Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

6 de outubro de 2021

A Maçonaria - Doutrina, Pensamento ou Método ?

 


A Maçonaria  -  Doutrina, Pensamento ou Método ?

I – Maçonaria – resumo das duas principais correntes

A Maçonaria que a N:.A:.O:. [10] nos propõe,  independentemente dos Ritos praticados ( Rito Francês ou Moderno – R.F. e Rito Escocês Antigo e Aceito – R.E.A.A.), enquadra-se na corrente designada por  “liberal” ou “adogmática”, por vezes também por “continental”, por oposição à britânica ou “anglo-saxónica”, de cariz “dogmático”,  já que impõe a crença em Deus (sob qualquer uma das formas das religiões monoteístas) e na imortalidade da alma.

Para começar, nada melhor do que ir ao encontro das definições essenciais, distinguindo os conceitos de Dogma, Doutrina e Pensamento. Segundo os dicionários consultados ([1],[2],[8] e [9]), temos:

Dogma: “Doutrina estabelecida e aceite como verdade absoluta e não sujeita a qualquer tipo de discussão, por regra, imutável, que permite a preservação de um «status quo» ao nível do conhecimento, sem qualquer tipo de progresso, dado que a sua crítica não é admissível” [2].  

Doutrina: “1- Conjunto de dogmas, religiosos ou filosóficos, que direcionam um Homem na interpretação dos factos e na direção da sua conduta. 2- Conjunto de princípios em que se baseia uma religião, um sistema político ou filosófico. 3- Ensino dos dogmas, mistérios e preceitos duma religião”.

Pensamento: “1 – Actividade humana mediante o qual o homem raciocina de forma lógica, reflecte sobre aquilo que os seus sentidos apreendem e medita; 2 – o pensamento humano está simbolizado no mundo maçónico através do compasso, instrumento de medição que pode alargar o seu raio de acção, conforme o grau de abertura” [2].

A Maçonaria, pela directriz essencial da linha “adogmática” e dada a sua natureza universalista, recusa à priori  a imposição de quaisquer doutrinas, verdades ou crenças aos seus membros, baseando neste princípio essencial, o seu pensamento e metodologia, que abarcando toda a Humanidade,  é simbolizado por exemplo  através do compasso, como atrás descrito. 

A Maçonaria Conservadora, de cariz mais tradicionalista (entenda-se no sentido conservador e francamente rígido), é representada fundamentalmente pela Grande Loja Unida da Inglaterra (G.L.U.I.), constituída em 1813, que reclama para si (e para as Grandes Lojas que a ela se subordinam) os princípios da dita «Regularidade», alguns de essência dogmática, como a crença na imortalidade da alma e no «Grande Arquitecto do Universo», equiparado e limitado ao conceito estrito de  Deus, para além da aceitação obrigatória de  um conjunto de «princípios imutáveis» («landmarks»).

Recorde-se que  no Séc. XIX,  contra o conjunto dos defensores do «status quo», sustentando que cada um dos 25 mandamentos redigidos pelo americano Albert Mackey em 1864,  eram de antiguidade incontestável (contra toda a evidência da mais elementar das análises históricas), a  G.L.U.I. «diminuiu» aquelas exigências.   Curiosamente também as «Grandes Lojas» que a apoiam,  não se referem actualmente a algum «landmark» de Mackay, mas sómente à  observância dos «8 pontos de Londres» definidos em 1929, que constituem as suas regras particulares. A partir daqui e considerando-se como «legítima» herdeira da G. L. de Londres (o que é  no mínimo  bastante discutível), e daí como a «primeira potência a nível mundial», arroga-se no direito de atribuir ou retirar a «regularidade» às diferentes Obediências  que lhe solicitam «reconhecimento»,  mas curiosamente,  internamente não os classifica como “landmarks”. 

