Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

18 de setembro de 2018

Porquê «Salvador Allende» ?


Porquê «Salvador Allende» ?

Explicar porque escolhi o nome simbólico «Salvador Allende» numa Loja com o seu nome, parece tarefa redundante e desnecessária.  Apesar de ter em conta os vários e excelentes textos de diversos IIr:., nomeadamente do Ir. José Marti,   lidos e publicados no Blog da N:. R:. Loja (ou fora dele), aceitei de bom grado o desafio (Editado pela Comissão Editorial do Blogue), porque representa uma promessa (e um dever) ainda não cumprido.  Apesar do nome simbólico que escolhi ter antecedido a Formação desta R:.L:. cada um de nós tem «razões específicas e pessoais» que fundamentam as escolhas efectuadas, pelo que gostaria de partilhar convosco, as que me dizem respeito, numa perspectiva de reforço do conhecimento mútuo e solidário,  que deve orientar sempre a nossa actuação em Loja (e fora dela).
Dir-vos-ei desde já, que a vitória eleitoral e o prestígio de Salvador Allende, enquanto Presidente e líder do povo chileno, teve um enorme impacto (entre outros) na formação politica de muitos jovens da minha geração, e da minha em particular, enquanto opositores idealistas e inexperientes ao Estado Novo (que como estudantes recém chegados à Universidade, grande parte éramos). Esse impacto foi-se progressivamente consolidando, com o avanço do processo de libertação que a «Unidade Popular» preconizava e desenvolvia, a par do combate aos contragolpes sucessivos da direita e extrema-direita, culminando no golpe fascista de que foi vitima. A partir daí, Salvador Allende constituirá sempre uma referência inabalável para todos aqueles que perfilhavam (e perfilham) os ideais da liberdade,  da democracia, do progresso social, do humanismo, da igualdade de oportunidades e da luta anti-monopolista, como essenciais no caminho para uma sociedade mais justa.

Como  Presidente,  Político,  Socialista (na correcta acepção do termo), dirigente respeitado, constituiu para muitos de nós,  naquela altura, um referencial de integridade e coerência, que jamais esqueceremos.  Para os mais novos (o relógio do tempo não pára e os anos vão rolando … ) recordo que estávamos ainda nos tempos cinzentos e sombrios da ditadura salazarenta, que a chamada «primavera marcelista» não tinha conseguido iludir,  continuando a oprimir, torturar e a expulsar da Universidade e do País (a todos os níveis sociais), os melhores que se lhe opunham.
Em 1970, o facto de ter sido possível a vitória eleitoral da «Unidade Popular» no Chile, país sob a tradicional área de influência do imperialismo americano, foi para nós uma chama que fez renascer a esperança. Fortaleceu-nos moral e politicamente a prosseguir a oposição ao decrépito regime do Estado Novo, que apesar de tudo só viria a sucumbir quatro anos depois,  graças ao golpe libertador de Abril. Foram também 3 anos intensos  de debate e discussão ideológica, no campo da Esquerda, ao mesmo tempo que se ampliava a oposição à ditadura a um numero crescente de sectores.
Lembro-me perfeitamente da avidez com que ouvíamos e líamos as rádios e a imprensa «não autorizadas» sobre a evolução da situação chilena. Contudo alguns de nós, já na altura,  tínhamos algumas dúvidas quanto à possibilidade de implementação do socialismo, por via eleitoral, sobretudo naquela época e na América do Sul, polvilhada por ditaduras fantoches e terroristas de inspiração americana, onde Cuba era a excepção, de que os EUA tinham jurado não permitir a repetição.

Como conseguiria a Esquerda manter o controlo do Estado, legalmente conquistado por via eleitoral, se não agisse de imediato, enquanto o poder efectivo, quadros e dirigentes das Forças Armadas, oligarquias industrial e agrária continuavam a permanecer largamente na mão daqueles que sempre o tinham detido, em estreita ligação com os interesses económico-financeiros americanos, também lá com a bênção dos sectores mais retrógrados  da igreja católica (não esquecer que a Opus Dei foi um dos principais apoiantes dos golpistas).
