Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

21 de setembro de 2018

O Ritual na Maçonaria, o que é e para que serve


O Ritual na Maçonaria, o que é e para que serve

I – O que é o Ritual
Em qualquer Obediência ou Organização iniciática, o(s) Rito(s) praticado(s) consiste(m), desde a Iniciação,  num conjunto de Graus (ou «patamares»), de complexidade e conhecimento crescentes, constituindo cada um deles um conjunto coerente de instruções e procedimentos específicos, suportados num Ritual, que levam à sua aprendizagem, compreensão/conhecimento, correspondendo ao sistema e objectivos específicos do Rito, a nível desse Grau.
Portanto numa Obediência, cada um dos graus que compõem um Rito, apresenta um Ritual específico, desejavelmente uniforme.
 O conhecimento global do Rito só será atingível na sua plenitude, ao conseguir-se progredir consistentemente até ao topo, e mesmo assim o estudo e a pesquisa não terão fim, já que  a procura do conhecimento,, a caminho da Luz,  não tem limite (“somos sempre eternos Aprendizes”), e só terminará com a passagem ao Oriente Eterno. 
A primeira conclusão a tirar é pois que Rito e Ritual não são a mesma coisa, mas estão interligados, podendo considerar-se genéricamente cada Ritual como um sub-conjunto específico dos actos e cerimoniais completos do Rito, respeitante a cada Grau que o constitui, e o seu vector de  transmissão iniciática, por excelência. 
Utilizando uma comparação em termos de transmissão informática, em que a informação que segue ao longo de uma Rede digital é compactada em «pacotes»,  cada um deles com um número pré-definido de «fatias» de informação  (ou time-slot»). Ao simplificarmos,  fazendo equivaler o total do «pacote» de informação ao Rito, podemos facilmente equiparar um determinado Grau a uma «fatia» /«time-slots»)  desse  Rito , ou seja da totalidade do «pacote» transmitido. Ainda comparativamente, para se ter acesso à informação /conhecimento global contido no  «pacote» (Rito), é necessário ter conhecimento específico e sequencial de cada uma das respectivas fatias («time-slots») ou seja, de cada  Grau e do seu Ritual específico.
Independentemente do Grau em que decorre a Sessão, e focando-nos essencialmente no Grau de Apr:..,o Ritual com seus passos, procedimentos e instruções, a chamada ritualística, contêm em si um conjunto de ensinamentos específicos e simbólicos, que unívocamente o caracterizam, orientando e dando significado às acções e descrições orais no decorrer da Sessão, essencialmente da responsabilidade das Luzes da Loja (V:.M:. e VVig:.) sincronizadas com as actuações dos outros quadros.

Daniel Ligou (8), expressa uma descrição análoga, com mais pormenor no que respeita ao Rito Francês (que apesar de bastante interessante e curiosa, não cabe aqui considerar)
A palavra Ritual tem origem no adjectivo latino «liber ritualis», sendo contudo um substantivo, quer  em português, quer em francês. Nas religiões (como p. ex. na católica) é um livro de natureza litúrgica onde reside o conjunto das cerimónias do culto, de cariz essencialmente dogmático.
Na Maçonaria designa semelhantemente um conjunto de instruções com determinado significado e coerência simbólicas,  utilizadas (como referimos) para guiar e coordenar a realização de uma Sessão de determinado Grau.  Contudo a diferença substantiva face a uma religião é que na Maçonaria o Ritual é interpretado sob uma perspectiva não dogmática, não sendo p. ex:. obrigatório sabê-lo de cor, (à excepção dos Ritos de base Anglo-Saxónica) mas essencialmente compreendê-lo.
Deve ser entendido  como instrutor e auxiliar do aperfeiçoamento maçónico individual, já que dá coesão e sentido de unidade ao trabalho dos Maçons, desse Grau,  em Loja.  Este é motivo mais do que suficiente para que, sobretudo  cada Aprendiz o siga atentamente,  e tente perceber os ensinamentos e o simbolismo nele «embebidos», não exitando em questionar o 2º VIG:. ou outros IIr:. sobre as dúvidas que lhes ocorram.
