Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

23 de abril de 2012

Viriato


I. Corria… mas devagar…o ano de 180, antes de Cristo.

Numa humilde cabana dos montes Hermínios, (hoje serra da Estrela) situados em plena Lusitânia, ouvem-se os primeiros gritos de um recém-nascido. É o sinal do início de uma grande aventura humana.
Esta aventura virá ser primeiro uma lenda, depois um mito, mais tarde ainda: um verdadeiro símbolo.
Mas nesse primeiro dia de vida a preocupação maior, para os pais foi encontrar um nome para o bébé. O nome escolhido acabou por ser: Viriato.
As referências etimológicas têm origem no latim com um significado ambíguo: portador de adornos ou virias, braceletes… (mas como estamos em plena tribo lusitana não sei se esta será a melhor explicação…).
Ou será portador de virias, entendendo-se por virias, varas ou lanças?
Enfim…a lenda, o mito e o símbolo são as três vertentes de uma mesma realidade.
Sobre o herói Viriato, muito foi dito muito foi escrito, e muito foi, sobretudo  inventado.
Mas concretamente, sobre as suas vitórias contra os romanos, existem relatos escritos como este:
Passo a citar: “o pastor Viriato é natural de Lobriga, hoje Vila de Loriga, no cimo da Serra da Estrela, bispado de Coimbra.
Ao qual, tendo 40 anos de idade, aclamaram rei dos lusitanos, e casou em Évora, com uma nobre senhora, filha de um aristocrata e negociante de gado chamado Astolpas no ano de 147.
Prendeu em batalha ao pretor romano Caio Vetílio, e lhe degolou 4000 soldados.
A Caio Lúcitor, daí a uns dias matou 6000.
Ao capitão Caio Plaucio, matou Viriato mais de 4000, junto de Toledo.
(Abro aqui um parêntesis: em prol da verdade histórica, esperemos que estes 4000 não sejam os mesmos da semana passada)
Mas continuando a citação: -reforçou-se o dito capitão e dando batalha junto a
Évora, prendeu 4000 soldados.
No ano 146 o pretor Claudio Unimano, lhe deu batalha e de todo foi destruído por Viriato que repartiu os despojos pelos soldados, pondo nos montes mais altos da Lusitânia os estandartes romanos.

II. Assim falava de Viriato, ou melhor assim escrevia o bispo-mor do reino de Portugal no ano de 1580.
Mas matar 4000 soldados romanos por semana, tendo isso acontecido de facto, não deve ter sido tarefa muito fácil.

Estes feitos de armas, esta capacidade bélica, transposta para os dias de hoje seria equivalente ao poderio militar dos USA.
Mas não foram só os poderosos, os políticos e os senhores a louvar o pastor guerreiro. Também os artistas mais geniais encontraram nesta figura, tema para obra e grande inspiração.
Em Portugal, escassos anos antes, do bispo-mor do reino, Viriato foi louvado por Camões, nos seguintes termos: “este que vês pastor já foi de gado. Viriato sabemos que se chama. Destro na lança mais que no cajado.
Injuriada tem de Roma a fama, vencedor invencibil, Afamado.” Etc, etc.
Estávamos então 17 séculos depois da sua morte, a lenda já está viva e viva permanece até aos nossos dias.
Como é sabido, os próprios historiadores romanos Tito Lívio e Cícero, assim como os Cartagineses, narraram os feitos de armas deste terrível guerreiro. Ora, talvez valha a pena parar uns segundos para pensar.
Não alheia a este facto estará com certeza também a necessidade para os Romanos de engrandecer o vencedor a fim de diminuir a desonra da derrota. Mais ainda, ao inflacionar a dimensão do inimigo, os romanos aproveitam para pedir mais uns Sestércios ao senado, ou seja: pedem um reforço de orçamento, concretamente mais dinheiro, para terem mais meios, para terem mais poder… Quanto ao dinheiro, tão longe de Roma nem sempre foi utilizado para o uso previsto…
Seja como for, passados todos estes séculos, Viriato não só não desaparece como se transforma definitivamente numa espécie de modelo onde, passo a citar: “Na circunstância do cortejo das fontes literárias nos levam a ver Viriato, para além da personagem histórica, um exemplar arquétipo, vestido pelos historiadores antigos nas sublimes roupagens das suas ideologias. (Professor José da Encarnação, Universidade de Coimbra).
Antes de prosseguir quero deixar a nota seguinte:
Durante o estado novo, foi introduzido um bemol sobre os hinos a Viriato… porquê? A razão é simples, este herói, rebelde, destemido também foi considerado o inventor da guerrilha, o que era potencialmente demasiado subversivo.
Para além de uma ou outra homenagem da Mocidade Portuguesa no quadro da propaganda e manipulação fascista, não houve grande agitação em torno do pastor… Mas… retomemos o cajado…..
Pastor ou… talvez aristocrata, pois estudos e publicações recentes do professor  Pastor Munõz da universidade de Granada, tendem a demonstrar: Viriato não era pastor, mas sim, aristocrata e grande proprietário de gado.
Para reunir um exército ontem como hoje era necessário muito dinheiro que um simples pastor não teria.
Isto sem falar das quantias necessárias para as despesas de funcionamento, armas e material. Histórias de orçamento… já naquela altura!

