Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

25 de março de 2019

“AMADEU – nome simbólico“


“AMADEU – nome simbólico“

Introdução

Julgo pertinente um breve preâmbulo, que enquadre e justifique o tipo de abordagem que irei desenvolver.

O título da prancha identifica o objectivo da mesma, nomeadamente esclarecer as razões da escolha daquele nome e, implicitamente, assim expor perante os irmãos as linhas de força do meu pensamento e conduta, naturalmente esperando que essa partilha contribua positivamente para o nosso trabalho maçónico.

Correspondendo aos meus traços de personalidade, saliento que embora a actual maçonaria seja dita de carácter especulativo, considero fundamental a existência de uma componente operativa, que no meu caso se consubstancia através das geometrias da arquitectura e, paralelamente, pelo reconhecimento e prática da reflexão, da acção, da intervenção, do exemplo no contexto da vida real, dando a estas facetas uma importância acrescida relativamente a exaustivos trabalhos de investigação de carácter teórico – sem menosprezo destes, antes lhes reconhecendo um imprescindível valor, optimizado por aqueles que para eles têm mais vocação.

Evidentemente que a acção pressupõe conhecimento, eventualmente também especulação, mas não sendo possível a conquista pessoal de todo o conhecimento universal relativo a determinado tema, implica também capacidade de síntese e de decisão com base nos conhecimentos essenciais, potenciados por bom senso e valores espirituais ou, por outras palavras, por quem for livre e de bons costumes – é a acção num quadro de convicção aberta, não obsessiva mas flexível ao mesmo tempo que estruturante, tolerante e sempre disponível para inovação.

Por outro lado a minha escolha do nome simbólico aconteceu há cerca de quinze anos, numa altura em que o meu conhecimento relativamente aos mistérios da maçonaria era muito inferior, ou pelo menos diferentes dos actuais e questionei-me se a escolha seria a mesma se fosse feita nos dias de hoje – a percepção do mundo depende do ponto de vista, física e metafisicamente falando, em ambos os casos influenciada pela personalidade, idade, conhecimento, cultura, sociedade e alguns outros factores.

Perspectivas

Há meses atrás dei boleia, de Aveiro para Lisboa, a três jovens que viajavam de mochila às costas. Eram oriundas da Turquia, país que nos últimos anos visitei em quatro ocasiões e estavam em Portugal há algum tempo, integradas em programas de cooperação Erasmus, em locais distintos.

Rapidamente a conversa fluiu e pude constatar o encanto que tinham por Portugal, nisto incluindo as pessoas e a cultura, a paisagem e o clima, o ambiente social, nomeadamente a paz que contrasta com o ambiente que actualmente se sente na Turquia, em que o regime de Erdogan persegue os opositores, constituindo um claro retrocesso relativamente a um passado recente da nação turca e, por outro lado, atendendo á posição geográfica e geopolítica, impondo um sistemático clima de ambição e conflito face aos países vizinhos. Portugal era o paraíso na terra e a elas apetecia-lhes cá ficar.



Curiosamente uma delas tinha no braço uma tatuagem do Che Guevara, o que motivou uma perguntada minha parte quanto à possibilidade de regressarem e lutarem por aquilo que lhes parecia justo.

Recordei-lhes o movimento dos “jovens turcos” que, apesar de inexperientes, nos finais do século XIX tinham o desejo de reformar o governo e a administração do Império Otomano e viriam a iniciar a Segunda Era Constitucional, processo que tendo reestruturado o parlamento e marcado a vida artística, intelectual e política, não foi isento de erros e na ânsia de homogeneização cultural gerou, tal como na actualidade turca, perseguições político-religiosas e, pior, verdadeiros genocídios.

Mas, retribuindo encantos, falei-lhes obviamente do meu fascínio pelo fabuloso personagem Mustafa Kemal Ataturk, o pai da nação turca, tendo tido a oportunidade de visitar por mais de uma vez o recinto que é dedicado à sua memória, sito em Ankara e que inclui o mausoléu, um museu e outros espaços, organizados através de forte estrutura simbólica.

Ataturk foi maçon, filiado na Loja Italiana “Macedonia Resorta e Veritus” e é pois natural que tendo sido ele o principal obreiro da construção da nação turca, laica e republicana, os princípios maçónicos informem os fundamentos das suas acções e decisões.