Os Rituais são normalmente publicados (pelo menos nos graus simbólicos) pelas Obediências e o seu cumprimento rigoroso deve ser exigido às Lojas que a compõem, devendo (contráriamente ao que defendem alguns Irmãos) ser uniforme em todas elas, ou seja as LLoj:. não devem «inventar», no que respeita ao Ritual, mas cumprir, com o rigor desejável,  aquele que está oficializado. 
Eventuais erros ou desactualizações devem ser enviados superiormente ao C:. O:.. Saliente-se que a existirem alterações,  só poderão ser implementadas, após aprovação do «Supremo Conselho do Grau 33 para Portugal. e sua Jurisdição», que é a potência garante do Rito, cuja gestão dos 3 primeiros graus delega, por acordo mútuo,  na nossa Obediência. Se tal não acontecer,  podem as Lojas ou os seus Oficiais, nomeadamente o V:.M:. serem chamados à atenção pelo C:.O:., após participação e/ou acção de inspecção, consoante a gravidade da irregularidade eventualmente cometida.

II – Para que serve o Ritual
Seria possível a realização de uma sessão maçónica tradicional, sem o Ritual?. A resposta é inequivocamente não.
O Ritual é o fio condutor do trabalho em cada Sessão da Loja., agregador e unificador dos trabalhos e, ao mesmo tempo, da identidade e solidariedade  maçónica entre todos os Irmãos, respondendo aos objectivos iniciáticos de cada Grau.
Sem Ritual uma loja maç.. não equivaleria a mais do que a um mero clube de   convívio (do tipo  Rotarys ou outros),   por mais amigável e fraterno que seja o relacionamento entre os membros.  Não é por acaso que na Maçonaria nos tratamos como Irmãos, tratamento que deve ter integral correspondência na  prática, quer em Loja, quer na Sociedade profana.  
Também para M. Pinto dos Santos (9): “….. O Ritual maçónico, por identificar o rito praticado através de sinais, idade, tipo de deslocamento ritualístico, marcha, toques etc, funciona igualmente como uma forma de reconhecimento de grupo entre Maçons.”
Recordo que o caminho que nos é proposto no dia da nossa Iniciação tem por fim  preparar-nos progressivamente para passar  dum estado considerado "inferior" a um estado "superior “ de consciência, iniciando a ponte para o contínuo aperfeiçoamento interior, a caminho do Conhecimento e da Luz,  que deve guiar e a que devem aspirar todos os Maçons.   Isto é  o objectivo de cada Grau e do seu Ritual, permitindo aos seus detentores, se dominarem os ensinamentos essenciais neles contidos,  a elevação progressiva e sustentada  a graus superiores de conhecimento, de modo a aprofundarem a sua formação enquanto Maçons.
Cada Grau (mais notoriamente a partir de M:.M:.) tem fundamentalmente como base, segundo vários autores como  I. Mainguy  (1) e (6), Bernheim (10)  & outros: “um mito e uma lenda estruturadas, em que se fundamenta o seu desenvolvimento  e que representam os perigos e  as armadilhas  a evitar para alcançar o caminho a percorrer”.  
Daí que para esse (ou qualquer Grau), para perceber o objectivo do mito e da lenda, seja  necessário saber e perceber o Ritual, para  que o Maçom consiga extrair as  «chaves» que dão acesso à percepção da mensagem e conhecimentos essenciais, que o «mito» e a «lenda» proporcionam, e  daí a sua inesgotável riqueza.
Exemplifiquemos com alguns pontos do Ritual do Grau de Apr:. (sem com isso pretendermos  óbviamente  inibir ou imiscuir-nos no trabalho do Ir:. 2º Vig:…).
