Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

6 de novembro de 2013

Maçonaria Especulativa e Sir Robert Moray


Continuamos a ler e a ouvir que a Maçonaria Especulativa nasceu em 24 de Junho de 1717 com a criação, por 4 lojas londrinas, da Grande Loja de Londres.

Continuamos a ler e a ouvir que antes desta data existia somente a Maçonaria Operativa, derivada dos grandes construtores dessas maravilhosas obras de arte que são as catedrais existentes em diversos países europeus.

E continuamos a ler e a ouvir que as lojas maçónicas operativas foram admitindo  gradualmente em vários locais indivíduos que não estavam ligados às artes e aos ofícios e que eram recebidos como membros dessas lojas.

Podemos dizer que esta é a história oficial que foi criada e insistentemente difundida como parte de um programa de cultura imperial global muito activo no século XIX por parte da potência dominadora a nível mundial nesse período que foi a Grã- Bretanha.

Este é um lado da questão e importa, na minha simples opinião pessoal, analisar a sensatez e a credibilidade dessa história oficial que não é diferente de quase todas as histórias oficiais de qualquer assunto que reflectem sempre uma visão manipuladora dos factos e das mentes.

O raciocínio de análise e a compilação de múltiplos factos históricos acaba por mostrar o contrassenso de algumas dessas matérias que vamos lendo e ouvindo. Desde logo, porque não é possível qualquer acção operativa sem ser precedida de uma actividade especulativa.

Está há muito demonstrado no plano científico e fisiológico que em qualquer actividade,  mesmo de complexidade muito rudimentar, o pensamento precede a acção.
Os grandes construtores de catedrais muito antes de começarem a edificar os  gigantescos edifícios com aspectos altamente sofisticados a nível estrutural e artístico,  passavam, inevitavelmente, largos meses a discutir todos os cálculos de construção e as plantas de todo o conjunto a edificar.

No seio dessas lojas existiam diversos membros que possuíam profundos  conhecimentos de, por exemplo, engenharia, de matemática e de arquitectura que  certamente não estariam depois nos locais de construção a talhar as pedras ou a colocar argamassa.

Imaginemos o que aconteceria se começassem a levantar aquelas pesadas paredes sem os necessários cálculos precisos e sem técnicas apuradas de construção.

Não durariam muito, ao contrário do que temos actualmente, em que algumas delas têm quase 1000 anos.

Por outro lado, e admitindo essa referida diferença entre maçonaria operativa e especulativa, bem como a sua sequência temporal e histórica, nada permite fundamentar com o mínimo de credibilidade histórica que a maçonaria especulativa nasceu em 1717.

Não é possível continuar a escamotear que a criação da Grande Loja de Londres, e que no século seguinte evoluiu para a Grande Loja Unida de Inglaterra, obedeceu a um plano político organizado pela então nova família real inglesa vinda directamente da Alemanha e que ficou logo conhecida pela dinastia hanoveriana.

O facto das mais influentes lojas maçónicas na Inglaterra, na Escócia e na Irlanda terem uma fortíssima influência stuartista, a outra família real que disputava o trono, impôs que os novos ocupantes do trono inglês tivessem de desenvolver imediatos esforços para contrariar essa influência no mesmo terreno, como uma das formas de segurarem o poder adquirido.

O objectivo efectivo da elaboração das Constituições de Anderson, o papel que desempenhou este capelão protestante e os prolongados conflitos entre Antigos e  Modernos dariam, por si só, para fazer um outro extenso trabalho de análise.

Mas voltando à questão do nascimento da Maçonaria Especulativa, importa ter presente a criação da Royal Society e o papel de Sir Robert Moray.

Robert Moray foi soldado, espião, diplomata, rosacruciano, filósofo e cientista e a verdadeira alma da criação da Royal Society.

Foi um homem de extrema confiança dos Stuarts e também o seu homem-sombra.  A existência de uma ampla rede de lojas maçónicas não operativas, determinou, em grande medida, a sua importação, mais tarde, para França, logo que foram afastados do poder e que eles tentaram, sem êxito, recuperar desde o seu exílio em Saint Germain en Laye, com a acção dinâmica de muitas delas.

Robert Moray foi recebido na Loja Mary’s Chapel d’Edinburgh em 1641, embora os primeiros não operativos conhecidos tenham sido admitidos por esta mesma loja em 1634.