É curioso constatar que a admiração pelo personagem Ataturk, que até às minhas recentes viagens a Ankara apenas remotamente conhecia, não foi resultado de alguma pré-influência, mas apenas da empatia e impacto gerados pelo contacto directo com a sua obra, nomeadamente a actual mentalidade do povo turco e correspondente contexto, pelas mensagens captadas através da visita ao mausoléu e respectivo museu e da posterior leitura de alguma historiografia, tendo o reconhecimento da sua condição de maçon acontecido ainda posteriormente.

Efectivamente o peso da sua obra é imenso, desde o seu simbolismo como herói da 1ª Guerra Mundial e da Guerra da Independência da Turquia, ao seu anti-islamismo positivo que conduziu à laicização da sociedade, à luta pelos direitos das mulheres, à mudança do alfabeto para caracteres latinos (encomendou a tradução do Corão do árabe para turco para que os fiéis não ficassem reféns das interpretações dos mulás), à instituição de uma legislação civil, à mudança do calendário para gregoriano – resumindo, foi o único reformador no mundo muçulmano, com relativo sucesso, a instituir uma república laica e moderna no lugar de um estado religioso.
São para mim feitos grandiosos, que me permitiram ver o mundo e em particular a Europa de um ponto de vista diferente e enriquecedor, mesmo que (ou precisamente por isso) mudando a minha percepção da história – há quem o considere, a ele Ataturk, como um déspota esclarecido, com as menos e mais-valias a isso inerentes, mas julgo ter sido o homem certo, no local certo, no tempo certo, que pelo exemplo e acção, lutando pela igualdade, liberdade e fraternidade, mudou o mundo.

Pessoalmente, bastas vezes recorro ou me ocorrem associações de ideias como estratégia de reflexão e, na sequência destas memórias durante a conversa com as três jovens turcas, fui estabelecendo paralelos com acontecimentos em Portugal, nomeadamente com o Marquês de Pombal e a sua obra e também com a mentalidade guerreira, de luta pela liberdade e contra a injustiça, particularmente sentida em determinadas regiões como por exemplo a zona raiana de Elvas.

Efectivamente o Marquês de Pombal foi para Portugal e especialmente para Lisboa, um personagem com pensamento e rigor para além do seu tempo, também um déspota esclarecido, surgido em momento crucial e fundamental para a reconstrução de Lisboa no pós-terramoto de 1755, mas cuja acção também extravasou as necessidades dessa reconstrução – esta beneficiou da sua visão relativamente ao modelo urbano (incluindo a largura das ruas, à época ditas exageradas) e às técnicas construtivas, aliadas a uma inerente estrutura geométrica simbólica (será o Terreiro do Paço um templo maçónico a céu aberto?), mas a sua obra estende-se a outros domínios, por exemplo sendo precursor na demarcação de regiões vinícolas, intervindo rigorosamente na área económica (nisto se incluindo a questão do Brasil), assim implantando as ideias racionalistas/iluministas apesar do reverso da medalha constituído pelas perseguições religiosas e não só.

O Marquês de Pombal também era maçon. Resta a dúvida se terá sido iniciado em Londres, portanto em obediência regular (deísta) ou em Viena, portanto em obediência irregular (agnóstica), mas uma coisa é certa, como homem incansável e de acção “se foi da lei da morte libertando”.

Quanto a Elvas, cidade actualmente classificada com o Património da Humanidade e sua região, a menção justificou-se por entender que para além do valor do património militar, nomeadamente as muralhas abaluartadas, o Forte da Graça, o Forte de Santa Luzia, os três fortins e o Aqueduto da Amoreira, o seu conjunto constitui um sistema defensivo, o maior do mundo na tipologia de fortificações abaluartadas terrestres, consubstanciando um alto valor simbólico. A sua fundação remonta ao reinado de D.Sancho II, sendo substancialmente reforçada por ocasião da Guerra da Restauração e instituindo-se como expressão do paradigma de uma mentalidade impregnada de princípios e valores, ciente da importância do património, da liberdade, da justiça, da honra, da coragem, da necessidade de constante alerta, da ética, da persistência, da firmeza deposição num quadro de tolerância face à evolução do contexto.
E este espírito não é só coisa do passado e de certa época circunscrita.

