Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

27 de dezembro de 2022

FRANCO-MAÇONARIA: VELHARIA OU NOVIDADE? (DESADEQUADA OU ADEQUADA ao AQUI e AGORA?)

 


Transcreve-se, com a devida vénia e respectiva autorização do Boletim Informativo " Chico da Botica", Ano 18, Edição 172 de 30.11.20022, este artigo de opinião:

FRANCO-MAÇONARIA: VELHARIA OU NOVIDADE?

(DESADEQUADA OU ADEQUADA ao AQUI e AGORA?) 

Vou começar por rever alguns conceitos, tais como Ciência, Moral, Religião, Política e Comportamento, dito de outro modo, o que tudo explica através da evidência (ou o que abre a Luz na escuridão); o que está bem e o que está mal (ou que é belo e o que não o é); o que religa as pessoas (ou o que se vê e o que se não vê); o que junta as pessoas (ou quem decide o quê); o que explica atitudes e intenções (ou o que permite que todos os conceitos anteriores sejam validados ou não).

Qualquer um deles é tão antigo como actual se considerarmos as variantes que a dinâmica de cada um sofreu ao longo dos tempos.

A Ciência deu os primeiros passos nas longínquas Eras em que Sumérios, Egípcios, Chineses e Aztecas se preocupavam com as colheitas e pastorícia que, entretanto, substituíram a caça e a ingestão da flora silvestre. Depois, assente nos seus próprios pés, foi-se estruturando sem, contudo, factos, procedimentos e resultados serem comuns (de acordo com Paul Feyeraband os elementos estruturais comuns em Ciência são para entreter os autores e os outros e não para explicar a própria Ciência). É curioso registar que o conhecimento dos Antigos foi preservado de modo não científico, mas hoje, os actuais cientistas apenas sabem mais e melhor sobre os detalhes dos fenómenos. Quantas vezes a dita Ciência foi abordada por palavras e não por acções? Não deveria ser libertada, a Ciência, da lógica dogmática e epistemológica? Quantas vezes as ideologias usaram o nome da Ciência para promover assassínios culturais? Estaremos, ou não, cada vez mais longe da ideia (platónica) de ser a Ciência um sistema de enunciados comprovados pela experiência e observação prontamente expostos por padrões racionais? Poderão as vertentes, intelectual e humanista, serem democráticas, ou seja, sem primados? Porque será que o que é cientifico tem que excluir projectos não científicos? Poderão os peritos consultar não peritos para melhor expressarem e comprovarem, não velhos clichés, mas novas e brilhantes experiências? Não sabemos nós que a uniformidade impede o poder critico, daí a proliferação das teorias ser mais benéfica para que se consiga preservar a melhor, seja ela antiga ou moderna? Não foi o desenvolvimento desigual da Ciência que lhe permitiu a sobrevivência? Não foi a riqueza das distinções entre o contexto da descoberta e o contexto da justificação da mesma que adormeceram a Ciência durante tanto tempo? Porque quererão os cientistas, com um vocabulário inacessível, destruir a sabedoria popular?

É, a Ciência é sempre mais rica que qualquer cientista ou, as tradições foram sempre as grandes influenciadoras das ciências pois os princípios do progresso não estão acima daquelas nem abaixo das mudanças.

E na dita Moral? Como tem sido o seu caminho? Vamos ver: desde sempre que se procurou a simplicidade, elegância e consistência para demonstrar o que está bem e o que é belo, porém, o uso intenso dessa procura teve sempre uma componente incoerente, quer dizer, a irracionalidade, o não senso e o não método terão sido o prefácio e a pré-condição da Moral, ou não? Não é nesta área que podemos afirmar que as mais importantes propriedades são encontradas, mais por contraste do que por análise? As adições de factos novos nos velhos não fizeram com que o verdadeiro progresso fosse substituindo as modificações arbitrárias? Como conjugar o Todo com a subjectividade? Quais, desde sempre até hoje, são os obstáculos com que a Moral se tem relacionado? Serão as chamadas agências não científicas (Estado, partidos políticos, igrejas, opinião pública e o dinheiro) que subordinam as consciências aos seus interesses? Conseguiu-se retirar a base metafísica a toda a Ética, ou seja, separar o Bom/Mau do Verdadeiro/Falso? Separou-se a verdade individual (elitista e intransmissível) do poder de vontade da Moral que está acima de qualquer cultura ou nacionalismo? Como pode algo nascer do seu contrário, melhor dizendo, pode a verdade do Bom e do Belo nascer de uma acção altruísta do egoísmo? O Valor da Moral poderá derivar de um labirinto de erros e desejos? Partindo do Crer esforçamo-nos a Saber, baptizando-o de Verdade? Serão indispensáveis os juízos mais falsos (à priori) para se atingir os verdadeiros (à posteriori)? É capaz o humano de se tiranizar a si próprio através de uma Auto confissão com memórias involuntárias? Não tem sido o livre-arbítrio um afecto de superioridade sobre o que obedecemos no Si próprio? Apontar as interpretações erróneas dos outros será um prazer ou apenas trabalho? Baniremos, um dia, a força dos preconceitos cheiinhos de pressupostos? Serão os opostos apenas subtilezas, quer dizer, a vontade de ser Bom na base da vontade de não o ser? Ao longo das Eras, vários tentar exumar os fundamentos da Ética (F. Nietzsche à cabeça), porém, a guerra ainda persiste sabendo nós que os imperativos que a regulam têm sido voltados e revoltados para que o valor decisivo da acção resida no que não é intencional. Será a Moral (aquela que procura a verdade para fazer o bem) algo demasiada humana, ou estarão os maus e os feios mais perto de descobrirem partes da dita verdade?