Desde 1592 que William Schaw era mestre dos trabalhos do rei Jaime VI da Escócia e vigilante geral da profissão de pedreiro, tendo em 1598 feito adoptar os “Estatutos e Ordenações que devem ser observadas por todos os pedreiros do reino” e que foram completados em 1599 por uma segunda série de regulamentos para dar solução à reivindicação da presença da Loja de Kilwinning.

Estes estatutos consagravam a organização territorial das lojas na Escócia por cidades e por regiões, impondo a eleição anual de um Vigilante, e não de um Mestre, por cada loja.

Assim, as lojas escocesas tinham uma organização muito específica, permanente, com um número adequado de mestres por loja sob a direcção de um vigilante e de um diácono, enquanto as lojas inglesas, excepto talvez Londres, continuaram a formar-se em função dos estaleiros de obras, sob a direcção do mestre do estaleiro.

Nos arquivos da Loja Mary’s Chapel existe a seguinte minuta: “ Em Newcastle, a 20 de Maio 1641. Neste dia, um certo número de mestres e outros estando regularmente reunidos, admitem o muito distinto Robert Moray, Mestre General de Quartel do exército da Escócia, o que foi aprovado por todos os mestres maçons da loja de Edimburgo que colocaram as suas assinaturas ou as suas marcas”.

Nesta minuta pode verificar-se que Robert Moray não é o primeiro não operativo recebido numa loja, embora seja o primeiro a ser recebido como tal em solo inglês, dado que a iniciação de Elias Ashmole só terá lugar 5 anos mais tarde.

Mas este documento também nos mostra que os maçons escoceses podiam reunir-se em loja fora do seu local geográfico.

Uma interrogação se coloca: o que faziam os maçons de Edimburgo em Newcastle?

O facto de nesse período decorrerem as guerras civis britânicas conhecidas pela guerra dos 3 reinos, levou a que os maçons de Edimburgo tenham acompanhado o exército para no porto de Newcastle contribuírem para a recuperação das fortificações e de efectuarem outras obras de campo.

Robert Moray era o comandante geral da logística, encarregue do material, do aprovisionamento e do estabelecimento dos acampamentos mais ou menos fortificados.

Robert Moray tem sido apontado como um espião ao serviço do Cardeal Richelieu, então primeiro-ministro do rei francês Luís XIII, na sequência de aos 21 anos ter ido para França num regimento escocês conduzido pelo Coronel Sir John Hepburn no quadro de uma aliança entre a Escócia e a França em 1633. Mas ele foi um fiel servidor dos reis Carlos I e Carlos II e será nomeado cavaleiro pelo primeiro a 10 de Janeiro de 1643.

No entanto, e contrariamente ao uso da época, Moray nunca juntou à sua assinatura o ésse de Sir, mas manteve sempre a estrela de cinco pontas, da qual fez a sua marca de maçom.

Com a ascensão de Cromwell ao poder, deu-se o exílio do jovem rei Carlos II.

Durante esse período, a diplomacia foi intensa em todas as direcções para promover a recuperação do trono e as redes maçónicas na Escócia foram activadas nesse sentido.

Elias Ashmole, que foi iniciado uns anos antes em Warrington numa loja que tinha mais as características de se tratar de uma loja escocesa deslocalizada do que uma loja inglesa, dado que era dirigida por um Vigilante, era um antigo capitão da artilharia real e fervoroso stuartista no desenvolvimento do processo de recuperação do trono.

Robert Moray utilizou activamente todos os seus conhecimentos maçónicos em vários países da Europa.

Nos arquivos de Maastricht existe um documento que refere o seguinte:

“O dez Março 1659 compareceu Sir Robert Moray, Cavaleiro, nascido na Escócia, conselheiro privado do rei da Grã-Bretanha na Escócia, e coronel dos guardas escoceses ao serviço de sua majestade o rei de França, com a idade de cinquenta anos e apresentado por Everard, mestre da profissão de pedreiro. Enquanto maçom ele prestou o seu juramento necessário e o direito de cidadania foi-lhe atribuído, segundo o uso”.

Mas passado pouco tempo, nesse mesmo ano, Cromwell morreu e o seu filho não tinha já as condições mínimas para manter o poder.