Porque é que os AApr:. se sentam em Loja na Coluna Norte? Porque segundo J. Boucher(4): “ainda estão parcialmente nas trevas e esse é o lado mais escuro da Loj:.”.

Na abertura dos trabalhos do Ritual, o V:.M:. ao golpe de malhete  pergunta: P: Irmão 1º Vig:: és Maçom?   Ao que este responde:  «Os meus IIr:. reconhecem-me como tal».
Também no “Questionário de Instrução” do «Ritual de Aprendiz» (3) o V:.M:. faz várias perguntas a que os MM:.MM:. respondem (isto para que os AApr:. ouçam e aprendam, já que não podem intervir), uma  das quais é igualmente:    P: Irmão, sois Maçom?, sendo a resposta a mesma.
P: Porque respondeis assim?      R: Porque o Apr∴ M∴ deve duvidar de si mesmo e não deve emitir a sua opinião sem ter consultado os seus IIr∴.  (isto porque o Apr:. ainda está no início da aprendizagem e não conhecimentos suficientes para ter opinião própria, porque  “não sabe ler nem escrever, só sabe soletrar”)
Qual o significado  simbólico de “Os meus IIr:. reconhecem-me como tal”?.
Após a Iniciação e prestado o juramento,  foram-vos dados, toques, sinais,  postura, marcha,  idade, bateria, palavra sagrada, etc. que vos permitem serem reconhecidos nesta Loja, quer em qualquer outra desta Obediência (ou noutra legalmente reconhecida por ela). É isto que simbólicamente significa «serem reconhecidos como tal», ou seja «como Maçons» (no respectivo Grau, Aprendiz).
Se por exemplo se apresentarem numa Loja em que vos desconhecem (bem como o Mestre que V/ deve acompanhar, já que qualquer Apr:. não pode apresentar-se sozinho noutra Loja), serão obrigados a identificar-se através do prescrito no Ritual (designado também por «trolhamento», termo de origem francesa) tarefa que estará a cargo do Ir:. EXP. ou do Ir:. G.I. da respectiva Loja (consoante o respectivo modo de funcionamento).
Mais à frente, ainda no «Questionário de Instrução», pergunta o V:.M:. :
P:  Irmão, que indica a maneira de soletrar a palavra sagrada?     R:   O método de ensino da maçonaria, que solicita cada um a desenvolver-se intelectualmente, evitando portanto tudo o que é dogma. Põe-se o neófito no caminho da verdade, dando-lhe simbolicamente a primeira letra da palavra sagrada, ele deve encontrar por si só a segunda, depois dá-se-lhe a terceira para que enfim adivinhe a quarta (atendam ao procedimento ritualistico do Ir:. EXP:, no início e fecho das Sessões….).
Voltando ao Ritual, V:.M:. pergunta ao 1º Vig:.  «qual é  e o segundo dever dum Vig: em Loja», respondendo este  «verificar se todos os presentes são AApr: MM:. Regulares» ao que o V.M. responde: “assegura-te disso juntamente com o Ir. 2º Vig:.”. Porque é que todos os Irmãos «têm de fazer o «SINAL à ordem», virados para Oriente, à aproximação do Ir:. Vig:. da Respectiva Col:.? Para que cada Ir:. não veja o Sinal que os IIr:. anteriores ou seguintes façam, e deste modo os VVig:. se certifiquem que efectivamente os IIrs que decoram as colunas são todos AApr:.. MMaç:. Reg:.., conforme confirmarão ao V.M.