Harry Carr , reputado investigador e historiador maçónico inglês, fundador da Loja de Investigação «Quator Coronati” (GLUI) afirma que 10 dos «landmarks» da lista de Mackay não podiam ser considerados como tal, resumindo a lista sómente à existência de 5, que deveriam ser reconhecidos unanimemente [3]:

1 – O Maçom deve professar a crença em Deus, Grande Arquitecto do Universo;

2 – O volume da lei Sagrada deve estar presente em loja e aberto à vista de todos;

3 – O Maçom deve ser um homem livre e maior de idade;

4 – O Maçom, pelas suas acções e declarações, deve obediência ao Estado e à Maçonaria;

5 – O  Maçom crê na imortalidade da alma.

O reconhecido e insuspeito maçom, historiador  e investigador inglês R. Gould (também pertencente à «Quatuor Coronati”) afirma [7]: “Ninguém sabe o que eles contêm ou que excluem. Não dizem respeito a qualquer autoridade humana porque tudo é «landmark» para o interlocutor que vos quer reduzir ao silêncio, mas nada é «landmark» para quem lhe barra o caminho”.


Por outro lado convém não esquecer que os «8 pontos de Londres» («Landmarks de 1929»)  representam  a própria negação da versão original (1723) das  «Obrigações de um Franco-Maçom» (constantes das Constituições de Anderson), já que naqueles coexistem  a obrigatoriedade dos princípios de:

-  Regularidade «de origem»  (ter sido fundada por 3 lojas ou por uma Grande Loja já regular);

- Regularidade «doutrinal» (trabalhar com as 3 Grandes Luzes, afirmar a existência de Deus, Grande Arquitecto e da sua vontade revelada e não possuir nenhuma relação com uma Obediência mista ou feminina);  

- Regularidade «territorial» (só poderá existir uma Grande Loja por país e não poderá criar oficinas num país onde já exista uma G:.L:. regular).

Portanto se algo podemos concluir desde já, quanto às 2 principais tendências da Maçonaria actual é a de que, nas suas linhas gerais,  o pensamento maçónico tem um fundo comum nas suas  linhas constituintes base  (de origem na G.L.L. e nas Constituições de 1723….), mas  a exigência,  quase um século depois (1813), de determinadas aceitações doutrinárias  está sómente ligada  à versão «dogmática» anglo-saxónica, após a constituição da G.L.U.I., via os pontos 1), 2) e 5) atrás referidos.

Tentaremos apresentar  nos três  capítulos seguintes os pontos principais que permitam complementar e esclarecer os objectivos inerentes a este  trabalho. 

II – Princípios do N:.A:.O:.

Segundo a Constituição da N:.A:.O:. [10], salientamos alguns dos princípios fundamentais: 

- A Maçonaria é uma ordem universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição Iniciática, obedecendo aos princípios da Fraternidade e da Tolerância, e constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças.

- A Forma da Maçonaria é Ritualista.

- A Maçonaria tem por fim a perfeição da Humanidade através da elevação moral e espiritual do indivíduo. Não aceita dogmas e combate todas as formas de opressão sobre o Homem, luta contra o terror, a miséria, o sectarismo e a ignorância, combate a corrupção e enaltece o mérito.

- A Maçonaria procura a conciliação dos conflitos, unindo os homens na prática duma Moral Universal e, no respeito da personalidade de cada um, condenando as regalias injustas.

- A Maçonaria adopta como divisa a Liberdade,  Igualdade e a Fraternidade, e como lema a Justiça, a Verdade, a Honra e o Progresso.

- A Maçonaria considera o Trabalho um direito e um dever essencial do Homem, honrando igualmente o trabalho intelectual e o trabalho manual.

- Os Maçons reconhecem-se como Irmãos e obrigam-se a uma permanente ajuda e assistência mútua. Exige-se-lhes o máximo altruísmo, o sacrifício de quaisquer interesses ao bem-estar dos seus semelhantes e a propaganda, pelo exemplo. 

- Os Maçons, recusando-se a assumir, nessa qualidade, quaisquer posições de natureza partidária, integram-se no espírito das Constituições de Anderson e respeitam as leis e as autoridades legítimas do país onde vivem e livremente se reúnem.

Os princípios essenciais acabados de salientar, respondem à primeira parte das questões que colocamos, isto é, quem somos!. Determinam o perímetro essencial  do nosso campo e princípios de actuação, definindo inequivocamente  os objectivos de grupo, reforçando os valores morais que nos norteiam,  que levantamos bem alto e que honradamente procuramos seguir.  