O general Monck, também maçon, comandou as tropas escocesas e marchou sobre  Londres, tendo conseguido restaurar o trono de Carlos II.

Este rei foi iniciado maçon durante o período do exílio, segundo alguns testemunhos como o de William Preston.

Uma das primeiras medidas incentivadas por este rei foi a criação da Royal Society, que numa reunião realizada a 28 de Novembro de 1660 no Gresham College teve o seu primeiro momento de vida.

Desde o início que Moray foi o principal dinamizador desta sociedade científica, a sua  força motora, tendo orientado, desde logo, as investigações para aplicações práticas a nível industrial e militar. 

Na base da criação da Royal Society estiveram 12 fundadores: o Reverendo John Wilkins; o Visconde William Brouncker; o Conde de Kincardine Alexander Bruce;  Robert Boyle; Sir Robert Moray; Sir Paul Neile; Doutor Jonathan Goddard; William  Petty; William Ball; Laurence Rooke; Sir Christopher Wren; e Abraham Hill.

Mais tarde, outros vultos das ciências se juntaram a esta sociedade, nomeadamente Isaac Newton já depois da morte de Robert Moray em 1673.

A primeira reunião destes 12 homens pode ser considerada, com toda a propriedade, como o acto de nascimento da ciência moderna.

Antes da criação da Royal Society a ciência era totalmente dominada pela religião e esmagada em nome de argumentos teológicos.

O ambiente geral dos povos era determinado pela superstição e a esmagadora maioria dos indivíduos atribuía tudo à magia.

Nos primeiros anos de actividade, esta sociedade científica dirigiu o seu trabalho prioritariamente para a medição da longitude, em que ainda hoje o seu ponto de referência está fixado em Greenwich, a medição da latitude, a medida da direcção do

campo magnético da Terra, as observações astronómicas do nosso sistema solar e para técnicas de navegação mais sofisticadas e avançadas.

Em 1665, Sir Robert Moray apresentou uma moção ao conselho da Sociedade onde propôs a criação de um jornal científico com o nome de “Transacções Filosóficas”.

Uma semana depois surgiu a primeira edição deste jornal, que se tornou no primeiro jornal científico a ser editado em todo o mundo.

Este jornal procedeu à divulgação de grande parte dos trabalhos realizados e dos resultados das experiências em curso.

Toda a dinamização e estruturação da Sociedade foram impulsionadas por Moray que restabeleceu os seus contactos maçónicos em toda a zona de Londres e sobretudo com o núcleo principal da franco-maçonaria em Londres que era o Gresham College.

Nesta universidade pública, que o seu fundador Thomas Gresham idealizou como destinada a sustentar os seus ideais maçónicos de estudo e de pesquisa, estavam muitos dos numerosos cientistas defensores dos forças parlamentares que tinham sido afastados dos seus postos universitários e lutavam por sobreviverem.

Eles dispunham de pequenas remunerações que eram as possíveis de obter pelos recursos existentes a nível desta universidade.

Moray estabeleceu velhos contactos com os nobres maçons escoceses e conhecia ricos senhores da sociedade que eram maçons, que tinham dinheiro e influência.

Nesse sentido, e procurando juntar algumas das componentes dos campos opostos dos últimos acontecimentos políticos, Moray conseguiu convencê-los a trabalhar em conjunto para o bem do seu rei e do seu país.
Para que este plano pudesse funcionar, Moray estabeleceu o princípio que durante as reuniões da sociedade não se podia falar em política ou religião.

Assim, Moray conseguiu juntar os defensores do campo do rei que tinham dinheiro e os  defensores do campo parlamentar que tinham competência científica, para constituir um grupo autofinanciado susceptível de solucionar os problemas prementes da marinha inglesa.

Este era logo no início um problema urgente, dado o atraso científico e de inovação armamentista que se colocava à marinha inglesa já em disputa latente com a holandesa.

Apesar de o primeiro presidente da Royal Society ter sido, por vontade do rei, William Brouncker, a estruturação organizativa posterior colocou-o como presidente permanente e todos os anos era eleito um presidente efectivo.

Moray foi o que desempenhou mais vezes esta presidência efectiva devido à sua notável capacidade organizativa e à sua impar experiência de análise.

Entretanto, há um facto curioso que se situa em torno da existência no seio da Royal Society daquilo que Boyle definiu como o “Colégio Invisível”.