Porque se circula em Loja no sentido dos ponteiros do relógio ou “dextrocêntrico”»,? Segundo Goblet d’Aviella (4) « quer dizer  que quando nos voltamos temos sempre a direita voltada para o interior do círculo (onde está o painel da Loj: rodeado pelos 3 Pilares… …) e a esquerda para o exterior”. Em todos os ritos giratórios o movimento deve ser sempre feito da esquerda para a direita, i.e. no sentido dos ponteiros do relógio, explicando que um sentido propício/favorável  está ligado à circulação pela direita, porque neste caso o movimento segue o circuito aparente do sol, e no segundo caso vai em sentido retrógrado (4). «Já os rituais antigos bramânicos, prescrevem formalmente que as circum-ambulações sejam feitas pela direita; a galeria disposta para uso das procissões em torno do santuário nos mais antigos templos bramânicos recebe até o nome significativo de «pradakshina», literalmente para a direita, ou seja “dextroversum”.
Recordo-vos que em Maçonaria (e portanto no Ritual) tudo tem um significado, cujo âmbito pode ser mais estreito ou alargado consoante o conhecimento e a interpretação simbólica que o Ir:.. consiga alcançar. Por isso é que a Maçonaria é essencialmente anti-dogmática, senão estaríamos a obrigar cada Irmão a interpretar cada instrução do Ritual e sobretudo o simbolismo que representa, dum modo rígido, dogmático, como se estivéssemos numa tradicional cerimónia religiosa.

Assim sendo, deixo-vos mais algumas questões, que devem ir aprendendo e descobrindo, se não o fizeram já:
Porque é que o Ir. Exp:.  (no início da Sessão e quando ordenado pelo VM:.) coloca o esquadro por cima do compasso sobre o Livro da Lei? Jules Boucher (4), citando Plantagenet afirma que: “da Antiga tradição, o esquadro cobre os dois braços do compasso, indicando que neste grau não se pode exigir mais do neófito do que confiança e sinceridade, consequências naturais da equidade e da rectidão, o que significa que a matéria (esquadro) ainda domina o espírito (compasso), sendo que o grau de abertura do compasso deve ser sempre de 45º” (para todos os graus simbólicos).
Porque é que os diferentes Oficiais  se colocam na posição e local que o Ritual preconiza? ( existem várias interpretações, nem sempre coincidentes (ou às vezes até divergentes) por parte de autores consagrados, como p. ex. J. Boucher,  O. Wirth, Ragon ou D. Béresniak).)
Porque é que o Ir:. EXP:. executa determinadas funções, nomeadamente o abrir e esconder o Quadro / Tapete da Loja e o que representa?  Porque existem 3 Colunas a enquadrá-lo e o que representam?      E por último, porque é que em cada Sessão (normal) se deve fazer,  antes da conclusão, a Cadeia de União, um dos actos simbolicamente mais significativos e importantes do Ritual.
Entenda-se (e atenda-se) que o Simbolismo macónico embebido no Ritual de cada Grau é a componente  essencial do pensamento  iniciático respectivo,   de que não podemos fazer  uma intelectualização redutora.  Entre nós, na Maçonaria, deve ser acima de tudo um processo de conhecimento e o instrumento da transformação interior do homem.   Sintetizando com a ajuda de D. Béresniak (7) : “A reflexão sobre os símbolos é o trabalho mais importante que se efectua na Maçonaria não esquecendo que a leitura e a escrita são formas superficiais de uma conversação” e ainda com D. Béresniak (5): “A Iniciação ao pensamento simbólico não é mais que um utensílio intelectual que ajuda a indagar por que razão tais representações gráficas podem estar associadas a determinadas reflexões.  …. Os símbolos que o Maçom usa fazem parte de um fundo comum à humanidade, mas a maneira particular de os combinar, essa, é específica da Maçonaria” (“L’Apprentissage Maçonnique - Une École de L’éveil»).
Enquanto que a linguagem da razão é necessáriamente limitada, "o Simbolismo,  enquanto suporte da  intuição transcendente, abre possibilidades verdadeiramente ilimitadas" (René Guénon, «Perspectivas sobre a Iniciação») (2).
Resumindo o Ritual além de ser o guia, condutor e o construtor da Sessão em Loja, é também  o Método de Transmissão essencial do simbolismo maçónico do Grau e o suporte à procura Iniciática, como referiremos de seguida. 
