Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

21 de setembro de 2021

MAÇONARIA E A TEORIA DAS CORES

 


MAÇONARIA E A TEORIA DAS CORES

Naturalmente perguntar-me-ão o que é que a Teoria das Cores tem a ver com a Maçonaria? A resposta é simples: tudo e nada, porque, quer o zero quer o infinitamente definido se sentam na mesa do banquete do conhecimento, ou seja, se aprofundar o conhecimento de Si próprio tem como finalidade o relacionamento com os Outros e o Universo, então e pela Lei das Comparações, haverá algo em comum, mas, por outro lado, se o conhecimento de nós próprios se limita a engordar o Ego e não o Eu nada haverá para se conjugar.

Desde os Pré-Socráticos (muito bem explicados por Aristóteles) que as cores estão intimamente ligadas à Luz embora aqueles se tenham baseado sobre este assunto de modo intuitivo, e foi muito mais tarde que Isaac Newton, cientificamente, propôs e demonstrou a Teoria das Cores, prontamente contrariada por Goethe e Leibniz.

Isaac Newton pensou que a Luz era uma energia que se movia, refractava e dividia nas sete cores prismáticas mas com a oposição de Goethe que pretendeu demonstrar ser a Luz, não só invisível como indivisível, mas também que os vários graus das cores pertenciam à sombra que se revela sob a influência da Luz, ou seja, as cores seriam qualidades das sombras e não quantidades da Luz exprimindo esta Teoria, simbolicamente, por um número, o 6, e por uma figura, o Hexagrama que como sabemos são dois triângulos de bases e vértices opostos que se entrecruzam. Partindo de um ponto central há uma relação com as formas angulares intermédias numa correspondência entre o Uno e os Múltiplos, melhor dizendo: o ponto central (Luz invisível e indivisível) e a atmosfera circundante (sombra ou trevas) também invisível, mas divisível.

Esta ideia de Goethe poder-se-á aplicar aos sons, aromas, sabores e tacto constituindo (esta variedade infinita do mundo sensível) o paradigma de toda a natureza num conjunto de ciclos que mimetizam o grande ciclo do Céu e da Terra, quer dizer, os múltiplos da quantidade organizados em ciclos de qualidades visando as relações diametrais, angulares e circulares.


Não, ainda não entramos na fatia apetecida da Franco-Maçonaria, mas lá chegaremos, atento-me, por agora, apenas a esta maneira de desbravar a vida relembrando que a sensação é o mundo das imagens, e que a percepção distingue a multidão indefinida dessas imagens distribuindo-as por espécies, a saber, cores, cheiros, sabores, sons e tacto naquilo que Bergson designa por qualidades secundárias que se convertem às qualidades primárias que são o movimento e a extensão, quer dizer, tempo e espaço.

Como então digerir este soberbo e consciente acumular do conhecimento através deste jogo de qualidades/quantidades sem degenerar nas costumeiras fantasias ocultas ou exotéricas? António Telmo explica-nos que estas fantasias culminam quase sempre numa relação de géneros e não num género superior, unitivo e iluminante pois associar fantasmas mentais, automáticos e vazios, acaba sempre em especulações puras e duras ou, como nos disse Gaston Bachelard, …o fascínio pelas desilusões realísticas leva a sedutoras crenças e práticas... Sabemos também que o pensamento metafórico usa a chamada Coluna das Correspondências (desde Hermes o Trismegisto e possivelmente antes), dupla e antagónica (por exemplo: Sol/Lua, Direito/Esquerdo) ligando-se a um predicado próprio fazendo as correspondências reduzirem-se a duas (Yin/Yan) que, por simplificação geométrica, criam a tríade (1+2=3) e as suas 64 combinações significativas das possíveis situações do Universo (claro que foi o que Cabalistas fizeram à sua maneira e jeito).

Expostas estas considerações, já podemos perguntar: o que faz o Maçom, desde o tempo em que era pedreiro puro aos subsequentes pedreiros-livres, senão utilizar este magnífico processo de correlacionar e simbolizar todo o conhecimento? Vejamos em detalhe: o maçom não vai descobrindo que não há progressão sem aquele movimento triádico que liga os opostos a um centro de energia? O maçom não prefere que as imagens obedeçam a leis precisas da razão e imaginação afastando-se daquele mistério, nada esplendoroso, do jogo fácil e bizarro das almas melancólicas e fracas? Não é o maçom um filósofo dos intermediários entre o Uno e os Múltiplos? Não aprende o maçom que cada Ser Sensível é curvo num aspecto e rectilíneo noutro sabendo que a Régia do Conhecimento (que Filebo tão bem expressou) é muito fácil de demonstrar e dificílimo praticar?

 Não procura o maçom não se cingir só à razão raciocinante de Hegel transformando-a muitas vezes em razão emocionante? Não sente o maçom que na orgia do conhecimento têm lugar, não só a alma mas também o corpo que a informa sobre o Mundo Sensível? Não se entusiasma o maçom com as velhas querelas dos Sábios Gregos em que as essências só são pela existência que as revela, quero dizer, a essência da Lua é porque ela existe, não? Não estuda o maçom que a ideia sem a realidade que a revela é apenas um flatus vocis? Não vislumbra ele a dupla face da realidade que é natural e sobrenatural estando entre as duas o mistério do verbo mediador do sensível e inteligível? Não foge o Iniciado do convencionalismo social em que as palavras designam em vez de significar, como tão bem expressou António Telmo? Não é lógico para quem Desperta que o pensamento pensa-se a si próprio apesar da riqueza das Línguas com que se expressa? Não se arrepia o que procura a Luz quando descobre que o movimento que organiza o sensível pelo inteligível se chama pensamento e que os fonemas são quem anima e espiritualiza o mundo?