Entrar na Maçonaria é um acto individual que traduz uma abordagem essencialmente voluntária,  dando início a um processo "activo" e bidireccional: o maçom recebe de acordo com o que trabalha.... não vem para receber qualquer ensinamento de tipo escolástico, mas tão só para aperfeiçoar o seu auto-conhecimento, para melhorar a sua cultura e pensamento, através de uma metodologia específica, com o objectivo de ser mais útil a si-próprio e à melhoria da Sociedade em que se insere

III – O Método Iniciático contempla algo de «dogmatismo» ?

Na Constituição da N:.A:.O:. (ver cap. Anterior) não encontramos nenhum traço ou vestígio de dogmas, e menos ainda a exigência de aceitação de qualquer entidade divina, tão somente a definição dum conjunto organizado de princípios orientadores, que qualquer pessoa «livre e de bons costumes» não terá qualquer problema em aceitar, traduzindo as «ferramenta» que os futuros Irmãos, poderão livremente escolher para melhor trabalhar e evoluir.

O não proclamar a obrigatoriedade ou ausência de qualquer dogma e de todo ou  qualquer proselitismo religioso, constitui em si mesmo um princípio essencial da Maçonaria, tal como a entendemos.

Evocando as origens, podemos equiparar fácilmente uma loja maçónica a  um «canteiro» de obras, da maçonaria operativa. Lá iniciamos uma Aprendizagem, passamos a um Companheirismo e posteriormente a uma Mestria. Descobrimos uma linguagem simbólica que aprendemos a compreender e a interpretar, discorrendo posteriormente sobre ela, quer na forma escrita quer vocalizada, ferramentas que fomos aprendendo a utilizar, segundo um plano de construção em que participamos progressiva e colectivamente. Toda a  pesquisa / processo  iniciático é organizado de acordo com a vida harmoniosa do «canteiro» (entenda-se «Loja») e do trabalho que lá  deve ser efectuado, sob a direcção do V:.M:. e dos 1º e 2º Vigilantes, com o apoio dos restantes Irmãos.

Voltando às definições e novamente a  M. Pinto dos Santos [2]: “Método Iniciático: 1. O facto da entrada na Maçonaria ser feita através de uma cerimónia de Iniciação, obriga a que a descoberta posterior seja feita com base na vivência desse momento iniciático. Deste modo, todo o desenvolvimento do maçom faz-se pela descoberta mediante não só da razão, como também da intuição que é específica a cada ser humano, sugerindo-lhe ou apontando-lhe as respostas para as questões simbólicas  que vão surgindo pelo caminho. Esse é o método iniciático que é adoptado pela Maçonaria.”


E também a Guy Chassagnard [8]: “ O Método Iniciático é uma via essencialmente intuitiva. É a razão pela qual a Maçonaria utiliza símbolos para provocar uma iluminação interior por aproximação analógica. Nasce assim uma linguagem tradicional, universal e quando mesmo própria ao indivíduo, permitindo através do tempo e do espaço, estabelecer uma relação adequada entre o sinal e  ideia”.

O caminho iniciático percorrido pelo maçom, após a Iniciação, pontuado pelas etapas que constituem os Graus, baseia-se nas respostas a estas três questões fundamentais que se colocam a qualquer ser humano: De onde venho, Quem sou  e finalmente,  Para onde vou?

O nosso modo de agir e a nossa conduta, procuram sempre explicar  logicamente, com base nas nossas opiniões a razão da nossa existência e o nosso lugar no conjunto de todas as coisas deste Mundo. De facto, toda a filosofia, como toda a religião, visam resolver este triplo problema e é na procura da respectiva solução que se têm estruturado as sociedades humanas. Mas a nossa maneira de agir, o nosso raciocínio e prática em Loja está  completamente em oposição a qualquer interpretação que envolva qualquer visão  ou conceitos dogmáticos (rever cap. I e II).  