A procura iniciática está directamente subjacente a várias questões que se interligam ao nosso compromisso para com a Maçonaria. 
Uma análise e reflexão regular sobre o conteúdo dos rituais e das respectivas instruções, que devemos efectuar,  é um dos meios de abrir a nossa consciência ao Essencial. Sendo uma prática prolongada, é muitas vezes difícil e desafiadora, já que de grande exigência,  onde segundo I. Mainguy (1):  "o esquadro deve regular as nossas acções e o compasso traçar os justos limites que devemos observar na nossa conduta para com nossos semelhantes".
Desempenhando o Ritual um papel primordial  no desenvolvimento da procura iniciática que individualmente percorremos, objectivo essencial da N:.R:.L:. (ou de qualquer outra), em nossa opinião,  restringir a procura iniciática exclusivamente ao cumprimento rigoroso do Ritual traduz uma visão algo limitadora e/ou  castradora no âmbito da formação geral, e sobretudo da complementar.
 
É por isso que a nossa Obediência, defende e privilegia a interpretação, face à memorização (contrariamente aos ingleses e aos americanos, p. ex:) e preconiza o estudo e aprofundamento maçónico individual e permanente, de cada maçom.
Ainda segundo  I. Mainguy (1):  “Desde a primeira parte da instrução, o aprendiz admitido pode perceber  que entra numa fase irreversível da sua vida, que o levará a repensar e considerar a existência de um ponto, não de vista, mas de ser, diferente. Este início de pesquisa pode ser já chamado de procura. Aos poucos, vai percepcionando  que está situado num novo espaço activo estruturado, no qual será capaz de reconstruir a existência, com as ferramentas e elementos de instrução que são dados”.  
A procura iniciática é antes e acima de tudo "uma pesquisa do essencial", pois qualquer outra viagem de pesquisa não podendo ser qualificada de iniciática, será mais turismo espiritual. 
"Nascer, crescer e produzir" são as três funções necessárias para cumprir o melhor possível a nossa curta passagem por este planeta Terra, com o objectivo de nos preparar para a hora da nossa partida para o Oriente eterno. Estas três fases correspondem precisamente aos graus de: Aprendizagem, Companheirismo e Mestria.
A  Maçonaria deve permanecer fiel às suas fontes tradicionais, para conseguir transmitir correctamente. Mas ela própria é também influenciada adicionalmente pelas mudanças que ocorrem no mundo exterior.  Por exemplo o Ritual do APR:. do R.E.A.A sofreu pelo menos 8 alterações no século XIX e 4 no século XX, conseguindo contudo manter no essencial, o núcleo central da Tradição….
 O mundo está (ou continua) numa crise profunda, as referências e os parâmetros alteram-se e deslocam-se rápidamente, as mentes duvidam e muitas vezes deixam-se corromper e as referências mais tradicionais vacilam. Teria sido muito difícil que a Maçonaria, constituída por seres humanos,  conseguisse  permanecer impermeável,   protegendo-se das desordens e problemas que persistentemente assolam o mundo profano.
Quando passarmos ao Oriente Eterno, podemos ter acumulado riqueza,  títulos e prestígio, mas de que nos servirão? O que irá realmente perdurar é o que tivermos conseguido transmitir: os valores, conhecimento, ética, filosofia de vida, um exemplo de comportamento, frutos esses que a geração seguinte colherá, se tivermos  a capacidade de os transmitir correctamente.
A transmissão é antes de tudo um acto de comunicação e intercâmbio entre as pessoas, e essencialmente um acto de profunda solidariedade.   Cada um de nós começando por receber primeiro, aprende pouco a pouco, tal como uma esponja ao absorver um líquido, neste caso o do conhecimento. Depois, enriquecido pelas contribuições dos IIr:.  e IIra:., em conjugação com o seu trabalho individual, ao alcançar a Mestria deve preparar-se para  transmitir por sua vez o que recebeu às novas gerações, fruto da sua pesquisa, da sua experiência e da sua vivência.