Estas referências encontram-se num conjunto de cartas que enviou ao seu antigo preceptor Isaac Marcombe, em Paris, em Outubro de 1646.

Boyle utilizou esta referência para designar um grupo de membros da Royal Society que se reunia regularmente para discutir o que descrevia como “… a filosofia natural, a mecânica e a agricultura segundo os princípios do colégio filosófico …”.

Numa carta a Francis Tallents do Magdalene College de Cambridge, Boyle referiu-se às “pedras angulares do Colégio Invisível” com as seguintes palavras:
“São homens de um espírito tão extenso e tão curioso que a filosofia escolar é o menor dos campos do seu conhecimento; génios tão humildes e tão abertos que não

desdenham escutar o mais modesto entre eles que pode dar a sua opinião ao mesmo nível dos outros; pessoas que se esforçam por desestabilizar os espíritos limitados, praticando uma caridade tão extensa que toca tudo o que pode ser chamado homem e que nada menos que a beneficência universal pode satisfazer. E na verdade, eles são tão preocupados com o bom uso das coisas, que se preocupam com o bem estar de toda a humanidade”.
Estas palavras têm uma clara identificação com um grupo de homens que se reunia clandestinamente e que tinha uma inquestionável marca maçónica.

Boyle nunca terá pertencido à maçonaria porque se recusava a prestar qualquer juramento, fossem quais fossem as circunstâncias, mas demonstrou em diversos momentos estar familiarizado com a terminologia e a simbologia maçónicas.
Foi por esta mesma razão que nunca aceitou o cargo de presidente da Royal Society porque não aceitava prestar o respectivo juramento de posse.

A Royal Society foi a força fundamental que contribuiu para o nascimento da nossa época científica moderna e para o enorme desenvolvimento civilizacional dos últimos séculos pelas descobertas que vieram revolucionar múltiplas áreas do conhecimento.

Na perspectiva de continuar a colocar a evolução da actividade maçónica em termos de operativos e especulativos, é para mim inquestionável que o efectivo nascimento da maçonaria especulativa é efectuado com a prévia actividade dos idealizadores da Royal Society e depois com a sua implementação e rápido desenvolvimento.

No seio dos fundadores da Royal Society existiam diversos maçons, claramente referenciados como tal, como, pelo menos, Moray, Elias Ashmole, Wren e Alexander Bruce.

A partir das palavras escritas por Boyle, ficamos a saber que existia no seio do Royal College uma estrutura discreta ou até mesmo clandestina que era o chamado Colégio Invisível e que pelas descrições e características dos seus membros só podiam ser maçons.

Na descrição dos seus atributos nada é diferente daquilo que deve ser a prática de um maçom até, e sobretudo, nos dias de hoje.

Robert Moray não foi o primeiro maçom especulativo a ser iniciado, é um facto, mas foi aquele que lançou as bases decisivas da criação da Maçonaria Especulativa como a conhecemos nos dias de hoje.

O estudo permanente, o raciocínio dedutivo, a discussão tolerante das opiniões diferentes e a construção de ideias dinamizadoras de um futuro mais humanizado e ao serviço do bem geral estar devem ser, em minha opinião, aspectos identificadores da actividade maçónica.

Ora, isto implica desmistificar “verdades” históricas que foram elaboradas para servir objectivos políticos bem precisos em determinados momentos, como é o caso da criação da chamada maçonaria especulativa e moderna em 1717.

No período imediatamente posterior a 1717 verificou-se uma ampla destruição de documentação maçónica para tentar apagar a influência decisiva das lojas escocesas e a sua clara supremacia a nível de toda a Grã-Bretanha, tendo no início do século seguinte sido desenvolvida idêntica acção pelo Duque de Sussex, irmão mais novo do rei hanoveriano George IV e que em 1813 se tornou Grão-Mestre da nova Grande Loja Unida de Inglaterra, tendo mais tarde chegado também a presidente da Royal Society.

Apesar disto, vários investigadores maçons têm conseguido trazer ao conhecimento público múltiplos documentos que desmistificam a história oficial.

Sejamos nós os primeiros a dar o exemplo na procura da verdade!

José Martí M:. M:.
Novembro de 2013

Sem comentários:

Enviar um comentário