No entanto e como diz o ditado, a «esperança é a última a morrer», mas o sucessivo e premeditado agravamento da situação, os boicotes, as manifestações contra-revolucionárias cada vez mais intensas, transmitiam-nos a certeza de que uma ou várias manobras da direita e extrema-direita chilena estavam a caminho, induzindo e provocando crescentes dificuldades na governação, que sob o comando da CIA aqueles sectores iam agravando até aos limites. Daí agudizarem-se as divergências políticas internas entre os partidos e grupos que constituíam a «Unidade Popular», que Allende nunca escondeu, mas cuja tentativa de resolução sempre liderou (como excelente politico e negociador que era), guiando-se até ao fim pela conciliação e colocando constantemente a unidade de acção, acima de eventuais divergências, que considerava (e bem) secundárias, na altura.
O assassinato do General Schneider (comandante das Forças Armadas, e democrata convicto), antes da tomada de posse de Allende, constituiu  logo no início, um premeditado e sintomático aviso.  Infelizmente o poder e a força letal das armas estava do lado do traidor Pinochet e dos golpistas. Desaparecia assim, ao fim de pouco mais de três anos, a democracia libertadora chilena,  sob a pata do terror fascista, que Pinochet e seus sequazes executaram brutalmente, sob a batuta da CIA. Seguiram-se-lhe  os horrores, torturas  e assassinatos bárbaros dos homens e mulheres de esquerda e democratas convictos (operários, sindicalistas, intelectuais, homens  e mulheres do povo) que mais e melhor tinham lutado e dado corpo ao projecto de libertação do Chile e do seu povo, liderado por Allende, ou o exílio para os que entretanto conseguiram escapar.
Jamais sairá da minha memória a profunda tristeza que a notícia do  golpe e da morte de Allende nos causou. Apesar de já serem visíveis as diferenças políticas que,  no campo da esquerda, provocavam divergências na altura, todos aqueles que assumiam os ideais progressistas,  tínhamos vivido intensamente aquele período, jamais  esquecendo a coragem e a luta  de Allende e da sua equipa, para com o compromisso assumido de restabelecer a soberania do povo chileno sobre seu próprio país e na construção duma sociedade mais justa. 
Não sabendo eu, na altura, que Allende era Maçom (nem sequer o que era a Maçonaria…), jamais esquecerei o modo como ele e os que o acompanhavam, lutaram e enfrentaram, com total fidelidade os princípios e o programa por que tinham sido eleitos. Passados todos estes anos,  e à luz dos princípios e valores universais que a  A:.O:.Maç:. me tem permitido interiorizar, compreendo melhor a sua actuação e comportamento, como Maçon integro e exemplar e  como Socialista e  Democrata coerente e convicto, que efectivamente era.

Citando Lila Soto-Aguilar (em anexo): “Como maçons sabemos que a vida é o mais importante, mas também sabemos que é efémera.  A  lenda sobre a morte maçónica mostra-nos  igualmente a importância, até à morte, da coerência inerente à responsabilidade do conhecimento e da sabedoria”.
Nunca esqueci, nem esqueceremos aquela época, o que representou  Allende e a sua luta, bem como o  contributo que prestou à consolidação da minha formação cívica e politíca, que perfilhei, no essencial, desde então, apesar do distanciamento do tempo, da liberdade conquistada em Abril e das posteriores vivências pessoais e profissionais.
Por isso,  na solidão da «câmara escura», quando me foi proposto indicar o nome simbólico que pretendia utilizar, não exitei um segundo,  escrevendo-o de imediato. Foi certamente a minha decisão mais rápida, enquanto candidato a Iniciado.
Dito o essencial e para não correr o risco de repetir, o que outros IIr:.  tão eloquentemente já disseram e escreveram, coloco em anexo o excelente texto da homenagem que lhe foi prestada pela Associação Salvador Allende Gossens (ASAG), por ocasião do 102º Aniversário do seu nascimento,  redigido e lido na altura pela Ira:. Lila Soto-Aguilar, que teve o privilégio de ter sido sua Companheira de perto, já que fez parte da sua guarda pessoal, conhecida como GAP – “Grupo de Amigos Pessoais”, e cuja leitura vos recomendo vivamente.
Salvador Allende M:. M:.
Set.2018 (e.v.)
(este traçado está traduzido e publicado, a partir da versão espanhola, no Blog “Jaquim & Boaz” (“http://jakimeboaz.blogspot.pt”), desde Maio.2012.

ANEXO
Homenagem a  Salvador Allende, por ocasião do 102 º Aniversário do seu Nascimento
Texto da conferência  da  V.. M. •. • R. da. L. •. Lafayette n º 10, Lila Lorenzo Soto-Aguilar , realizada em 26 de junho de 2010 na biblioteca "O Menestrel" , na Cidade do México (conferência foi realizada em comemoração ao 102 º aniversário de seu nascimento - organizado pela Associação Salvador Allende Gossens (ASAG)).