É por isso que fazemos perdurar a cadeia de transmissão, em que cada um de nós é um elo essencial, no sentido da progressão individual, que não pode nem deve ser confundida com qualquer tipo de «carreirismo maçónico».  Durante o tempo de vida que nos é reservado, nunca paramos de aprender com os outros, para nos aperfeiçoarmos, e depois transmitirmos. 
Só os fundamentalistas podem desejar que o mundo permaneça congelado nos costumes, valores, até mesmo erros ou impasses. O verdadeiro homem, livre e esclarecido, é um agente de mudança para quem a transmissão é uma ferramenta básica, uma vez que qualquer parte do que recebeu e aprendeu, será transmitido.
O objectivo fundamental da transmissão é a incorporação na cadeia iniciática, na qual cada um tem o seu papel a desempenhar para assegurar a continuação da obra. Esta transmissão, esse  despertar gradual da consciência é feita através da palavra, já que se trata antes de tudo de uma transmissão oral.

É essencialmente o ritual que nos permite tornar viva essa tradição. É também o mesmo ritual que participa e  simultaneamente organiza a criação da Loja. Estabelece uma ordem que nos permite transcender o espaço e o tempo. É portador duma linguagem que nos relaciona com o sagrado (independentemente da visão ou entendimento que cada um de nós tenha acerca dele). É sempre o mesmo, devendo ser transmitido com seriedade e rigor, o que não significa rigidez, é um guia que cada um pode e deve  animar. É transportado e vivido pelos membros da Loja,  ocupando cada um a sua diferente função, com a vantagem de que, no nosso caso, os Oficiais da Loja (o corpo de actores), são  substituidos anualmente, o que representa o melhor e o mais democrático método de se evitar eficazmente a a esclerose e a cristalização …, se for correctamente seguido e a não existirem «carreirismos» espúrios e /ou candidatos a «donos» de Loja….. a pertubá-lo.
Como vimos   não foi a Maçonaria que inventou o simbolismo, tendo-o herdado de várias tradições antigas, por  vezes já desaparecidas. As representações simbólicas são menos limitadas do que a linguagem vulgar.
Se se pretender definir um símbolo, percebe-se muito rapidamente que é práticamente impossível, porque as palavras não podem expressar o seu conteúdo como, por exemplo, não podem exprimir toda a arte musical, pictórica ou qualquer outra. Definir um símbolo, é limitá-lo e dar-lhe um significado redutor.
Para I. Mainguy (6) “Um símbolo está para além de qualquer definição. Revela escondendo e esconde revelando. A percepção do símbolo tem uma parte subjectiva, pois depende do conhecimento que se tem de alguma coisa, com uma compreensível tendência para se não se polarizar numa das suas interpretações.  O símbolo não impõe nada, é uma janela aberta sobre o universo oferecendo um aspecto pluridimensional sobre a realidade. É uma combinação de imagens, vendo cada um o que as suas capacidades visuais e de entendimento lhe permitem percepcionar”.
O nosso trabalho em Loja é um método de relação pessoal entre homens livres que colaboram para que a loja se converta num centro de união entre pessoas de diferentes idades, biografias,  horizontes espirituais, ideológicos e filosóficos, que se reconhecem entre si,  nos seus graus e qualidades, que cooperam e que reforçam a união entre si quando cumprem o Ritual com rigor, inserindo-se assim correctamente na chamada Cadeia de União.
A  Cadeia de União é no Ritual, provávelmente do ponto de vista simbólico, uma das cerimónias que mais directamente apelam  à solidariedade e fraternidade maçónica, sendo seguramente um dos actos mais significativos da dedicação  que trazemos ao nosso compromisso com os sublimes princípios  maçónicos».  Segundo Jean-Pierre Bayard (4),  só se deverá desenrolar num ambiente tradicional e numa atmosfera particular, na ausencia dos quais permanecerá sem valor (meditemos sobre isto…. ).
