Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

27 de novembro de 2018

Sociedade Digital/Mistérios Antigos


Sociedade Digital/Mistérios Antigos

A comunidade Humana está no topo da Cadeia Alimentar no Planeta Terra porque, ao contrário das outras espécies existentes, foi a única que conseguiu criar agregados compostos por muitos milhares de indivíduos que se consolidaram, não se baseando exclusivamente no conhecimento interpessoal, mas à volta de Ideias e Conceitos aceites por todos. Naturalmente que estas Ideias eram muito influenciadas por Mitos e Lendas que atravessavam gerações sem qualquer explicação plausível. Começaram por ser contadas oralmente, muito mais tarde ficaram registadas em textos soltos, e mais tarde ainda, foram compiladas em Obras de grande fôlego e que ainda hoje são objecto de estudo atento.
Há mais de 70 000 Anos sucedeu algo estranho na evolução desta espécie que habitava o Planeta. Hoje, utiliza-se o termo Revolução Cognitiva, e não se sabe ao certo o que a provocou, mas uma coisa é certa, esta espécie passou a ser capaz de criar realidades imaginadas, criando capacidades de cooperação alargada em grandes comunidades, acreditando em Mitos partilhados que apenas existem na imaginação colectiva dessas Comunidades.
Sabemos que é assim e podemos, a título de exemplo, reflectir um pouco sobre um dos Mitos mais antigos que foram criados e amplamente discutidos pela nossa espécie, o Mito da Criação. Este Mito em particular, serviu para criar estruturas de poder e de persuasão de massas. E a questão é, como lidaremos com estes tipos de Mitos quando o impacto da Inteligência Artificial alterar radicalmente conceitos como razão, emoção, sensação, imaginação, etc.
   Alguns IIr:. já me ouviram abordar aquilo que considero ser um sério revés no conhecimento, na civilização Ocidental. Este período de mais de um milénio decorre desde um pouco antes do nascimento de Jesus, consolida-se em 325 DC quando ocorre o Concílio de Niceia, e persiste até ao período de grande crescimento das cidades-estado Italianas a partir do século XII.
No 1º Concílio da Igreja, em Niceia de Bitínia, actual Iznik, no Norte da Turquia, poucos Kms a Sul do Mar Morto e na orla do Lago Iznik, resolveram-se divergências que tinham origens na Igreja de Alexandria, presumivelmente fundada por S.Marcos cerca de uma década após a morte de Jesus, sobre a natureza de Jesus e de seu Pai. Sem delongas, simplificando bastante, as ideias do muito popular presbítero Ário, que não podia estar presente neste Concílio por não ser Bispo, defendiam que Jesus, era um Ser menos Divino que o Pai Todo Poderoso, que Jesus fora criado do Nada, e embora a criatura mais perfeita na Terra, não era Eterno como Deus Pai, enquanto Alexandre e Atanásio de Alexandria defenderam que Jesus era um ser tão Divino como o Todo Poderoso Pai, porque foi criado a partir do seu próprio Ser, como ficou provado com a sua ressurreição. Perderam os Arianos, e Jesus passou a ser a incarnação de Deus junto dos homens. Estava demonstrado o princípio da criação e ficou o aviso, “ E quem quer que diga que houve um tempo em que o Filho de Deus não existia, ou antes que fosse gerado Ele não existia, ou que Ele é de uma essência ou substância diferente do Pai, ou que Ele é uma Criatura, ou sujeito à mudança ou transformação, todos os que falem assim, são anatemizados pela Igreja Católica”. E quase 900 Anos após Niceia, um contemporâneo do nosso D. Afonso III, S.Tomás de Aquino, vai referir-se a Deus como sendo o Supremo Arquitecto do Universo.

Parece notável, porque quase 8 séculos antes de Niceia, um discípulo de Tales, Anaximandro, Filósofo Grego pertencente a um grupo de Filósofos que viriam a ser designados por membros da Escola Jónica, afirmava que na Origem de tudo estava o Ápeiron a partir da qual todas as matérias se “cindem”, afirmava que o tempo era quem geria os contrários e a todo o tempo surge um, ou o seu contrário. Afirmava que a Terra era Cilíndrica e terá feito um Mapa da Terra com medições rigorosas a partir da sombra de uma vara. Dizia que o Homem teria antecessores que não seriam Humanos porque senão as crias de Homens, como então as conhecia, não sobreviveriam para manter a espécie. Dizia ainda que o Universo se equilibra num conjunto de Forças. E se ouvirmos Demócrito, outro Filósofo Jónico “ Por definição há cor/ Por definição há doce/ por definição há amargo / Mas na realidade há Átomos e Espaço”. Aqui, na palavra Átomo, a letra “a” é uma negação e o termo “tomo”, significa divisível. Foi isto que criou um conceito mais tarde conhecido como o Atomismo Grego, e que segundo o mesmo Demócrito era a base de um Universo Infinito, e que o nosso Mundo era apenas uma pequena parte desse Universo composto por muitos Mundos como o nosso. E poderíamos citar Anaximenes, Leucipo, Heráclito, Pitágoras e muitos outros. Tudo isto cerca de 400 Anos ac.

