Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

26 de maio de 2020

O colarinho sem chopp


Com a devida vénia transcreve-se do Blogue «O Ponto Dentro do Círculo» este artigo de Luciano Alves:

O colarinho sem chopp

Antes de abrir a primeira rodada e explicar o título invertido acima, meu Irmão Heberth Ávila ensina que cada tipo de cerveja tem sua medida desejada e esperada de espuma. Muita carbonatação pode ser sinal de excesso de gás carbônico. Sai o chopp com colarinho, entra a aberração do “colarinho sem chopp”, não havendo o que saborear. Pode ser culpa do mestre cervejeiro imperito ou do garçom distraído na biqueira, tanto faz. Para esse desvio, bradamos logo: “tem muita espuma e pouco chopp”, ou seja: tem gás demais!
Em nossa Sublime Ordem, também é indesejada a sensação de “muita espuma, pouco chopp”: discussões infindáveis sobre o que deve ser feito, a melhor estratégia, pautas paquidérmicas para, ao fim e ao cabo, reconhecer que muito pouco ou nada se aplicou no mundo real. Muito volume sem efetividade equivale-se ao insonso “colarinho sem chopp”. É a Oficina que perdeu a mão na especulação. Nessa hipótese, ao inverso da cerveja, sua causa é o contrário: tem gás de menos!
Muita calma nessa hora! Desce bem uma boa dose de cautela e equilíbrio (com gelo, limão e gentileza): não se nega o planejamento e a abstração, ínsitas à boa reflexão. O que se condena é fazer da especulação escudo para a inércia. Espuma demais é como planejamento sem nenhuma execução: muito volume, pouco gosto!
Também é servido aos Iniciados, como aperitivo, que ninguém conseguiu ainda a posse integral da Verdade. Quanto mais se resiste na inércia, mais se ilude. Noutro dizer, é mais provável que o simples ignorante esteja mais próximo da Verdade que o teórico que se jacta, sentado em falsas noções.
Como qualquer teste cego, comprova-se o bom mestre cervejeiro pelo resultado do produto no campo dos sentidos e não pelo seu currículo quilométrico. Tal regra aplica-se a toda e qualquer Arte, dentro ou fora das Colunas.
Entrando na conversa, O Caibalion alerta que a posse do Conhecimento desacompanhado da Ação é como o amontoado de metais preciosos, uma coisa vã e tola. O Conhecimento é, como a riqueza, destinado ao Uso. A Lei do Uso é Universal, e aquele que a viola sofre por causa do seu conflito com as forças naturais” (Os Três Iniciados).
Se o discurso convence, o exemplo arrasta. Se isso desce amargo demais, é porque os sentidos ainda não estão despertos.

24 de maio de 2020

LOJA VIRTUAL


Estamos a atravessar um período em que vale a pena reflectir e por tal transcreve-se, com a devida vénia e respectiva autorização, este Soneto de Adilson Zotovici:

LOJA  VIRTUAL

Hoje há tanta informação
Com transformação digital,
Rápida comunicação,
Imagem tridimensional...

A mim, de antiga geração,
Parece-me, às vezes, fatal
Bloqueamos nossa emoção
E nada mais é pessoal

Nesse WhatsZapp  infernal
Não há tempo de contrição
Duma mensagem casual

Falam em “Loja virtual”
Mas, deve haver ponderação
Por tratar-se d’Arte Real !