Sim, MM∴QQ∴IIr∴, à semelhança da Teoria das Cores de Goethe (Luz e Trevas) o maçom interioriza que entre dois extremos se movimentam os intermédios através da identificação de números, figuras e letras não deixando perder-se a relação com os Outros e o Universo num verdadeiro Despertar!

Gaston Bachelard escreveu…a abstracção científica é a cura da inconsciência para isolar as objecções que se encontram nos detalhes da experiência…, sabemos bem que sim, pois tudo o que é do domínio do mistério não se consegue mostrar sem ocultar, como nos deixou António Telmo, mas evitar a apatia espiritual que se está a apoderar da generalidade da humanidade é uma honra e um dever de todo o Iniciado que deve aprender e ensinar as pessoas a prestarem atenção à Natureza, não apenas com palavras, porque fora destas as mentes têm receio do natural e do sobrenatural, ou seja, e cito Virgílio…a descida aos infernos é fácil/noite e dia estão abertas as suas portas/mas regressar, voltar de novo a ver as estrelas/eis a grande obra…!


Dominemos a filosofia especulativa e operativa que é rica em contrários; exageremos a faculdade cognitiva da matéria contável, pesável e mesurável (intuição) ligando-a à acção pura para que tenhamos um conhecimento desinteressado da realidade interior; demos largas à relação primordial alma/corpo negando a distinção entre o que é interior e exterior para evitar a evasão mental em favor da multiplicação de ambos; com os pobres e cansados olhos (e restantes sentidos) devemos seguir o movimento incessante entre o mundo fixo e a sua esfera transcendente; deixemos de lado a astuta manha de Platão que considerava o Mundo Sensível irreal e artificial fugindo para um mundo supra-sensível sem dar conta da enorme força na qual vivemos e somos; Aprendamos com Bergson que nos forneceu elementos essenciais à indagação nesta mente, que vai da vigília (Consciente) ao sonho (subconsciente) e deste para o sono profundo (inconsciente), e neste corpo paradoxal que sonha um mundo que está em nós mas não é nosso.

A descida aos infernos é, com efeito, uma visita e uma viagem ao invisível mas saibamos regressar a um mundo superior regenerando-nos, e isto em vida (ao contrário das religiões que só depois do corpo desfeito e liquidificado decidem se as almas são condenadas ou iluminadas).

Durante demasiado tempo nas nossas vidas fazemos como os gurus do Positivismo que descobriram um meio de defesa contra o que há de electro e magneticamente potente nos chamados outros mundos. Não tenhamos medo de conhecer e lidar com os fantasmas e os espíritos do desconhecido pois o reconhecimento no próprio acto em que se afirma o contrário é, mesmo, progredir e avançar.

Estejamos atentos para nos implicarmos na total solidariedade entre o espirito e o objecto e entre as probabilidades e as certezas. Não esqueçamos que as imagens são o correlato que evita a dominação do espírito ao abrirem as portas à matéria e assim se comprometerem mutuamente para que não sejamos dominados por influências errantes que a sociedade culta condensa e conduz.

O outro Eu que pensa por nós (automatismo mental) precisa de ser descoberto, quer pelas quantidades (geometria) quer pelas qualidades (simbolismo), e aqui na N∴A∴O∴ temos todas as hipóteses. Evoquemos (trazer à Luz da consciência o que se esconde nos cinzentos da memória) e Invoquemos (ir à profundidade onde medram pensamentos e instintos) para distinguirmos bem o que é dinâmico, como o pensamento, e o que é cinemático, como é a química cerebral, e assim percebermos que o que é especulativo não corresponda a uma transmutação interior nem a uma evasão da acção operativa da qual se pode regressar desiludido.

Hic opus, hic labor est, ou liberal e vernaculamente, é aqui que a porca torce o rabo, quero dizer, estabeleçamos as pontes entre o outro que há dentro de nós e o Eu, melhor dizendo, entre os mundos espiritual e sensível.

Não corramos o risco que Guerra Junqueiro e Teixeira de Pascoaes tentaram, quais satíricos impiedosos do real sensível e exaltadores dos sonhos impossíveis, antes pelo contrário, o diálogo entre ambos deve atingir um nível de interrogação muito alto tornando a descida ao subconsciente a mais bela escalada da nossa existência. A este processo António Telmo chamou a Arte Poética (tão parecida com a nossa Arte Real acrescento eu) por em ambas, e cito-o... se emprestarem às palavras e às obras um alcance capaz de as tornar bem maiores que a sua ideal e realística dimensão...

Diógenes de Sínope M∴M∴



Bibliografia

-António Telmo – “Gramática Secreta da Língua Portuguesa precedida de Arte Poética“, Zéfiro, Edição e Actividades Culturais-2014

-Alain Subrebost - “Petit manuel d’Éveil et de pratique maçonnique“, Éditions Dervy-2017

-Michel Onfray – “Décadence“, Flammarion-2017

-Daniel C. Dennet – “From Bacteria to Bach and Back (Evolution of Minds)”, Allen Lane, Penguin Books-2017

-Gaston Bachelard – “The Psychoanalysis of Fire“, Beacon Press-1968

-H. Bergson – “La Pensée et le Mouvant, 16º édition“, PUF-2009



Sem comentários:

Enviar um comentário