O percurso maçónico centra-se primeiramente no próprio,  num trabalho sobre si mesmo, desbastando a sua pedra, por forma a torná-la mais polida e  perfeita, construindo progressivamente o nosso Tempo interior, para que posteriormente seja possível colocá-lo ao serviço da Sociedade que nos envolve, ou seja da própria Humanidade. Aperfeiçoando-nos, estaremos também a contribuir para uma sociedade mais justa e harmoniosa.

Depois da iniciação, preocupamo-nos com o  conceito de “conhece-te a ti mesmo” (que já nos foi transmitido desde Sócrates), exercício árduo que, em nossa opinião, não terminará senão no fim da nossa vida, quando passarmos ao Oriente eterno,  ou então marcará o fim do nosso percurso… . 

Ao tornarmo-nos Maçons, aprendemos a manejar o cinzel e o malhete  permitindo à  nossa vontade agir e persistir ao serviço do  nosso  discernimento. Acordámos  em ultrapassar o  domínio do nosso ego, e assim demos os primeiros passos em direção ao simbolismo.  

As ferramentas simbólicas colocados à nossa disposição na Loja, são felizmente numerosas: ferramentas, decorações e objectos, contando sempre, para a interpretação do seu significado,   com o Ritual, a literatura existente (nela se incluindo literatura proposta e pranchas da Loja). 

O símbolo e o significado da sua interpretação vai-nos surgindo como essencial no nosso percurso: os Irmãos mais antigos são o nosso modelo e veículo de transmissão. São Mestres, deles e de nós próprios, e quase sempre inspiração para  nós, pelas pistas e  caminhos que vão entreabrindo à nossa interpretação.   Sem esse efeito de espelho,  ser-nos-ia mais difícil, com as únicas ferramentas que visualizámos, dar início aos primeiros passos no caminho do Conhecimento, que inicialmente não  entendíamos ou sequer vislumbrávamos.

Eles não detêm a Verdade completa, mas cada um fornece-nos  um ou mais elementos que participam na nossa construção. Todo este processo, esta construção, realizamo-la livremente, através  dos nossos pensamentos e dos nossos actos, utilizando o nosso livre arbítrio, garante da nossa independência moral e da nossa identidade.

Esse respeito pelas especificidades de cada um é primordial: pois contrariamente ao  ensino dogmático, as pedras talhadas e polidas resultantes da nossa abordagem maçónica,  mantêm a sua personalidade e da sua montagem resultará um edifício coerente, e sobretudo muito mais rico na sua  diversidade.

O maçom trabalha sobre o  que é mais nobre no homem.  Assim, o Iniciado, busca uma qualidade de ser que passa pela descoberta ou redescoberta da dimensão espiritual, graças ao seu compromisso e ao acolhimento  que lhe oferece o grupo já constituído (a «Loja»). 

Voltando ao dogma, segundo Daniel Ligou [1]: “no sentido usual, dogma é o resultado duma doutrina apoiada sobre a autoridade duma Igreja. Esta Igreja estabelece e reconhece um certo número de princípios, de artigos que constituem o Dogma. O Dogma define a verdade, sendo objecto de crença obrigatória por parte dos fiéis. No sentido geral é todo o sistema que se proclama como detentor único e exclusivo da verdade. O dogmatismo consiste  precisamente na atitude de enquadrar a verdade nos quadros estritos dum dogma. Erro é tudo o que é contrário ao dogma.”

Contráriamente, a  Maçonaria propõe aos seus iniciados uma metodologia e um processo de crescimento para o desenvolvimento pessoal, apoiado na reflexão intelectual e na dimensão grupal que ajuda a consolidar o outro pilar do percurso de construção  maçónica,  o processo de crescimento ou amadurecimento: uma abordagem apoiada no autoconhecimento progressivo. 

Por outro lado, a linguagem dos símbolos é uma linguagem aberta, no sentido de que deixa enorme  espaço à interpretação de cada um. Constitui um apelo à reflexão e, através de algum trabalho, cada um pode apropriar-se dela  para seguir o seu próprio caminho em direcção ao Conhecimento e à Luz.