A sonda Planck (depois da WMAP) posicionada no ponto L2 de Lagrange sonda o Universo e elabora um Mapa a partir da Radiação Cósmica de Fundo, e parece que podemos confirmar que no início havia uma Energia primordial, que após uma violenta explosão, há 13 800 Milhões  de Anos, libertou as forças que hoje conhecemos, e que as partículas elementares de matéria e anti-matéria se anulam na vizinhança, com pequena preponderância para a existência daquilo a que chamamos matéria. Parecendo também ser claro, que foi a evolução de uma comunidade específica de primatas que nos trouxe até aqui, porque é que aparece a “Declaração” de Niceia 900 Anos após Anaximandro e todos os Jónicos, e porque é que tivemos que depender de Sábios Muçulmanos e Hindus, para não perdermos estes conhecimentos e os retomarmos cerca de 1 700 Anos após terem sido expendidos?! Nesta Era tecnológica existem ainda vastos grupos de Humanos que renegam evidências Científicas e até alguns defendem que a Terra é plana. Como é que colectivamente criamos estes Mistérios, e estas explicações, quando temos fortes evidências que poderão não ser bem assim? E que esforço fazemos, por vezes, para não contrariar o que sempre defendemos, tentando compatibilizar duas realidades inconciliáveis!
Parece que o valor de conceitos imaginados e aceites por vastas comunidades, é tão importante e poderoso para a coesão destes grupos, que tudo fazemos para que não possam ser postos em causa!
É uma discussão fascinante, mas também já não podemos ignorar que existem máquinas que começam a conseguir aprender como nós aprendemos, e há uma má notícia, podem aprender em poucos Anos, tudo o que levámos milénios a aprender. Pior, não precisam de Mitos e Lendas para se agregarem como comunidade, basta-lhes sistematizar em memórias gigantescas todos os nossos comportamentos e respostas, perante os problemas que vamos enfrentando. E vão conseguir descobrir padrões que nós próprios não detectamos. E já existem bases de dados que registam tudo. Com esta realidade nova o que é que fazemos aos Mitos! Qual o seu papel na sociedade actual?!
Já noutro Bal:. mencionei trabalhos de investigação na área da electrónica neuronal (ou neural) que começam a apresentar resultados muito interessantes (ou não) e que lentamente nos envolvem no dia a dia com algoritmia cada vez mais sofisticada, algoritmia essa com capacidades adaptativas, que cresce exponencialmente com o uso. Um exemplo a que devemos estar atentos é consequência do muito trabalho de investigação já feito, naquilo que conhecemos como motores de busca na Internet e gestão de Dados de utilizadores. Seguramente eles são a antecâmara discreta, talvez secreta, do Mundo que vamos ter dentro de poucos Anos.
Sabemos que Mark Zukerberg sonha com um Mundo em que todos saibam tudo sobre a vida de todos, em que não haja segredos. Por outro lado sabemos que os dados sobre a nossa vida e os nossos comportamentos estão a ser armazenados a velocidades vertiginosas em gigantescas Bases de Dados. Sabemos que a velocidade de processamento que torna esta informação disponível em conhecimento sobre cada um de nós, está cada vez na mão de muito poucos. E a Inteligência Artificial é a chave para processar de forma eficaz tanta informação.
Por tudo isto não estamos a caminho do fim da Humanidade, estamos a caminho de formar outro tipo de Humanidade.

