummond a poetizou,

Davi matou Golias...

Por fim;

o artista concebeu a mais bela escultura.

Em todos os casos,

a diferença não era a pedra.

Mas o homem.

(1) António Pereira Apon. Livro de poesia “A Essência”, 1999.

Nelson, Apr⸫

R⸫L⸫ Salvador Allende a Or⸫ de Lisboa

Este trabalho teve por base a pesquisa efectuada:

https://www.freemason.pt/alquimia-e-a-maconaria/

https://www.freemason.pt/pedra-bruta-3/

https://www.freemason.pt/pedra-bruta-aplicacoes-filosoficas/

https://masonic.com.br/rito/trb12.htm

https://www.maconaria.net/a-pedra-bruta/

https://www.rlmad.net/arquivoblog/a-maconaria/pedra-bruta-2/

https://www.ippb.org.br/textos/especiais/mythos-editora/o-bem-o-mal-e-a-licao-da-pedra-bruta

https://www.maconaria.net/os-instrumentos-de-trabalho-do-primeiro-grau-de-ap-m/

https://www.lojamad.com.br/index.php/eventos/item/206-a-pedra-bruta-o-maco-e-o-cinzel

https://www.freemason.pt/os-instrumentos-de-trabalho-do-1-grau/

https://www.freemason.pt/trab-aprend/

António Pereira Apon. Livro de poesia “A Essência”, 1999.(1)



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