É, a Moral é um enorme capacho, desde as Eras Primevas aos dias de hoje, para os chamados Niveladores, também conhecidos por espíritos livres. 

E a Religião? Um mundo que não vou explorar porque considero a chamada Fé inegociável. Porém permito-me divagar, sem ofensas e com todo o respeito pelo caminho que muitos percorrem (pois como dia F. Nietzsche e cito…a curiosidade continua a ser o mais agradável dos vícios…), introduzindo um outro conceito, que anda de mãos dadas com este, que é a socialização. Desde os primórdios até hoje, as guerras, traumas e perigos, têm sido os meios mais habituais que religaram as pessoas, desencadeando o chamado sentimento de perda que, disparando o depósito afectivo, se sequencia ao sentimento de Deus, por sua vez, associado ao amor, protecção e vinculação, ou seja, a imagem parental de segurança e conforto, e este sentimento (não de Deus mas o dos humanos) não é uma invenção pois não podemos ignorar que as crenças em forças sobrenaturais são sensíveis às evoluções culturais que incrementam o desejo de um mundo para lá das percepções  ou a convicção de que a vida persiste para além da morte. São assim que nascem os arrebatamentos que B. Cyrulnik define como os mais belos momentos patológicos de um ser humano normal. Hoje, já se acrescenta que é, também, um processo neurofisiológico (ainda mal estudado, mas em andamento) pois está demonstrado que os que se elevam ao mundo metafísico aumentam a produção de serotonina com diminuição da dopamina, ou seja, a empatia é a base da aproximação entre os homens que acreditam num ser superior e arbitrário apresentado em narrativas específicas. Para alguns pensadores, a Religião também é considerada um meio para vencer obstáculos e poder dominar, quer dizer, será um elo que une Senhores e Servos para trair estes e entregando àqueles a consciência dos traídos sugando-lhes a desobediência para promover o servilismo.

É assim a Religião, dois mundos, o humano em que a luz orientada para aqueles que se assemelham põe na sombra os que são diferentes, e o divino que é o que não é apercebido, mas está sempre lá. Dito de outro modo e por F. Nietzsche…até deus tem o seu inferno, que é o seu amor pelos homens…

Passemos à Política, assunto que também não aprofundarei senão nas suas andanças e mudanças. Costuma-se dizer que esforço mínimo asneira máxima, conceito que se aplica bem ao caminho que a Política tem percorrido desde que foi definida pelos pensadores da Grécia Clássica. Relembro Aristóteles no seu tratado de Política e cito…quem for incapaz de se associar, ou que não sente essa necessidade por causa da sua auto-suficiência, não faz parte de qualquer cidade, e será um bicho ou um deus…Este pensador tão esquecido está na base de todas as correntes políticas que se seguiram, ou seja, a sua politeia (constituição ou sistema político) tem sido o documento base para o que se pratica  e cito-o novamente…dentro do Estado é indispensável proceder à educação dos cidadãos, procurando não só dar-lhes o saber como prepará-los para as suas responsabilidades cívicas e sociais…

De Política nada mais abordarei senão que árabes, cristãos e judeus e tantos pensadores (Avicena, Maimónides e S. Tomás de Aquino entre outros) foram buscar à Pólis a sua essência que se resume a que o indivíduo humano só se realiza na comunidade social e política.