Queridos Companheiros e Companheiras
Nesta ocasião em que homenageamos Salvador Allende, no aniversário do seu passamento, eu gostaria - como um membro  que fui da sua guarda-costas (GAP) - uma faceta pouco conhecida por todos; evidenciar a do Maçom Presidente. Como sua irmã que agora sou, queria mostrar  como a coerência entre o político e o Maçon se uniram para fazer dele um grande homem, respeitado e amado por todos nós, seu povo. É meu desejo participar hoje aqui convosco,  compartilhando a  minha experiência com ele, seus ensinamentos, sua sabedoria, que me fizeram crescer interiormente como um maçona  e politicamente como militante.
Expressar em palavras os nossos sentimentos a mais de trinta anos do golpe militar de Augusto Pinochet, é - apesar da dor pelos sonhos perdidos, os companheiros e irmãos  mortos e desaparecidos - um acto de profunda melancolia, porque como disse um  poeta, a melancolia não é senão a alegria da tristeza. Assim, a vivência  com o presidente do Chile, Salvador Allende, tornou-se para mim uma lição cheia de alegria, de como a liberdade é exercida com responsabilidade e de como essa responsabilidade deve levar-se sempre até às últimas consequências. Hoje, como maçona, entendo de onde provinha a força dos valores que mantinha dia  a dia Salvador Allende e, que  na vida quotidiana, compartilhava connosco.
Em 04 setembro de 1970 Salvador Allende vence as eleições presidenciais com o apoio de grande parte dos partidos políticos de esquerda, agrupados na Unidade Popular. Em 25 de Outubro do mesmo ano, antes de Allende assumir a presidência, foi assassinado o comandante-em-chefe das forças armadas René Schneider. É um aviso sinistro a Allende para não cumprir a sua agenda política e econômica, que trará ao Chile reformas sociais fundamentais.
Para o novo e pequeno aparelho de segurança do todavia presidente eleito do Chile, é também a afirmação de que não se pode confiar numas forças armadas historicamente ligadas à aristocracia e à oligarquia económica e social, afastada dos interesses dos mais necessitados.
É neste contexto que um dos partidos políticos, apesar de não fazer parte da Unidade Popular, mas que  apoia abertamente o processo no sentido do "socialismo à chilena", o Movimento de Esquerda Revolucionária (MIR), propõe ao todavia Presidente eleito a formação de um corpo de segurança presidencial, composto por militantes de esquerda,  garantindo dessa maneira uma lealdade a toda a prova. Assim nasceu em 1970 o "Grupo de Amigos Pessoais", popularmente conhecido por sua sigla como GAP. Formado inicialmente por militantes do MIR e do grupo chileno Exército de Libertação Nacional (ELN).
Tradicionalmente, os presidentes estavam protegidos por uma guarda escolhida entre as forças armadas e a polícia, mas dadas as características do alto comando, não eram garantes da vida de um presidente que defendia pela primeira vez os direitos do povo, enfrentando inevitavelmente, os interesses que os oficiais superiores defendiam.Deste grupo de membros do GAP,  cabe destacar uma vez mais, que todos eles enfrentaram aqueles que infringiram a lei pela força, derrubando o governo eleito pelo povo. Tudo isso já é conhecido por todos nós, mas vale lembrar para aqueles que eram jovens demais ou ainda não tinham nascido e os que nasceram no exílio. Desses companheiros, muitos caíram no campo de batalha, e alguns conseguiram sobreviver.
O seu programa de governo era  um programa aberto à liberdade em todos os aspectos, liberdade de expressão, de imprensa, liberdade econômica para a iniciativa privada, desde que isso não significasse contrabandear a soberania nacional. Assim o  programa também implicava  a igualdade civil de todos perante a lei, algo novo num país habituado a aplicar a justiça aos mais pobres, enquanto as classes económicamente poderosas valiam-se da  corrupção para se esquivar à lei. Problema que poderia ocorrer hoje novamente, como ocorreu durante a ditadura. O programa económico implicava também igualdade no que respeita aos recursos económicos.