Voltando  à questão inicial deste capítulo, creio que não restarão dúvidas de que a Maçonaria, tal como a entendemos, além de não ser um pensamento doutrinário, rejeita qualquer dogma. É acima de tudo um processo de aprendizagem baseado no  pensamento livre e criativo,  é uma escola que aposta no futuro, no outro,  e acima de tudo na vontade de aprofundar o conhecimento de si mesmo e no próprio destino; uma Escola de Humanidade onde se conjugam lucidez e auto-avaliação.

O maçom não tem qualquer problema em considerar os homens como imperfeitos, começando por ele próprio, tendo contudo em atenção que, pela sua própria condição  se encontra numa situação especial  que o obriga a  esforçar-se  para se tornar a si e aos outros, melhores.

IV – O  «Grande Arquitecto do Universo»  e as suas interpretações

Eis-nos chegados a um ponto essencial, sobretudo dos ritos de base distinta do Rito Francês ou Moderno. Podemos para já considerar  várias e possíveis interpretações relativamente  à designação de «Grande Arquitecto do Universo». Esta referência, muito presente nos rituais do R.E.A.A., “À glória do Grande Arquitecto do Universo", pode parecer contraditória  e talvez confusa, com o que temos vindo a afirmar até aqui.  ... . Aproximar-se-á  este princípio de uma interpretação rígida ?

Recuemos de novo um pouco na História, para perceber as duas interpretações divergentes que persistem até hoje.  Iniciemos a abordagem «liberal», uma vez que a anglo-saxónica («dogmática») já foi breve  e anteriormente  descrita. 

Desde o início que o GOdF (Grande Oriente de França), reclamando-se da continuidade da GLdF  (“Grande Loja de França), se proclama herdeiro das Constituições da G:.L:.L:. de 1723, baseando-se no pressuposto de “que para se estabelecer uma comunidade com laços fraternais entre todos os homens, não se pode impor nenhuma crença, ao mesmo tempo que a qualidade maçónica de qualquer membro não pode obrigar à adesão a um dogma determinado” [1] e [7]……contráriamente ao que passou a obrigar, 90 anos depois,  a GLUI (sob pressão dos «Antigos»).

Uma das consequências da unificação das duas GG:.LL:.s inglesas em 1813, foi a de que, a partir deste momento, a Bíblia passou a estar solenemente presente em todas as sessões de loja, já que simultaneamente mantinha a tradição dos «Antigos», e também consolidava  as pretensões eclesiásticas do renovado anglicanismo na nova Maçonaria inglesa. Em consequência as novas versões das Constituições,  passaram a adoptar a referência a “Deus e ao Grande Arquitecto do Universo (GADU)”, que não existiam anteriormente.

Mas entretanto e  no  que diz respeito ao R:.E:.A:.A., a Maçonaria de inspiração "continental" veio a declarar  no Convénio de Lausanne, em 1875: "que proclamava desde sua origem, o existência de um princípio criador, sob o nome de «Grande Arquitecto do Universo» ”. 

Segundo M. Pinto dos Santos [2]: “1 - Grande Arquitecto do Universo, também designado por Supremo Arquitecto do Universo, é o princípio Supremo para os Maçons, podendo de algum modo ser equiparado no plano religioso como uma divindade suprema, ou seja, segundo o cristianismo, poderia ser o símbolo de Deus.   2 – A invocação que os Maçons fazem é normalmente mencionada pelas primeiras letras – G.A.D.U.. 3 – Nem todos os Ritos aceitam fazer a invocação (p. ex. o Rito Francês ou Moderno) desta figura, pois pode ir contra a consciência de alguns Maçons que não professam a orientação deísta. 4 – Com o evoluir da Ciência, a ideia do Grande Arquitecto do Universo transformou-se num princípio estruturador oculto embora sem características religiosas, cujo conhecimento se faz gradualmente pelo caminho progressivo iniciático, sendo uma «hipótese necessária» à existência humana.”