A primeira descrição conhecida  da cadeia de união está contida no Manuscrito de Edimburgo, datado de 1696. Trata-se dum gesto ritual que traduz uma relação activa entre todos os elementos duma loja,  segundo determindas regras, tendo também por objectivo transmitir a palavra do semestre, sempre que tal é indicado pelo G:.M:.   J. Boucher (3) refere que a cadeia de união sendo um acto ritual que encontramos, por sua vez, quer no «Compagnonnnage» quer na Maçonaria,  chega-nos proveniente da maçonaria operativa. Consiste na formação de um círculo, uma cadeia, dando-se mutúamente as mãos,  após prévio cruzamento dos braços.  Cada novo iniciado é convidado, desde a sua admissão, a constituir um novo elo nesta cadeia. 
Esta fraternidade representa, portanto, o fundamento sobre o qual se apoia a própria organização iniciática tradicional. Neste sentido, o entrelaçamento de mãos e braços configura e evoca a imagem de uma estrutura fortemente coesa e organizada.   É um dos momentos ritualísticos marcantes da Sessão: ao formar e integrar a Cadeia de União, os MMaç:.  relembram que cada um individualmente faz parte de um Conjunto,  Conjunto esse  que é mais forte do que o simples somatório das forças individuais.
É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que cada um sente que contribui para o grupo, mas também sente que beneficia da força comum do grupo. A Cadeia de União é uma prática pela qual se forma, reforça e assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim se une, diluem-se os egos individuais e  avulta o colectivo, na busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora.
A palavra ritualizada tem uma força e um calor que multiplica a sua eficácia de comunicação, portanto as nossas pranchas devem, de um modo geral e por princípio, cingir-se ao conceito de ajuda, de superação, dando à transmissão maçónica a intensidade que lhe corresponde, no sentido do consenso,  não só para aquisição de Conhecimento, mas também para incorporação desta cadeia de Irmãos em que se traduz a Loja, numa Tradição, de que fazemos parte, como mais um anel em aprendizagem contínua.
Portanto, devemos trabalhar para garantir e manter a transmissão do método ritualístico a salvo de contaminações ou variações, e isso requer e exige a lealdade de cada Maçom  para com a integridade e a riqueza do "tesouro” maçónico recebido, ou seja: mantendo os rituais, mitos, símbolos, costumes e as virtudes morais e intelectuais sobre as quais tradicionalmente se baseia a nossa tradição maçónica. 

III – Resumindo e Concluindo
Só a participação consciente no Ritual nos pode fornecer a profundidade comunicativa que permite fazer Maçonaria. Sem essa profundidade dificilmente existe trabalho maçónico.
O Ritual sendo o fio simultaneamente condutor, agregador e unificador dos trabalhos em cada Sessão e, ao mesmo tempo, o guardião da identidade e solidariedade  maçónica entre todos os Irmãos, deve ser cumprido com rigor , já que sob o comando do malhete do VM:., secundado pelos VVIg:.,  e com a ajuda do IIr. do Quadro da Loja, ele organiza e dá resposta aos objectivos iniciáticos que o (ou cada)  Grau tem por objectivo.
 A união e a intensidade da relação fraterna que deve existir numa  Loja,  funda-se na participação de todos os irmãos na linguagem comum dos símbolos, através do Ritual como simbolismo dramatizado que ao ser interiorizado por todos os membros,  permite que todos  comuniquemos, apesar das nossas diferenças, espirituais, geracionais ou filosóficas. Não devemos simplificá-lo indevidamente ou fugir dele, por banal ou aborrecido que nos pareça, por contraponto a outros temas ou debates de  âmbito conceptual ou filosófico que se nos afigurem mais interessantes.
Por isso falamos de um método maçónico que foi construído e reelaborado, enquanto preservado ao longo do tempo, mediante uma Tradição, transmitida de geração em geração, que é o nosso maior e melhor tesouro.