Na base da aplicação prática destes dois valores, a liberdade e a igualdade, residia a fraternidade.  Allende entendia  que sem fraternidade – traduzida profanamente como solidariedade - era impossível alcançar a igualdade civil e económica, passos prévios para   viver em liberdade plena. Isso era para Allende o "socialismo chileno." Basta dizer que, hoje em dia, os grandes recursos do país estão novamente a ser vendidos pelo maior lance, o de sempre,  perdendo o país novamente os recursos que lhe pertencem legalmente, por estarem em solo pátrio.
Por indicações da liderança do partido em que militava, o MIR, fui nomeada para a residência na Rua Tomas Moro no ano de 1970,  para me integrar no GAP na área das comunicações. Imediatamente percebi que a relação do Presidente Salvador Allende com os membros do GAP sempre foi como a de um pai, não só pela diferença de idade - a maioria não atingiamos os trinta anos - mas porque nos aconselhava com carinho e respeito. Conhecia e tratava cada um pelo seu nome de guerra,  então o único nome que ostentávamos. Deixei assim de ser Lila Lorenzo para chamar-me entre os meus companheiros por Antonia Guerra. Esse nome, simplesmente Antonia, era o que recebia cheio de carinho, pela parte do meu presidente.
Allende aconselhava cada um de nós quando achava necessário, incluindo questionar  aqueles que tinham deixado as suas carreiras profissionais, para estar junto a ele. Fazia-os pesar onde seriam mais úteis para o país;  se ali junto  a ele ou desempenhando a sua profissão,  pois o país também precisava de profissionais conscientes, capazes de lutar pelo bem-estar e liberdade do povo. Era como um sábio Venerável Mestre que sabia aproveitar as virtudes de todos os seus irmãos, enquanto atenuava o perfil dos nossos erros, passando  carinhosamente a mão pela ombro. Preocupava-se por todos e cada um de nós. No meu caso, como membro do Movimento da Esquerda Revolucionária, MIR, e apesar das diferenças com o Partido Socialista, o partido político a que pertencia o presidente, sentiamo-nos identificados  com ele intima e plenamente.
Formalmente e voltado para o povo era o presidente, mas na vida diária expressava como um amigo expressa as suas competências pedagógicas e políticas, escutava-nos e  aconselhava-nos.  A sua descontracção no trato permitia algo que sempre nos surpreendeu; sendo presidente do Chile era capaz de ouvir, de criar um diálogo connosco, os que trabalhávamos com ele. Mas Allende comportava-se da mesma forma nas reuniões com as pessoas, e mesmo com aqueles que considerava seus inimigos políticos. A palavra era a sua verdadeira arma, porque acreditava nela,  porque assim o tinha aprendido na sua Loja Maçónica - Hiram nº 65 da Grande Loja do Chile.
Assim como o poeta espanhol Gabriel Celaya disse: "A poesia é uma arma carregada de futuro", Allende usava a palavra como uma arma carregada de futuro. Esta sua capacidade, foi realmente um presente que o fez tão querido e tão perto de nós,  para aqueles que o conheciam de perto. O respeito pela figura presidencial com o qual chegamos à residência de Tomás Moro, logo se convertia em carinho e admiração. Então, deixou de ser o "Mr. President" para se converter em "camarada presidente" como lhe chamávamos quotidianamente. Tal era a confiança adquirida, que às vezes  chamávamo-lo carinhosamente por "Doc", abreviatura de doutor, pela sua profissão de médico.  A política que Allende nos ensinava convertia a fraternidade em solidariedade e os irmãos em companheiros, todos livres em consciência e iguais no trato.
O governo legítimo e democrático de Salvador Allende demostrou que a liberdade não era apenas um conceito abstrato, mas uma realidade que se materializava cada dia pela vontade do povo. Com Allende o povo recuperou a sua dignidade, deixou de ser vítima do poder arbitrário da oligarquia para converter-se num sujeito activo, protagonista soberano,  construtor do seu próprio destino.  Para  entender donde provinham estas idéias, é necessário basearmo-nos em certos dados que cercam a vida de Allende. O meio onde Salvador Allende cresce é,  desde a sua infância, influenciado pelos remanescentes das revoluções burguesas do século XIX, as revoltas de 1838 e 1848, quando se consolida o que hoje para nós maçons é o nossa divisa: "Liberdade, Igualdade, e Fraternidade ".