Adilson Zotovici

19 de maio de 2020

O Rei dos Animais


O Rei dos Animais

Saiu o leão a fazer sua pesquisa estatística, para verificar se ainda era o Rei das Selvas. Os tempos tinham mudado muito, as condições do progresso alterado a psicologia e os métodos de combate das feras, as relações de respeito entre os animais já não eram as mesmas, de modo que seria bom indagar. Não que restasse ao Leão qualquer dúvida quanto à sua realeza. Mas assegurar-se é uma das constantes do espírito humano, e, por extensão, do espírito animal. Ouvir da boca dos outros a consagração do nosso valor, saber o sabido, quando ele nos é favorável, eis um prazer dos deuses. Assim o Leão encontrou o Macaco e perguntou: "Hei, você aí, macaco - quem é o rei dos animais?" O Macaco, surpreendido pelo rugir indagatório, deu um salto de pavor e, quando respondeu, já estava no mais alto galho da mais alta árvore da floresta: "Claro que é você, Leão, claro que é você!".
Satisfeito, o Leão continuou pela floresta e perguntou ao papagaio: "Currupaco, papagaio. Quem é, segundo seu conceito, o Senhor da Floresta, não é o Leão?" E como aos papagaios não é dado o dom de improvisar, mas apenas o de repetir, lá repetiu o papagaio: "Currupaco... não é o Leão? Não é o Leão? Currupaco, não é o Leão?".
Cheio de si, prosseguiu o Leão pela floresta em busca de novas afirmações de sua personalidade. Encontrou a coruja e perguntou: "Coruja, não sou eu o maioral da mata?" "Sim, és tu", disse a coruja. Mas disse de sábia, não de crente. E lá se foi o Leão, mais firme no passo, mais alto de cabeça. Encontrou o tigre. "Tigre, - disse em voz de estentor -eu sou o rei da floresta. Certo?" O tigre rugiu, hesitou, tentou não responder, mas sentiu o barulho do olhar do Leão fixo em si, e disse, rugindo contrafeito: "Sim". E rugiu ainda mais mal humorado e já arrependido, quando o leão se afastou.
Três quilômetros adiante, numa grande clareira, o Leão encontrou o elefante. Perguntou: "Elefante, quem manda na floresta, quem é Rei, Imperador, Presidente da República, dono e senhor de árvores e de seres, dentro da mata?" O elefante pegou-o pela tromba, deu três voltas com ele pelo ar, atirou-o contra o tronco de uma árvore e desapareceu floresta adentro. O Leão caiu no chão, tonto e ensangüentado, levantou-se lambendo uma das patas, e murmurou: "Que diabo, só porque não sabia a resposta não era preciso ficar tão zangado".

MORAL: CADA UM TIRA DOS ACONTECIMENTOS A CONCLUSÃO QUE BEM ENTENDE.

Millôr Fernandes

16 de maio de 2020

PANDEMIA/CONFINAMENTO


PANDEMIA/CONFINAMENTO

Pandemia (o povo todo) versus Confinamento (ter um limite comum), dois substantivos que nunca pensaram estar tão intimamente ligados como nos tempos que correm. Dizem ser, um organismo microscópico, o causador de tão intensa ligação, mas será só ele? Acreditamos mesmo que um convívio existente desde os tempos dos procariotas, em que umas vezes (muitas) tudo corre bem e outras (poucas) corre mal, será o responsável por andarmos todos às aranhas e à procura de não sei o quê? Não resisto a citar D. Diderotpoderemos exigir que se encontre a verdade, mas não que a tenhamos que encontrar
Até Dezembro de 2019 as palavras, equilíbrio e harmonia, dominavam esta magnífica relação entre macro e micro organismos, cada um com um trabalho celular específico, notável e construtivo não cabendo no produto final a chamada destruição total por não fazer parte do processo e não ter responsabilidade na dinâmica vital, melhor dizendo, o desafio significativo, em que a mesma palavra significa coisas diferentes conforme a área do contexto.
Vale a pena recordar os enormes pensadores da Antiguidade desde os de Mileto aos Eleatas que sem base científica intuíam esta esplêndida relação mais tarde estudada e comprovada. Tales, Empédocles, Heráclito, Parménides, Alcméon, Demócrito e Leucipo a desenharem as pedras basilares (ou brutas) que Newton, Leibniz, Lineu, D’Holbach, D’Alembert, Wallace, Pasteur e Koch burilaram (ou tornaram cúbicas) para que os moderníssimos cientistas actuais as adornassem com tanto conhecimento que se tornou quase impossível abarcar.
Então porque tem, hoje, o povo todo que lidar com um limite comum que de desconhecido só tem aquilo que teimamos em desdenhar? Porque neste mar encapelado do conhecimento surgem novas palavras (a saber, incompetência e impotência) que medram e desfazem a velhíssima relação entre organismos vitais, e que juntas se traduzem numa só, que não é nova mas tão velha como os eucariotas, que se designa por medo? Não sabemos nós que a única coisa que se consegue ao recear o inevitável é arruinar o presente? Novamente D. Diderot a inundar a reflexão…qual o papel da paixão pela aprendizagem em que o pensador tem que pisar a seus pés preconceitos e alianças de dominação autoritárias, ou seja, tudo o que deseja controlar o espírito de rebanho
À boa maneira de Robert M. Sapolsky (que no seu livro sobre a biologia humana nos transmite o que de melhor e pior acontece) vamos lá tentar decompor estes dias em que damos mais valor ao negativo (Trevas) do que ao positivo (Luz). Diz o Autor citado que o comportamento não começa no cérebro pois este é apenas a via final comum através da qual convergem todos os factores que criam o comportamento.