Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

16 de outubro de 2019

Simbologia, Ritual e Transmissão na Maçonaria – porquê?


Simbologia, Ritual e Transmissão na Maçonaria – porquê?

A transmissão do conhecimento na Maçonaria envolve um problema de fundo de enormes proporções. E ele é o da memória. A dos homens, a da natureza e a das coisas.
A sua perenidade, aparentemente liga-se à sucessão das gerações de Lojas ao longo dos séculos, à capacidade de ordenar e registar as formas dos rituais, das siglas e das ideias. Mas só aparentemente a memória maçónica está ligada às Lojas e às Obediências. E porque ela se transcendeu há muito tempo, e se elevou além dos horizontes, a memória maçónica passou a reflectir uma ordem das coisas, que podemos tentar definir como uma ordem numénica. Uma memória da ordem do mundo e do universo.
Mas não se pense que desta forma a memória se tornou numa “pedra cúbica”, quero dizer, “acabada”. A memória maçónica, embora reflicta uma ordem cósmica, não se fecha sobre si mesma, porque a dinâmica da vida e a própria evolução do homem não têm fim. Ela é um reflexo da intrínseca fisiologia cerebral, do seu crescimento ao longo de milhões de anos, de um ponto de partida neurológico, que do instinto puro reptiliano se elevou às emoções mais exacerbadas e aos pensamentos mais abstratos proporcionados pelo sistema límbico. O que ganhámos com o crescimento do cérebro, foi em memória, mas igualmente na compreensão do universo e da natureza (physis) enquanto símbolos, forças e geometrias. Aprendemos a ler a realidade física e espiritual de forma simbólica.

Esta arte muitas vezes milenar, que os homens do paleolítico criaram nas longas noites das estepes e das florestas, e que os homens da última glaciação de Würm usaram para contar sob a forma de memória simbólica, o tempo de uma outra humanidade, esta arte passou desde então, a constituir o grémio fraterno dos pais, dos filhos e dos netos, dos clãs de uma humanidade na sua alvorada. Nessas noites, o céu e as estrelas, na sua extensão dos sonhos premonitórios, dos conventículos dos sábios e dos guerreiros, que dando força à iniciação dos novos e à continuidade dos velhos, bebendo do elixir da imortalidade, perceberam que a memória, a deles, não estava sujeita à morte, nem ao corpo físico, mas partilhava com o universo uma rede de ligações invisíveis, fundamentais à vida do próprio universo.

12 de outubro de 2019

Rogério Rodrigues-homenagem por Henrique Monteiro


Penso nele, neste momento, a discutir com São Pedro os méritos da entrada no céu. Mas, de acordo com a ética do Rogério, é ele que defende que lhe faltam qualidades e São Pedro que insiste em lhas lembrar.
O Rogério era assim. Já muitos o escreveram, mas poucos, talvez, o tenham conhecido tão bem quanto eu nas várias dimensões que teve. Foi um tremendo jornalista (torpedo, chamava-lhe a Fernanda Mestrinho); foi um poeta e escritor, que apenas a humildade natural e a vontade de se apagar e de ser crítico de si próprio não levou mais longe; foi um maçon exemplar, incorruptível e fraterno que adotou como nome simbólico Antero de Quental, com quem se há de encontrar na mão direita de Deus (o de quem o substitua).
Conheci-o há mais anos do que é justo dizer aos jornalistas novos. Nos tempos em que as redações tinham dinheiro, vagar e alegria. Sabíamos notícias à segunda e podíamos guardá-las três, seis, 10 dias. E se o Rogério tinha notícias. De todos os lados, de toda a gente. As suas fontes eram diversificadas e a sua escrita rigorosa. Um dia fomos ambos em reportagem ao Alentejo profundo, lá onde ainda não chegara o alcatrão, nem a luz, nem a água canalizada. Difícil, sabem, é o começo do texto que assinaríamos ambos. O Rogério virou-se para mim e disse-me: "escreve aí (eu escrevia à máquina mais depressa do que ele)": “Naquelas terras cujo pó nem as sandálias do diabo conheceram…” - e eu, que era já aquiliano, virei-me para ele e disse: “De onde te vem isso?”. E ele respondeu: “Da cultura."
Ah, sim! Porque o Rogério era poeta. Em 1972 publicara ‘Livro de Visitas’, um livro de poesia com uma dedicatória arrepiante ao seu irmão morto na guerra colonial, em Angola: “Ao Anísio Manuel Rodrigues - vivo; pelo Anísio Manuel Rodrigues – morto”
A morte não lhe era mais estranha do que a vida. O seu outro irmão, que ficara cego, morreria atropelado, em Lisboa. E ele, que estudara no seminário, em Macau, por mor de contos que não vêm ao caso, e que mais tarde se fizera à Filologia Românica, deu o salto para Paris, a fugir à tropa. Voltou quando um decreto permitiu que não fosse para a guerra quem fosse amparo de mãe, ou seja, tivesse já um irmão morto nas Forças Armadas.

1 de outubro de 2019

O Segredo


O SEGREDO

Quase não andava, saltitava com passinhos curtos com medo da própria sombra. Bigodinho fino exposto num lábio que parecia estar sempre a esconder-se, óculos redondos com aros de tartaruga, lentes grossíssimas tapando os olhos, tristes subentende-se. Corpo magro, esguio e furtivo, o Malaquias, circulava por entre os escombros das almas perdidas guardando-lhes os segredos que não eram secretos.
Segredo/Secreto? Substantivo e adjectivo, que de tão semelhantes conseguem ser, mesmo, quase opostos. Explico melhor: o Malaquias tinha um dom que era saber escutar com uma enorme paciência não interferindo nunca nos desabafos alheios, e isto, claro, valeu-lhe uma valente reputação junto de quem, secretamente, sofria as agruras de se situar entre os Outros e o Cosmos, coisa medonha de se enfrentar e em cujo resultado se constrói a persona, sim, a máscara que, passo a passo, edificamos para parecermos o que não somos ou como diria um aprendiz de S. Freud - ter uma personalidade. Se as ditas agruras fossem segredos, as pobres almas nunca os comunicariam, e se o fazem, então, ó semântica, querer-se-ão secretos?

Vejamos o que o Dicionário Digital Priberam da Língua Portuguesa nos diz:
Segredo (Latim secretum) -substantivo masculino; começa por coisa que não deve ser sabida por ninguém e logo a seguir expande-se dizendo que é coisa que se diz a outrem mas que não deve ser sabida por terceiros, mau, em que ficamos? Depois mais uns quantos significados, tais como, reserva, descrição, meio pouco conhecido de se fazer uma coisa, lugar da prisão onde se conservam os presos que devem estar incomunicáveis, esconderijo, conjunto de causas desconhecidas e finalizando com íntimo e âmago.
Secreto (Latim secretus) - adjectivo; separado, afastado, isolado, à parte, confidencial, que não é do domínio público, que não é conhecido, que não é visível ou facilmente acessível, que se não manifesta, solitário, reservado, sem divulgar algo, que não mostra emoções, intenções e pensamentos.