Guy Chassagnard [8], tem no essencial uma interpretação análoga, quando afirma: “«Grande Arquitecto do Universo» é antes de tudo um símbolo e, como todos os símbolos maçónicos, pode ter várias explicações… É assim o homem que, pouco a pouco, descobre as leis do Cosmos, domestica as forças da natureza e subjuga-as às suas necessidades”. E mais adiante, refere: “O «Grande Arquitecto do Universo» simboliza o princípio orientador da Maçonaria e do Universo. Trabalhar à glória do «Grande Arquitecto do Universo», pode pois significar «ad libitum»: ou trabalhar bem sob o signo de Deus; ou trabalhar bem sob a inspiração da consciência colectiva da  Humanidade; ou trabalhar bem segundo o princípio orientador  que aponta  para o Progresso, a Evolução do Mundo e da Humanidade”.

Se considerarmos que a Maçonaria era operativa antes de ser especulativa e que os primeiros maçons construíram catedrais, é importante perceber a origem do termo arquitecto. Etimológicamente, a palavra "arquitecto" vem de um termo grego que consiste em dois termos, «arki» e «tekton». «Arki» envolve as ideias de "comandar, dirigir" e «tekton» «operário que trabalha os materiais». 

Tanto na mitologia nórdica, como na indiana, é a partir da madeira que o carpinteiro divino, sob nomes diferentes e variados, cria o mundo. O «Grande Arquitecto do Universo» assume então uma função de carpinteiro celeste; monta harmoniosamente as diferentes peças que compõem o Cosmos, como as peças de madeira bem talhadas que formam uma estrutura complexa.

Depois de se questionar brevemente as origens do Grande Arquitecto do Universo, podemos interrogar-nos sobre qual o significado que essa denominação tem hoje ... Um Deus arquitecto? Um princípio ordenador? Um símbolo destinado a ajudar o homem a passar sem Deus? Retornemos então à tradição operativa: o arquitecto é quem dirige os artesãos, quer sejam aprendizes, companheiros ou mestres, é quem imagina e realiza os planos do edifício e supervisiona a sua construção.

Nesta perspectiva, a invocação feita no R.E.A.A. , pelo Venerável Mestre ao «Grande Arquitecto do Universo», pode ser entendida como uma maneira de estabelecer um elo entre o templo maçónico e o Cosmos.

Durante a abertura ritual dos trabalhos em loja, várias outras invocações são pronunciadas: "Que a Sabedoria dirija os nossos Trabalhos", "Que a Força os sustente" e, finalmente, "Que a Beleza os adorne". Assim, como o arquitecto, o maçom primeiro projecta, depois realiza e finalmente embeleza o edifício. O acto de  prestar homenagem ao «Grande Arquitecto do Universo», participa portanto no processo de elevação, de aperfeiçoamento do Maçom, através da construção constantemente renovada e sempre inacabada do seu templo interior.

Durante as Sessões (continuamos no R.E.A.A.), o G.A.D.U. é invocado nos dois momentos mais importantes da  Sessão, na abertura e no encerramento dos trabalhos. O apelo à reunião de forças, a exortação ao trabalho, convida o maçom a superar-se, lembra-o da meta estabelecida individual e colectivamente. Além disso, fixa a passagem do profano ao sagrado, confirma o abandono dos metais, aperta o vínculo entre os Maçons, reforça  o vigor à aspiração de que cada um deles se situe  em relação a si mesmo e em relação aos outros.


Para responder às  interrogações  mais essenciais, o homem sentiu a necessidade de projectar um princípio criador universal que actue na natureza e no interior de cada um de nós: um Grande Arquitecto. Trabalhar para a glória do G. A. D. U.  é um acto iniciático maior, muito anterior à Maçonaria, mas que esta adoptou (e em especial o R.E.A.A., mas não só), reforçando simbólicamente a sua interpretação, com a amplitude que cada um entender atribuir-lhe. 

É necessário considerá-lo, na sua autenticidade de pensamento simbólico, vivido no caminho da iniciação, quer no consequente período da caminhada maçónica, fora de todo o dogma, de toda a crença e de toda a restrição temporal. Ao interpretá-lo simplesmente como um símbolo, um símbolo a estudar  da mesma forma  que os outros que nos são propostos ao longo do nosso percurso de construção do Templo das nossas convicções pessoais, podemos considerá-lo em todas as suas dimensões.