Portugal, um dos mais senão o mais antigo país do mundo com as actuais fronteiras, apesar disso tem pequenos trechos que não estão delimitados com marcos tal como a restante fronteira – é o caso da zona de Olivença, próxima de Elvas, território português usurpado pelos espanhóis desde as invasões francesas e cuja reintegração em território nacional, à luz dos princípios atrás mencionados tem sido reivindicado pelo grupo dos Amigos de Olivença (GAO).
O GAO foi fundado e 15/8/1938, tendo como objectivo principal e fim último, efectuar as diligências necessárias junto das autoridades portuguesas com vista a restabelecer  a soberania nacional no território de Olivença – foi bem acolhido pelo governo de então, apesar de entre os seus membros fundadores estar o Gen. Humberto Delgado, mas à semelhança do que se passara com anteriores governos e do que se passou os posteriores governos, pouco ou nada fizeram nesse sentido. O GAO, com períodos de altos e de baixos ao longo da sua existência, conquistou recentemente, 5/12/2018, o estatuto de utilidade pública e a sua luta contínua, com ancestral e actual razão.

 As jovens turcas estavam fascinadas pelos factos e comparações e penso que ficaram ainda mais apaixonadas por Portugal e “mordidas” pelo bichinho da intervenção.

Eis o Amadeu!

Mas afinal quem é o Amadeu?

Amadeu Rodrigues Pires (5/4/1894 – 10/3/1966), alentejano de Elvas, combatente na 1ª Guerra Mundial, comerciante, contabilista e publicista, activo desportista náutico, foi presidente do Clube Naval de Lisboa e da Federação Portuguesa de Remo, sócio-fundador e nº1 do Grupo dos Amigos de Olivença, de cujo conselho consultivo foi presidente, tendo escrito numerosos artigos sobre a ainda actual questão oliventina, impregnados de espírito irredentista que “de jure Olivença é Portugal” e sendo também autor de um livro Intitulado “Gil Fernandes, Alcaide de Elvas – na aclamação do Mestre de Avis em Olivença”, referenciado com biografia e fotografia na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.

Dele se disse e se escreveu:
  “Amado por tantos, discutido por todos
    Levando de vencida todo o obstáculo vil
    Espírito espalhando luz a rodos
    Ei-lo que se distingue entre mil”

E também, como ao Centurião disse o divino Mestre:
  “Nunca vi tamanha fé em Israel! Fé comunicativa, que dir-se-ia radicar no próprio instinto de conservação pessoal. Era como se sentisse diminuído em corpo e alma, enquanto não pudesse – e nunca desesperou de o poder um dia – soltar na cidade irredenta o grito que era ele sempre a atirar para o espaço: Viva Olivença! Viva Portugal!”

Efectivamente possuía uma sólida capacidade de comunicação, alicerçada em princípios relativos à justiça, à verdade, à honra, à liberdade, à igualdade e à fraternidade, que de certo modo sintetizava através de um fortíssimo conceito de pátria, o qual defendia com um rigor que dir-se-ia geométrico.

Os seus últimos treze anos de vida cruzaram-se entretanto com os treze primeiros de um jovem, futuro arquitecto, para o qual a faceta de geómetra terá foros de essencial e que a ele foi beber, inadvertidamente mas firmemente, aqueles princípios e essas primeiras grandes noções d e geometria – geometria metafísica, que impõe ordem e anula o caos, que estrutura cidades e edifícios, que liga o céu e a terra...

Os próprios locais em que vivia e se movimentava e aos quais me introduziu, Elvas e Olivença, mas também Lisboa e a Baixa ( o seu estabelecimento comercial, uma loja de fazendas, era em plena R. Augusta), assim como a sua paixão pela História, transmitida com inúmeros exemplos dos princípios de acção, nos quais se salientavam os Restauradores de 1640 e daí a importância primordial do 1º de Dezembro ou o Marquês de Pombal, corroboraram a influência que sobre mim exerceu.

Amadeu Rodrigues Pires é também um personagem fascinante que vive para além do seu tempo e embora não fosse maçon, foi ele, meu avô materno, que de modo distinto e por outras palavras, primeiro me explicou que é necessário “combater a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, glorificar o direito, a justiça, a verdade e a razão”, pelo que naturalmente e por razões óbvias face ao que foi exposto, aquando da minha iniciação escolhi o nome simbólico Amadeu.

Se fosse hoje, com redobrada convicção o escolheria!

Amadeu M:.M:.


BIBLIOGRAFIA

Ablogando
http://ab-logando.blogspot.com/2013/05/islamismo-versus-kemalismo-elogio-de.html
Grupo dos Amigos de Olivença
http://www.olivenca.org/htm
Infopédia
http://www.infopedia.pt/$mustafa-kemal-ataturk
Wikipédia
http://pt.wikipedia.org/wiki/Grupo_dos_Amigos_de_Oliven%C3%A7a
http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_dos_Jovens_Turcos

PS  - sou objector ao e não utilizo o Novo Acordo Ortográfico

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