Cerca de 1850 começa a emigração europeia para a América, daqueles que participaram nessas revoluções e foram obrigados a exilar-se. O então presidente do Chile, Vicente Perez Rosales, abre a porta à emigração, feita por prisioneiros políticos, incluindo anarquistas e socialistas de vários matizes. O seu avô materno, o pai de Laura Gossens, sua mãe, tinha emigrado da Bélgica. É influenciado também por amigos do pai e avô, ambos maçons ilustres no século XIX. O avô paterno, Ramon Allende Padin, apelidado de "O Vermelho" pelas suas ideias liberais,  veio a ser Grão-Mestre da Grande Loja do Chile, destacando-se na guerra sangrenta e inútil entre Chile, Peru e Bolívia, como médico militar. O seu pai, Salvador Allende Castro, também maçom, torna-se importante jurista.  
Deste modo Salvador Allende Gossens incorpora dois valores fundamentais da Maçonaria herdados de seus antepassados, a solidariedade e a tolerância através do diálogo, uma ferramenta fundamental venerada em cada loja maçónica. Estes valores incorporam-se na  sua educação médica e nas leis como um marco referencial do diálogo para resolver as diferenças. Salvador Allende  estudou  medicina, uma profissão que o aproxima do povo e dos problemas difíceis que enfrenta. Assim, denuncia o que até hoje é uma realidade cruel na América Latina;  que a origem das doenças de hoje, de  cura previsível, convertem-se em  alta taxa de mortalidade devido à exploração e injustiça sociais.
Deste modo, a sua independência de critérios, apoiada pelas suas convicções maçónicas e políticas, assim como pela educação humana aprendida em casa, influenciaram-no  como um médico e político. Os seus pontos de vista sociais converteram-no num homem consequente, coerente no sentir, no pensar e no fazer. Isto tornou-o um homem admirado pela sua honestidade, como um político que jamais claudicou para conseguir o que para ele era simplesmente justiça.  Salvador Allende sabia que com clareza nos princípios e a prática constante do diálogo poderia alcançar o que desejava para o seu país. Nunca foi agressivo na discussão, porque a sua palavra convencia e não precisava de agredir, nem nunca o teria feito. Nunca fez diferenças sociais. Sempre se comportou com cortesia e cavalheirismo, e o seu carinho e cortesia eram excelentes. Com o tratamento directo, essas características fizeram dele um homem imponente. Essa foi a força que se levou para a política.
Inquebrantávelmente era um negociador. A direita não quiz escutá-lo, porque sabia que tinha fortes razões para apoiar suas posições, como se fossem as colunas do Templo de Salomão. A direita nunca o deixou falar, não foram capazes de o ouvir porque  o temiam, porque sabia expor as suas ideias e convencia os seus interlocutores com argumentos válidos, nunca pela força. A sua capacidade de negociação permitiu-lhe conviver com todos os políticos de diferentes grupos, porque sabia aproximar-se, sabia ser um amigo acima das diferenças políticas. Essa atitude permitiu-lhe construir a reputação que o levou à Presidência da República.
Ouvia, dialogava, tinha ideias claras sobre os campos social e o político. Destacavam o valor humano e a tolerância que, como um bom maçom, teve até com os seus inimigos. Foi tolerante com aqueles que fomos os primeiros GAP;  o MIR e os companheiros do ELN, que diferiamos politicamente em alguns aspectos, mas a fraternidade que inspirava permitia trabalhar com ele com profundo respeito, admiração e um carinho leal nascido dessa convivência.
Se bem que não concordasse para o Chile com a via armada da revolução cubana, foi capaz de fazer de Cuba um amigo incondicional. Da mesma forma não partilhava a defesa armada do estado socialista, mas no entanto, apoiou abertamente a luta do povo vietnamita contra o imperialismo dos EUA, expressando a admiração por quem fora seu irmão maçom, Ho Chi Minh City, iniciado muitos anos antes em Paris.
Agora sabemos que, historicamente, atrás do exemplo da Revolução Cubana, os Estados Unidos nunca mais vieram a permitir na América Latina um governo com um projecto diferente e verdadeiramente soberano. Assim, desde o dia em que Allende venceu as eleições presidenciais em Setembro de 1970, começa de imediato, como se sabe,  o plano da Agência Central de Inteligência (CIA) para derrubá-lo. Sabemos  bem que o golpe se materializou em 11 de Setembro de 1973.
A  R:.L:. Hiram N° 65 ao vale de Santiago é acaso uma das Lojas  mais  politizadas da maçonaria chilena, tanto que em 12 de Setembro de 1973, e desafiando a ditadura, realiza uma homenagem a Allende.
