Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

13 de junho de 2021

DIALÉCTICA E MAÇONARIA, PORQUÊ E O QUÊ?

 


DIALÉCTICA E MAÇONARIA, PORQUÊ E O QUÊ?

Porquê? Fundamentalmente por duas razões, a saber: em primeiro lugar porque não pertenço ao número dos NN∴QQ∴IIr∴ que já sabem tudo e que facilmente se empolgam nas certezas que definem, quer a N∴A∴O∴ quer o conceito de Dialéctica, antes pelo contrário, sou um seguidor do saber não sabido (tão caro a S. Freud), motivo pelo qual me vou dedicar, primeiro ao estudo do paralelismo/antagonismo entre Maçonaria e Dialéctica, e de seguida partilhá-lo convosco na medida em que os ecos dos outros são sempre bem-vindos, apreciados e indutores das respectivas correcções; Em segundo lugar porque me lembro sempre de F. Nietzsche que ditou para a posteridade estas palavras:…um pensador pode não aprender nada de novo, mas tem a obrigação de ir até ao fundo na descoberta daquilo, que para ele, é coisa assente…, o recado subtil que estas palavras encerram ajusta-se perfeitamente ao objectivo deste traçado.

O Quê? Também por duas razões: Na primeira citarei (Editado pela Comissão Editorial do Blogue) que diz…A Maçonaria é uma Ordem Universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição iniciática, obedecendo aos princípios da Fraternidade e da Tolerância, constituindo uma Aliança de Homens Livres e de Bons Costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças…, e na segunda farei um breve resumo da história da dialéctica baseado no livro “La Dialectique” de Claude Bruaire que passo a expressar: a Dialéctica não é senão habituar-se ao discernimento provável, recusar a confusão das premissas, eliminar sofismas e a indecisão concluindo com a razão que daí resulta. Parece simples este conceito, mas do senso múltiplo ao conceito unívoco muita água passará por debaixo da ponte. 

Vamos esmiuçar: a razão deve enunciar a realidade com exactidão, adequação e universalidade, e esta é a fórmula-mãe do diálogo filosófico, e o estatuto dialéctico não importa tanto aos jogos da linguagem mas mais à capacidade de exprimir o que é, logo, por um lado o que é inefável e indeterminado é inacessível à linguagem e por outro lado a verdade não é um dado imediato e não nos é dada de modo instantâneo ou directo, assim, só através da linguagem conceptual e do discurso racional se pode atingir a Luz chamando-se a isto o prelúdio da dialéctica.


Recordemos que antes da invenção da lógica não havia senso conceptual, apenas o senso empírico e directo, daí os Idealistas terem proposto que o pensamento está aprisionado pelo corpo que usurpa o poder do conhecimento, ou seja, é a Era de Platão em que o diálogo dialéctico só abordava o saber das aparências, tratando-as como aparências e debatendo o pensamento com ele mesmo sem verificação, ou seja, a vaidade era o sumo da dialéctica, por se considerar que o que vinha do exterior não passava de um conjunto de opiniões estéreis.

Felizmente que a seguir veio Aristóteles (com o seu Organon) que definiu a dialéctica como um debate consigo mesmo mas, consigo mesmo, dar uma chance às correntes diferentes e contraditórias, quer dizer, conduzir-nos para lá de nós próprios apesar de ser um caminho solitário. Uma coisa é certa, se a razão discursiva levar a uma ciência demonstrativa, a dialéctica fica de fora por esta navegar na interrogação e no provável, ou seja, a nobreza da dialéctica está na investigação pelo debate salientando as oposições (a famosa negação da negação) e, sobretudo, fixa-se onde a ciência é muda. Tal como na maçonaria, a dialéctica abre a verdade que não consegue ser dita.

Depois de Aristóteles vieram os Estóicos, Cícero, Diógenes Laércio, Séneca e Boécio que com o seu formalismo dialéctico deram-lhe uma grande machadada tornando-a num vazio manifesto ao quererem, através dela, justificar a teologia e a metafísica dos princípios como depois mais tarde, Descartes e E. Kant o confirmaram.

Mais uma vez, e felizmente, surgem Hegel, Feuerbach e K. Marx que a recuperaram de novo com um conceito surpreendente- o da Reconciliação dos Contrários. Para o primeiro os opostos eram deus e os homens e a reconciliação baseava-se na negação do finito pelo espírito divino, e para os outros dois a mediação ou reconciliação do homem e da natureza (os opostos) estava projectada no trabalho. Ora, estas duas posições (a certeza do sensível que pode não estar certa, como por exemplo uma vaca negra no meio da escuridão estar lá mas não se vê, e a subjectividade do sujeito) desencadearam um novo esplendor à dialéctica impondo de novo os opostos por serem eles que marcam a diferença relacional, melhor dizendo, ao dizermos sim à liberdade, só tem valor porque se pode dizer não por a dita liberdade não ter dimensão, nem matéria (em repouso ou movimento) e apenas se revela no seu contrário.