III. Hoje mais de 60 localidades, sobretudo em Espanha pretendem o famoso e glorioso “label” terra de Viriato.
Temos pois traçada a tela, ou a teia onde vieram prender-se muitas ideias e acções de carácter intelectual, social, e político. Esta dinâmica dá a Viriato maior relevância ainda.
Propaganda política…com a sua vertente nacionalista, isto dos dois lados da actual fronteira, manipulação intelectual… manipulação da história… recuperação religiosa… etc. etc.
Mas sejam quais forem as escórias do forjar da história, ficarão para sempre, como pilares da sua personalidade, a força - do braço,   a beleza - do carácter e a sabedoria - de ter conseguido  unir tribos tão diversas em torno de um objectivo comum, combater a tirania, neste caso Romana.
É impossível ocultar o lado mais sangrento da personagem, por vezes brutal para com os simples indecisos ou os traidores.
Mas nesses tempos, a diplomacia tinha digamos assim, um espaço de manobra algo reduzido. Era o espaço entre o gume da espada e a ponta da lança.
Com excepção deste lado mais brutal, aqui ficam, as razões que me levaram a escolher, com certeza, como meu este nome simbólico…
Simbólico… acabo de dar o salto das vastas planícies da história para a intimidade do templo.
Entrei de facto, sem bater regularmente, sem dar os três passos rituais, sem saudar o venerável mestre no Oriente, o Primeiro e Segundos Vigilantes, nos pilares da Beleza e da Sabedoria …
Mas o salto está dado… já nada posso fazer… E… pensando bem…
Esses três passos, já foram dados simbolicamente por Viriato, morto à traição… três companheiros ávidos de riqueza e glória, e a mando dos Romanos, assassinaram o sábio chefe, entregaram a chave da Lusitânia, para acederem ao poder e à vaidade de Roma.
Com este facto histórico Viriato deu o primeiro dos três passos:
Entrou no templo mítico pela lenda.
É impossível ignorar o perfeito paralelo com outro mito, só acessível aos mestres aqui presentes...
Para o conhecer e desvendar, os nossos queridos irmãos aprendizes terão de dar ritualmente os seus próprios três passos, e subir três degraus…
Fica pois o véu sobre o dia em que três gananciosos companheiros assassinam o próprio mestre.
Mas a analogia é flagrante.  

IV. Se o primeiro passo aqui dado foi a lenda do pastor, o segundo é sem dúvida o mito da personagem em torno da própria lenda.
Falta pois dar o terceiro passo. Ou seja abordar a questão do símbolo.
Viriato é a lenda, o mito e agora símbolo.
Com os três passos dados, estarei pois de certeza já dentro do templo.
Uma lenda, é como se sabe uma narrativa fantástica sobre acções heróicas, ou até sobrenaturais, mas que obedece a uma regra: ter um fundo de verdade.
O mito, omnipresente na nossa vivência maçónica, tem múltiplas definições. O mito e a lenda são mundos diferentes, mas formam um todo. Esse todo não se esgota aqui.
Gosto em particular da definição do mito por Claude Levy Strauss:
“o mito é uma história que as pessoas contam e ouvem contar, e que consideram sem autor, está incorporada no património colectivo, por ter sido repetida e transformada, e pelo meio das qual, cada sociedade tenta compreender como é feita, e quais são as relações dos seus membros com o mundo exterior, e também a posição do homem no conjunto do universo”.
Fim de citação.
Assim sendo temos o mito como história mas com liberdade, sem estar completamente presa aos factos.
Muito haveria a dizer sobre o mito, mas a prioridade é saber qual a sua função.
Simplificando, o mito tem uma função ético-social. Indica regras e as suas consequências em caso de incumprimento.
Do ponto de vista mais pessoal e psico-analítico, tem uma função compensatória e libertadora das angústias metafísicas dando assim um sentido não só à vida como à existência das coisas do universo e do homem.
Na realidade o mito é uma história, um percurso narrativo fabricado com a ajuda de símbolos.
Questões eminentemente maçónicas.
E o símbolo? Estais meus irmãos a perguntar em silêncio… e o símbolo?
Com efeito, falta o símbolo, tema igualmente central desta prancha... e, verdadeira terceira etapa ou percurso... ou o terceiro passo de entrada de Viriato na luz eterna do símbolo .
O símbolo o que é ?  O símbolo é um sinal particular, e particular porquê?

V. Porque permite reconhecer em particular os iniciados, mas que iniciados? Os iniciados nos mistérios do culto, de algumas divindades gregas… como vemos, o símbolo não nasceu hoje de um qualquer “out sorcing filosófico - cultural” recente, nem  foi implementado por um autoritário grupo intelectual dominante, como alguns que por aí pregam.
O símbolo é a substituição do nome de uma coisa pelo nome de um sinal….
Ao morrer assassinado, quando vendado, pelo sono, Viriato renasce simbolicamente, e integra a dimensão de símbolo.  Na minha iniciação quando morri, ainda vendado    e profano, era pedra bruta… (mais um símbolo) renasci para uma nova vida na condição de aprendiz maçom (outro símbolo).
Ao fim de um percurso de 23 séculos Viriato faz agora parte da trilogia: lenda, mito, símbolo, indispensáveis marcas do pensamento maçónico. Quanto ao meu percurso, será sempre, em direcção do oriente eterno, mas nunca fora dos caminhos da busca da verdade, esteja ela escondida por detrás de uma lenda, um mito ou… de um símbolo… como o de Viriato… grande vencedor da tirania.

# # #  Batem regularmente à porta do templo, Venerável mestre, pede ao guarda interno para ir ver, quem será?
Disse

Viriato M:.M:.
Traçado a Ori:. de Évora :., a 21 de Abril  de 6012

Ilustração: L., Silva, fl. ca. 1845-1860. BND. Viriato [Visual gráfico / Silva L. lith. - [S.l. : s.n., ca 1850?].


Sem comentários:

Enviar um comentário