Recordando A. Pozarnik: [4]"... o símbolo do Grande Arquitecto do Universo fala com cada Irmão de acordo com sua sensibilidade. Este Grande Arquitecto do Universo não é um dogma, mas uma linguagem que se endereça  ao coração. "

V – Conclusão 

O ensino maçónico não é uma doutrina, nem um pensamento, mas um método, ou melhor uma metodologia de conhecimento que se serve de símbolos: universais e intemporais. Eles podem ajudar todos os homens a entender melhor o mundo sem imposição de quaisquer pré-condições ideológicas.  Para D. Béresniak [5]: “O interesse no estudo dos símbolos é causado pelas chaves que eles contêm, chaves estas, que são correntes de pensamento associadas ao património cultural do universo”.

O ensino maçónico não é o «descarregar» de um certo número de conhecimentos que cairiam progressiva e ordenadamente  do alto e seriam entregues completamente «prontos-a-usar». O ensino maçónico, na sequência do seu método iniciático original, é um princípio rigoroso, deve ser procurado, perseguido e conquistado.  Para avançar é necessário  querer e merecer,  esforçar-se para tal e enfrentar provas.

A originalidade da Maçonaria deve-se  à sua natureza como sociedade iniciática e aos seus "métodos" de trabalho. Não é nenhuma seita, já que não tem "doutrina" a impor a outros homens, nem um partido político , porque não busca conquistar o poder, nem uma Igreja, porque, pretendendo ser universal , o seu proselitismo é limitado,  não excluindo nenhuma crença.

A educação é um elemento da inserção de um ser humano no tecido da comunidade. É um dever, por parte de quem sabe e que portanto pode fornecer a via, dar àquele que cresce, os meios para a conservar.

À pergunta inicial responderemos, para concluir,  que a Maçonaria não é um pensamento ensinado a golpe de dogmas, não é uma doutrina mas um método. Como o próprio  Voltaire nos recorda: “Todo dogma é ridículo;  qualquer restrição de qualquer tipo ao dogma é abominável.  Ordenar acreditar é absurdo "

Através do método maçónico os maçons vão recebendo as chaves para abrir portas sucessivas e as  ferramentas que lhes dão os conhecimento necessários para construir seu Templo interior, sendo simultaneamente  cada vez mais úteis à Sociedade em que se inserem, procurando transformá-la, humanizando-a e melhorando-a.

O seu objectivo principal é o de  reunir no seu seio "homens livres e bons costumes" que desejem trabalhar para o aperfeiçoamento moral e material e ao constituir e fortalecerem a sua  cadeia de União, reforçam e integram-se na cadeia Universal, que simboliza a ligação inquebrantável dos elos de todo este aperfeiçoamento intelectual e moral a toda a Humanidade, ou seja, construindo e cumprindo a sua função primordial.

Salvador Allende  M:. M:.


Bibliografia

1 – “Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie” – Daniel Ligou,  Éditions PUF, 2015 (3ªÉdition), Paris

2 - “Dicionário da Antiga e Moderna Maçonaria” – Manuel Pinto dos Santos, Lisboa 2012

3 – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire” - Mainguy,  Irène -– Éditions Dervy, 2006, Paris

4 – “Régularité Maçonnique” – Alain Bernheim – Éditions Télétres – Paris (2014)

5 – “L’Apprentissage Maçonnique - Une École de L’éveil» - Béresniak, Daniel, Éditions Detrad – 2009, Paris

6 - “The Genesis of Freemasonry” – Douglas Knoop e G.P. Jones” – Manchester University Press – 1947

7 -  “A Polémica da Regularidade – Origens e Evolução” – Salvador Allende M:. M:. (2006)

8 – “Le Petit Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie” -  Guy Chassagnard – Éditions Alphée, 2005

9 – “Encyclopédie de la Franc-Maçonnerie” – direction de Eric Saunier – Le Livre de Poche – Paris 2008

10 – Constituição da N:.A:.O:. (2005)


Sem comentários:

Enviar um comentário