Por fim o Comportamento. Começo por vos recordar os opostos, ou seja, egoísmo, agressividade e competição versus altruísmo, empatia e cooperação. Curioso que tudo isto está em nós, quer biológica quer culturalmente. É, não é possível separar o Comportamento da sua biologia porque estão mesmo entrelaçados. Não há área de estudo como esta em que se deve evitar o pensamento categórico, pois, qualquer explicação do produto final é o resultado das influências que o precederam. A sua maleabilidade é notável e o desafio intelectual é compreendermos o quanto somos semelhantes aos animais de outras espécies com a particularidade de usarmos os mesmos mecanismos, mas de forma diferente de animal para animal. É, usamos os mesmos músculos que um chimpanzé diante de um rival e praticamos o mesmo sexo com o pormenor de os humanos conseguirem falar sobre ele depois de o executarem. Todos os animais usam a chamada hostilidade transferida, ou seja, quando há uma frustração ataca-se o mais fraco diminuindo as hormonas de stress do agressor, isto é, não só se provocam úlceras aos outros como evitamos as nossas. Nenhuma reacção é autónoma estando todas interligadas e, mais importante, nenhuma actualização cerebral se fez sem ser à custa da anterior e mais antiga ficando tudo a depender de um extraordinário aumento das redes de transmissão. A velha querela entre pensamento e sentimento já não existe, são ambas partes de um todo. Amor e ódio não são opostos (o oposto de ambos é a indiferença) e a relação genes/experiência resulta numa plasticidade que define e valida, ou não, o que quer que seja.

É, o Comportamento revela que houve, há e haverá diferenças individuais que se encaixam no colectivo e quem não acreditar que assim é, corre o risco de nunca se tornarem melhores, ou pelo menos ter a esperança de tal.

E a Nossa Antiga, Nobre e Augusta Ordem, ficou nas Calendas ou vê Marte como o futuro da humanidade? Nem uma coisa nem outra, ambas ou uma outra alternativa (que é sempre um factor de progresso) que é, exactamente, ater-se ao Aqui e Agora? A resposta está no processo Iniciático que os seus Obreiros, voluntariamente, decidiram abraçar com Sabedoria, Força e Beleza. Como assim? perguntarão, mas vou deixar para cada um de vós o entrelaçar dos conceitos atrás descritos relembrando-vos que, apesar das incógnitas e imaginativas versões, a história da F-M não é incredível e podemos afirmar que somos os fiéis depositários dos Mistérios Antigos (lê-se o Conhecimento ou o Saber), depósitos esses que nos prepararam, preparam e prepararão para o que deve e vier.

Sabem porque é que os Exércitos em paz obrigam os seus soldados a fazerem a cama mal se levantam? Para começarem o dia com um objectivo e sabem porque é que, no nosso Ritual, devemos colocar o vil metal (símbolo de todos os vícios) na mão que não veste a Luva Branca que simboliza a pureza? Porque é um objectivo de quem se inicia, ver os seus vícios morrerem antes dele. E porque são precisos objectivos? Pura e simplesmente para não amolecermos no Caminho da Luz dando lugar à laxidão, e isto, não é antigo nem moderno, é actual!

Os verdadeiros desafios não são os fait-divers como a inclusão do feminino (quantas Obediências já resolveram este item e há imenso tempo), nem o Segredo (está tudo escarrapachado a torto e a direito) e nem a imagem que os profanos têm da Ordem, mas sim a transformação de cada um de nós para estarmos aptos e capazes de acompanhar o triunfo da vida sobre a morte (bem expresso na Lenda de Hiram) e para transformarmos o Caos em Ordem.

Diógenes de Sínope M∴M∴

Resp. L.'. Salvador Allende a Or.'. de Lisboa-GOL

Bibliographia

-Mainguy, Irène – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire”, Dervy Éditions-2003

-Béresniak, Daniel – « L’Apprentissage Maçonnique-Une École de L’éveil », Éditions Detard aVs- 2009

-Béresniak, Daniel – « Le Gai Savoir des Bâtisseurs », Éditions Detard aVs- 2011

-Alain Subrebost – “Petit Manuel D’Éveil et de Pratique Maçonnique”, Dervy Éditions-2017

-Hamill, J. – « Teorias Acerca das Origens da Maçonaria »

-Feyerabend, Paul – “Against Method”, Verso, New Left Books-2010

-Aristóteles – “Política”, Edição Bilingue, Vega Universidade/Ciências Sociais e Políticas-1998

-Nietzsche, F. – « Para Além de Bem e Mal », Guimarães Editores SA-2008

-Cyrulnik, Boris – “Psicoterapia de Deus”, Edições Piaget-2017

-Sapolsky, Robert M. – “Comportamento”, Círculo de Leitores-2018

-Daniel C. Dennet – “From Bacteria to Bach and Back (Evolution of Minds)”, Allen Lane, Penguin Books-2017

P.S. a grafia do Traçado não está de acordo com o Acordo Ortográfico proposto mas ainda não ratificado pela totalidade dos Países Lusófonos



1 comentário:

  1. Reflitamos esse inteligente artigo do erudito irmão "Diógenes de Sínope "...Por aqui no Brasil, ele trouxe grande lição...GRATO aos irmãos portugueses

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