Na Revolução Cognitiva, enfatizam muitos cientistas, houve e há um papel importante atribuído àquilo que designam pela Teoria dos Mexericos. De facto, a Humanidade aumentou exponencialmente a sua interacção através da palavra, e o tema é recorrentemente o falar sobre o outro. Por vezes inventar sobre o outro. Criar realidades imaginadas sobre o outro. Yuval Harari , cientista Israelita que trabalha temas da História do comportamento, diz que quando vários Professores de Física de Berkeley se juntam ao almoço dificilmente falam sobre quarks up and down, o mais certo é falarem da boazona da nova assistente ou do colega que tem aquele defeito nos olhos que parece o Mr. Magoo. Olhando para aquilo que nos envolve, e qual o desenvolvimento que está a ser feito, que impacto terá tudo isto no nosso comportamento, comportamento esse, que nos trouxe até aqui?
Dois aspectos críticos que devemos analisar com alguma ponderação.
1 – Numa comunidade global em que todos estão numa Base de Dados única, quem não puder ser detectado nessa Base de Dados vai ser considerado suspeito?
2 – Aceder aos dados de cada um vai depender da capacidade de processamento. Quem vai deter essa gigantesca capacidade, quem vai dominar aquilo que se designa por Big Data?
E voltamos a Niceia. O Mito da criação serviu para construir uma estrutura de poder que perdura há dois mil anos. Com adaptações lentas e muito forçadas continua a ser uma ideia agregadora para uma vasta comunidade, que aceita ser controlada no seu comportamento por uma estrutura que foi criada para fiscalizar a sua Fé.
Será que a gigantesca Base de Dados que tudo controla em que se está a transformar esta comunidade global é uma das sucessoras de Niceia?
Uma postura humilde e rigorosa obriga-nos a não ter a arrogância de pretendermos ter certezas sobre o que se vai passar, mas devemos ter em conta alguns factores sobre os quais deveremos reflectir de forma informada e aberta.
a- A substituição de homens por máquinas, de forma massiva, já ocorreu nos Séculos XIX e início do século XX, naquilo que designámos por Revolução Industrial. Estudos mostram que por cada lugar perdido foi criado outro posto de trabalho com melhor qualidade
b- Esta substituição ocorreu naquilo que podemos designar na componente física dos humanos. Neste momento a substituição é na vertente cognitiva.
c- Julgámos que existiriam características humanas impossíveis de reproduzir em algoritmos mais ou menos complexos. Numa designação pouco rigorosa mas facilmente entendível, afirmou-se que o ser humano utiliza nas suas decisões, capacidades de livre-arbítrio impossíveis de estruturar em qualquer linha de código.
d- O desenvolvimento das Neuro Ciências na busca de tratamentos para doenças como o Parkinson e o Alzheimer, e outras do foro neurológico, permitiu que conhecêssemos os padrões e sequências de tomada de decisão que estão por trás daquilo que atrás designámos por livre arbítrio.
e- No fundo descobrimos o que nem os jónicos suspeitavam, e os de Niceia com os negócios da Alma nem queriam ouvir, por trás dos processos de escolha dos humanos está uma bioquímica complexa e ligações de milhares de milhões de neurónios que para serem reproduzidas bastará que tenhamos máquinas com capacidade de processamento e armazenamento.
f- Um PC tem processadores cuja velocidade tem vindo a aumentar. Mais, no fim da década de 90 tornou-se possível o Multi-Processamento. Tendo isto em conta, em 1970 era possível realizar cerca de 740 000 Operações por segundo, actualmente um PC com 6 Processadores realiza facilmente 18 Mil Milhões de operações por segundo. E se atentarmos nos maiores Computadores do Mundo, recorrendo à LINPACK Benchmarks, que é uma forma aceite na comunidade Industrial para medir a performance de um computador, e que basicamente indica qual a rapidez com que ele consegue resolver um conjunto de n equações a n incógnitas numa medida de pico, então teremos para o Junway Taihulight Chinês, o mais rápido até Junho deste Ano, ultrapassado entretanto pelo IBM Summit, as seguintes características. Número de processadores 10 649 600 que garantem 125 PFlops de pico, ou seja, simplificando muito, por segundo, realiza  125 X 10 levantado a 18, ou 125 triliões na notação Europeia, de operações de adição ou multiplicação.
Já quanto à memória acessível, Random Access Memory, poderemos apenas notar que em 1976 dois Steve, Jobs e Wosniak, lançaram um PC com 8 Kb de Memória, o Apple 1, em que 4 Kb eram ocupados pelo interpretador BASIC, e hoje é comum termos PCs com 1 Tb de Disco, ou seja aumentámos a nossa capacidade de armazenamento acessível em 125 Milhões de vezes em 40 Anos.  Com tudo isto, depressa conseguimos entender que desde que consigamos caracterizar com crescente rigor todas as operações bioquímicas que o nosso corpo pratica, facilmente uma máquina nos pode emular, ou clonar, com vantagem. É uma questão de tempo e de vontade.