Em 24 de Setembro de 1974, a Grande Loja, ao que parece por pressões governamentais, dissolve a Loja Hiram, muitos dos seus membros tinham partido para o exilio e outros poucos, mantinham-se entre  colunas.
O N° distintivo de 65 foi entregue a uma Loja em Iquique. Uma vez recuperada a democracia, as autoridades da Ordem, restituem o N° à loja Hiram que voltou a levantar colunas.
Sabemos também que o golpe se deu devido a Allende ter ousado tocar nos interesses da oligarquia chilena e do capital estrangeiro. Isso custou-lhe a vida e também a boa parte daqueles que formaram o Grupo de Amigos Pessoais (GAP). A batalha do palácio presidencial de La Moneda é hoje um ícone por várias razões, todas enraizadas nos seus princípios maçónicos e na lealdade e bravura dos componentes do GAP,  que se encontravam ali lutando ao lado dele. Essa qualidade maçónica experimentada como algo inerente à sua própria natureza é a que traduzirá na camaradagem com os companheiros do GAP.  Os valores da maçonaria são universais e, portanto não são sequer monopólio dos maçons. É por isso que seus guarda-costas e companheiros do GAP souberam retribuir-lhe a fraternidade incondicional que ele lhes autorgava, mesmo até a morte.
Como maçons sabemos que a vida é o mais importante, mas também sabemos que é efémera.  A  lenda sobre a morte maçónica mostra-nos  igualmente a importância, até à morte, da coerência inerente à responsabilidade do conhecimento e da sabedoria. Hoje comemoramos o dia em que nasceu, o seu aniversário, mas não esqueçemos o dia em que  morreu e como nós maçons dizemos, passou a ocupar o seu local de trabalho no Templo que sustenta os astros acima das nuvens, debaixo das estrelas. Atrás do sacrifício de Allende naquele 11 de Setembro de 1973,  não é difícil ver os símbolos que nos são próprios como maçons. Muito se tem sido dito e escrito sobre a sua  morte. Sabemos hoje que se suicidou. Lembremo-nos um pouco de história. O período de consolidação política e social do Chile ocorre entre meados do século XIX e a metade do século XX. Apenas duas personagens se destacam pela sua importância histórica frente ao poder da toda-poderosa oligarquia chilena: Manuel Balmaceda e Salvador Allende.  Ambos sofreram a negação de seu papel histórico e a traição do exército e da oligarquia nacional. Ambos morreram com dignidade. Depois de perder a guerra contra aqueles que representavam a velha aristocracia, Balmaceda refugia-se na embaixada da Argentina e suicida-se em 19 de Setembro, justamente quando acaba o se mandato presidencial. Esta espera até ao final do mandato, torna que aqueles que o usurparam ficassem em situação ilegal,  pois enquanto vivo, só Balmaceda era o presidente legítimo do País.
Allende é o símbolo do Estado constituído, a expressão da soberania nacional frente aos  interesses estrangeiros, é o direito constitucional e democrático que se expressa nele, porque foi eleito por voto universal e aprovado por unanimidade dos representantes do Congresso, ao entregarem-lhe a Presidência. Entregando o poder aos golpistas  -  fosse renunciando ou aceitando o exílio - trairia a legítima confiança que o povo havia depositado nele e igualmente daria espaço político legal para as forças golpistas adquirissem legitimidade.  No caso da sua morte ocorrer, seria sucedido legitimamente pelo Ministro do Interior, então José Tohá, também assassinado pela ditadura, no Hospital Militar onde  se encontrava detido e doente.
Existe um direito inalienável relativo à nossa vida, reconhecido em alguns países europeus através da eutanásia. Como todos temos direito à vida, a uma vida digna, temos também o direito de decidir a nossa morte,  em defesa da dignidade humana. É o direito que exerceu Allende, ao decidir acabar com sua vida para provar a ilegitimidade dos golpistas, a injustiça social, política e moral que se cometia ao  atropelar a Constituição.
Como Maçom era um homem livre, com liberdade absoluta de consciência, e como tal tinha o direito de exercer essa liberdade. Neste caso, o suicídio é um recurso político de dignidade que representa o final coerente dum projecto de vida política e social. Essa data, 11 de Setembro de 1973, hoje em dia não é mais do que uma entre milhares para toda a humanidade, mas nós, como seus irmãos, reconhecemos essa semente que frutificará nas espigas que recolherá a história.
Lila Lorenzo Soto-Aguilar
V.. M. •. • R. da. L. •. Lafayette n º 10

Sem comentários:

Enviar um comentário