Este discurso é Hoje o que que corresponde a "este tempo", porque esta é a linguagem actual, aquela que podem compreender os homens e as mulheres da actualidade, podendo-se afirmar que  "o espírito permanece, mas a letra altera-se sem atraiçoar o espírito". Esse deve ser o nosso caminho como projecto que se orienta na direcção da Universalidade.
A procura iniciática, induzida pelo Ritual, pode ser definida segundo I. Mainguy (6), como “o estado itinerante dum «pesquisador». É pelo desejo de sair da escravatura do poder, do ter, das limitações mentais de toda a espécie, que a nossa procura nos levou a seguir a via da realização maçónica,  que implica progressivamente e à medida dos anos, a superação de outras provas simbólicas, com a esperança de saber conciliar as nossas oposições internas o mais harmoniosamente possível.
Se o trabalho iniciático se suporta no Ritual, o trabalho maçónico individual apoia-se, mas não se  pode esgotar  nele, se queremos prosseguir, já que necessitamos de trabalhar e investigar sem parar e sem barreiras,  para a aquisição progressiva de Conhecimento, essencial ao desenvolvimento consistente do percurso maçónico,  o que só ao Iniciado e à sua vontade diz respeito.
Finalizando com D. Béresniak (5),:  “ .....A Loj:. deveria ser o lugar privilegiado para o estudo do simbolismo (que o Ritual incorpora). O clima que lá  se encontra é o mais propício e estimulante para explorar esta ciência. Lamentávelmente não é assim, já que muitas Loj:. desprezam o simbolismo e outras confundem simbolismo com ocultismo, interpretando à letra as analogias simbólicas, como se fossem verdades eternas em si mesmas.” (f.c.).
Concluindo com  I. Mainguy (6): “Os Rituais, da mesma forma que os símbolos não são um fim em si, mas sim um meio de acesso, enquanto veículos dos símbolos. Partindo dum caos, o Ritual configura uma  harmonia num grupo. O Rito desenrola-se num tempo privilegiado, do meio-dia à meia noite, qualquer que seja a hora do início dos trabalhos. O conjunto do Templo, uma fez fechado («a coberto») torna-se um enclave sacralizado. Uma vez as paixões ou os metais deixados no exterior, cada fase do Ritual (golpes de malhete, palavras, gestos) prepara um clima de receptividade  e de abertura interior».
Não podemos dissociar a Maçonaria das suas formas de expressão essenciais, o Ritual e os Símbolos, que constituem a sua estrutura fundamental e da qual são parte integrante. Viver o Ritual, é viver activamente a Maçonaria e ao mesmo tempo aceder uma das suas mais profundas riquezas.
Salvador Allende   M:. M:.
Set.2018 (e:. v:.)

Bibliografia
1 – “Procura Iniciática e Transmissão” -  Mainguy, Irène - (Conferência realizada em 2011 - Aniversário da Loj:. Acácia / tradução do original por  «Jakim & Boaz»)
2 – “O Ritual como método de Transmissão” - Guerra, Victor–  (“victorguerra.net”, Abril.2013)
3 – “Ritual do Grau de Aprendiz” (N:. A:. O:.)
4 – “A Simbólica Maçónica” – Jules Boucher  – Editora pensamento, Ed. 14 – S- Paulo , 2006
5 – “L’Apprentissage Maçonnique - Une École de L’éveil» - Béresniak, Daniel, Éditions Detrad – 2009, Paris
6 – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire” - Mainguy,  Irène -– Éditions Dervy, 2006, Paris
7 – “Coluna Norte – Tributo a Daniel Béresniak” - Dógenes de Sínope, M:. M:. –(Blog “Jakim & Boaz”)
8 – “Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie” – Ligou, Daniel – Éditions «PUF» - Paris (2015)
9 –“Dicionário da Antiga e Moderna Maçonaria “– Manuel Pinto dos Santos – Lisboa (2012)

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