E é aqui que podemos querer ter algum papel. A substituição na vertente cognitiva dos humanos pode criar um exército de desempregados assustador e falta de mão-de-obra qualificada de dimensão semelhante. As relações de trabalho clássicas vão ser varridas, porque lutar por manter lugares que não existem contra patrões que não se sabe quem são, obriga a repensar tudo.
O que sobrará é a luta pela Ética e pelo rigor que garanta que as transformações têm como objecto o bem comum e não apenas muito poucos, que são os que deterão o conhecimento e o hardware. Esta realidade vai afectar a autonomia e individualidade de cada um. Estamos a descobrir os defeitos e benefícios das Redes Sociais, mas os dados que lá colocamos vão ser tratados a outro nível. A memória de comportamentos de um individuo nunca mais vai ser apagada. É possível “queimar na fogueira” um pretendente político que não nos interesse, mencionando algo que fez 30 ou 40 Anos antes do acto a que se propõe. Os seres humanos actuais não conseguem ter uma vida impoluta, perante uma qualquer moral criada, desde que nascem até que morrem, se todos os momentos da sua vida ficarem registados num qualquer servidor. E quem vai armazenar esses dados? E quem os vai tratar? Quem vão ser os líderes do futuro? Será que esses seres impolutos e totalmente acépticos, avaliados pela moral dominante, se parecerão com os actuais Humanos? Humanidade é tentativa e erro!
Não, esses pseudo-seres não serão Humanos, só poderão ser máquinas ou, pelo menos, uma qualquer solução mista!
No caso que aqui abordamos resta-nos escolher quais as “máquinas” que nos vão dirigir. Cito um estudo da Universidade de Harvard que reuniu um conjunto de cientistas para analisar, de cinco em cinco anos, a evolução da Inteligência Artificial. Um dos alertas que deixam, e que nos deve preocupar, centra-se no facto de os Estados estarem mais fracos, e as Organizações que avaliam desenvolvimentos na área da Inteligência Artificial não terem suficiente investimento e, por isso, poderem ser compostos por técnicos que, por não terem a qualificação necessária, poderão proibir desenvolvimentos de soluções benéficas para o bem comum e autorizar outras que poderão ser muito perigosas.
Como é que vamos regular o desenvolvimento científico para garantir que o progresso tecnológico é um factor de promoção de prosperidade e de redução de desigualdades, para que quem tenha o conhecimento não o use para seu benefício exclusivo e, sobretudo, não promova desenvolvimentos que lhe poderão parecer ser muito lucrativos, mas muito perigosos para a comunidade como um todo?! 
No fim do Século XIX também houve um deslumbramento com os Teares Mecânicos, com a força do Motor a Vapor e do Motor de Explosão. Se lhe juntarmos a Electricidade para todos, percebemos o poder que quem detinha estes meios conseguiu, e que o ajustamento posterior tendo em vista o equilíbrio com o Bem Comum custou quase 80 Milhões de mortos em duas Guerras Mundiais.
MMQQIIr:. É de poder que falamos e da sua regulação. Quem detém o conhecimento e, não esqueçamos, o hardware suficiente, é quem manda.
O Ensino que englobe programação desde a escola primária permitirá formar cidadãos com à vontade no pensamento lógico e com capacidade de avaliação da qualidade dos desenvolvimentos que vão ocorrendo, porque só criando estruturas técnicas muito capacitadas, poderemos fiscalizar e regular o que se desenvolve e, para isso, são precisos Estados e Comunidades fortes e estruturadas, suportadas em cidadãos formados e informados sobre todas as virtualidades e riscos que actualmente enfrentamos.
Começar a preparar já estes cidadãos que, com as suas competências, vão equilibrar o sistema que irá gerar quantidades massivas de desempregados por falta de qualificação, é uma tarefa na qual temos que nos focar.
Porque na matéria que aqui tratamos, erros continuados ou atrasos nas decisões estruturais poderão não ter retorno. O algoritmo mais brilhante e criativo de sempre pode ser o último que desenvolvemos, se não houver regulação qualificada.
Continuemos a lutar pela imposição dos nossos valores, não nos percamos em minudências, e as sociedades que assim se desenvolvam irão fazer um desenvolvimento sensato e equilibrado daquilo que decidirmos descobrir.
Sim, porque o limite já não é o que descobrimos, mas aquilo que julgamos ser importante descobrirmos.
Porque é apenas mais uma Revolução que promovemos, a da Inteligência Artificial.  Esta, como outras, far-nos-á  avançar e trará grandes benefícios a esta comunidade de Mitos Imaginados.
Não devemos temer nada, mas não devemos esquecer, o problema estará sempre no programador, não na máquina.
Por isso, tentemos focar-nos no que é essencial. Não nos percamos em infantilidades. Temos que ver para além do stress diário e dos gadgets infantis, usados por uma comunidade com capacidade de concentração inferior a um peixinho de aquário. 
A N:.A:.O:. tem obrigação de ver mais que todos, porque é herdeira de MM:. que também viram para além dos do seu tempo.
 Tenhamos esperança, concentremo-nos e não abdiquemos.

ISAAC NEWTON M:.M:.        

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