Trabalho apresentado em 22/11/2025 no Simpósio Maçónico Internacional, patrocinado pela Revista Cultural Maçónica Internacional “Cadena Fraternal”, pela Serenissima Gran Loggia Nazionale Italiana e pelo Instituto Universitário Claustro Iberoamericano da Cidade do México.
(Saudações formais)
Antes de começarmos, gostaria de dizer que estas reflexões sinceras que partilho se baseiam na minha experiência directa a liderar organizações maçónicas latino-americanas e estruturas multilaterais com presença em quatro continentes, uma viagem que me permitiu observar a nossa diversidade, as nossas tensões e as nossas forças a partir de dentro.
Este percurso levou-me à convicção de que a Maçonaria só pode ser sustentada se as Obediências que hoje actuam nos principais circuitos internacionais aprofundarem, com genuíno empenho, o seu enfoque nas Obediências menores, as da periferia e as que trabalham longe dos grandes centros urbanos.
Talvez seja por isso que cada vez mais volto o meu olhar para o terreno real sobre o qual tudo se constrói. Aí estão as Obediências e as pequenas Lojas nas cidades de média dimensão, aquelas que ninguém menciona nos congressos. Templos sem tapetes e sem verbas para viajar para grandes eventos, mas que preenchem o vazio deixado pelo Estado com algo tão fundamental como uma presença humana construtiva, pautada por valores e princípios. Nestes lugares, que por vezes parecem distantes no mapa e ainda mais distantes no nosso imaginário, a ética maçónica é também discutida, e a fraternidade é vista como uma questão de sobrevivência social.
A minha conclusão é que devemos aprender a valorizar mais estas Obediências e Lojas mais pequenas. Fazem mais do que aparentam. E fazem-no a partir da periferia, que não é meramente um território geográfico. Ali, longe das rotas maçónicas marcadas por Londres, Paris e as capitais americanas, sustentam a Luz Maçónica com admirável tenacidade, com o pouco que têm, que por vezes mal dá para o mínimo necessário.
Na América Latina, a fraternidade tem sido, e continua a ser, uma necessidade básica. Por entre crises, no meio de crescentes violências que se foram acumulando, e governos que nem sempre estiveram à altura da situação, a Maçonaria manteve-se, em determinados momentos, como um espaço onde as pessoas ainda podiam conversar e ouvir-se. Esta coisa simples, que nos pode parecer insignificante, sustentou mais comunidades do que imaginamos.
E agora encontramo-nos neste terceiro milénio, que chegou como uma época estranha, em que a maioria das coisas se move muito rapidamente e algumas muito lentamente. A globalização digital colocou-nos na mesma época, mas não na mesma conversa. Novas sensibilidades éticas bateram-nos à porta, algumas suavemente e outras com urgência, e a diversidade cultural converteu-se na paisagem natural em que vivemos, obrigando-nos a repensarmo-nos a nós próprios.
Para compreender o presente, é preciso recuar um pouco no tempo. A segunda metade do século XX na América Latina foi complexa. À medida que o mundo emergia da Segunda Guerra Mundial para a Guerra Fria, muitas Obediências latino-americanas procuraram a estabilidade apoiando-se em modelos maçónicos externos provenientes das principais potências ocidentais, e institucionalizaram a ideia de que a legitimidade vinha de fora, de lugares desconhecidos quer para as nossas sociedades, os nossos bairros e a nossa riqueza cultural. Naturalmente, este modelo tornou-se um problema para nós.
E aqui está algo que deve ser dito com calma, sem tom acusatório, mas também sem disfarçar a verdade. As grandes Obediências do Norte Global têm agora a oportunidade (diria mesmo a responsabilidade) de rever a lógica que durante décadas foi imposta e aceite sem grande discussão. O mundo mudou. A Maçonaria também. E qualquer noção de universalidade que continue a acreditar que o centro do mundo está no mesmo (velho) Norte de sempre, está condenada a tornar-se obsoleta.
Com a chegada da década de 1980, ocorreu também um realinhamento continental, com a abertura de democracias, o surgimento de novas vozes, mulheres a reivindicar espaços que lhes tinham sido negados, povos indígenas a fazer o mesmo, e uma atmosfera diferente a permear a região. A Maçonaria latino-americana, talvez sem tanta intenção, foi influenciada por este espírito e, em muitos sectores, reconquistou a autonomia, trilhou o seu próprio caminho, as suas Obediências ligaram-se umas às outras, independentemente da dimensão dos seus membros ou sedes e, mais importante, abriu-se a discussão sobre se era correcto que outros definissem o que ela deveria ser.
Finalmente, aproveito esta oportunidade para afirmar com a clareza que os tempos exigem que a universalidade maçónica não pode avançar enquanto as Grandes Lojas dos principais circuitos continuarem a menosprezar as Obediências menores, aquelas que actuam longe das grandes capitais e fora dos centros de influência. Aí, naquelas Lojas sustentadas mais pela vontade do que pelos recursos, a Maçonaria permanece uma força vibrante. E é precisamente para elas que devemos dirigir uma relação diferente, de iguais, sem a tutela daqueles que acreditam que a legitimidade e a regularidade do trabalho maçónico têm origem nos centros históricos do poder maçónico. Se não formos capazes de fortalecer esta troca horizontal, sincera e corajosa entre as Obediências que partilham os mesmos desafios e a mesma região, então qualquer discurso de universalidade não passará de um slogan vazio.
Vamos aproximar-nos deles, ouvi-los com mais atenção, caminhar ao seu lado e dar-lhes o lugar que merecem nas nossas prioridades, porque, se a universalidade maçónica pretende ser um horizonte vivo, precisa de se apoiar nesta tarefa diária que honra o melhor do que somos enquanto maçons.
Muito obrigado.
Iván Herrera Michel
(Ex-Presidente do CLIPSAS, dirigente Maçónico Sul-Americano, Conferencista e autor de diversa Bibliografia maçónica)
(selecionado e traduzido a partir do blog «PIDO LA PALABRA», Blog de Iván Herrera Michel “dedicado al cultivo da tolerância e o respeito à diferença”, de 28 de Novembro de 2025, por Salvador Allen:. M:.M:./R:.L:. Salvador Allende - GOL)


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