Depois desta já longa exposição podemos sentir que, aqui, o Caos predomina, mas, como é apanágio de quem se habituou a ordenar e a reunir o que está esparso, proponho-vos um método (necessariamente curto) em que abordarei os diversos degraus da aprendizagem maçónica correlacionando-os, utilizando a técnica dialéctica de medir os extremos opostos e, se possível, reconciliá-los. Assim:

Inicio com o estado pré-maçónico e falemos do PROFANO. O que nos impele a transformarmo-nos? Estamos mal com nós próprios (e por reflexo com os outros) ou apenas constatamos insuficiências e limitações que nos exigem ir mais além? Duas posições opostas como muito bem exige a dialéctica e a reconciliação parece-me estar, precisamente, na Iniciação a qual, e cito J. Fernández na sua obra “A Magia da Grécia”…procurando a explicação da natureza e do espírito, abre-nos a mente para um universo de significados que nos farão, senão mais sábios, pelo menos mais humildes…

Passemos à CÂMARA DE REFLEXÕES: Nesta sombria Câmara todo um universo de contradições que à primeira impressão poderão assustar quem não estiver preparado para um segundo nascimento. A morte (embora simbólica por representar o que se deixa para trás) num extremo e a vida (em parte simbólica e em parte real) no outro, cabendo nesta dicotomia a aspiração dialéctica na sua máxima expressão por a reconciliação poder ter um trajecto transcendente, mas também evidente, melhor dizendo, se seguirmos Hegel na sua dialéctica determinista ou o materialismo dialéctico de K. Marx.

De seguida vem o APRENDIZ um estádio em que parece haver poucas hipóteses de a dialéctica se instalar por os extremos não poderem ser ditos, mas apenas sentidos, visto o silêncio ser maçonicamente obrigatório. Mas se insistirmos, e apesar de sabermos que sem a linguagem a dialéctica fica ferida de morte, em ir mais ao fundo podemos usar o pensamento puro e duro para debatermos os opostos que neste Grau são marcantes. Cito o Sol e a Lua (mas poderia citar muitos mais como o pavimento mosaico ou a pedra bruta e o seu manuseamento), ou o masculino/feminino ou a Luz/Trevas em oposição, mas também reconciliados desde que existem fisicamente através de uma regulação fenoménica (em que as Leis da Gravidade se entrecruzam com as do Movimento à escala do infinitamente grande e pequeno paradoxalmente iguais) nunca esmagada pela Ontologia por mais influenciadora que tenha sido ao longo das Eras. A reconciliação aqui exprime-se, quer pelos significados das ferramentas quer pela reflexão silenciosa que, uma vez preenchidos, nos preparam para o que há-de-vir.

E o que há para vir chama-se COMPANHEIRO onde Ciência e Sabedoria (as Sete Artes Liberais), aqui esgrimidas em viagens fecundas e profusamente debatidas em que os extremos se afiguram tão poderosos que nos poderiam levar a não vislumbrar a reconciliação, mas não, esta está patente e evidente na Estrela Flamígera, Letra G, no Pentagrama e no equilíbrio entre o compasso e o esquadro em que cada um representando antagónicas realidades vão promover a reconciliação entre o corpo e o espírito.

Finalmente o MESTRE MAÇOM, aquele que seria o fim do caminho, afinal não é-dialéctica pura! Aqui aprendem-se as lições do patrão/escravo, dominação/servidão e do mestre/aprendiz em que indo ao fundo de nós mesmos nos podemos igualar aos outros e ao universo numa reconciliação em que a fraternidade, tolerância e liberdade sobressaem entre os extremos. O M∴M∴ olha para a Lenda de Hiram como o triunfo da vida sobre a morte ou da renovação dos ciclos da natureza e nunca esquecendo que a aprendizagem é incessante, ou seja, reconcilia-se.

Termino, MM∴QQ∴IIr∴, dizendo-vos que podereis encontrar na tradição maçónica mil e um exemplos dialécticos em que a quantidade se apaga diante da qualidade, onde a semelhança governa a probabilidade ou onde o certo está separado do incerto por um abismo que pode e deve ser, Reconciliado, e não esquecendo nunca que a Verdade é o seu próprio critério e, ao mesmo tempo, critério do seu contrário (a falsidade). Tanto a Maçonaria como a Dialéctica constroem laboriosamente a sua própria arte, o seu debate interno e a sua explicação racional. O dialéctico e o maçom sabem circunscrever, definir, diferenciar, dividir, serem capazes de tudo reunir e sistematizar louvando assim a capacidade ontológica da razão, quero dizer, navegam no indiscutível para que este seja o termo e o senso da discussão, por outras palavras, aprovam-se as hipóteses em vez de defender as teses. Ambas não facilitam nem dissimulam a ignorância através da mentira, sofística ou demagogia.


Antes de acabar gostaria de vos recordar Artemidoro de Daldis (séc. II a.C.) que na sua obra “A Interpretação dos Sonhos” (Oneirokritikon) nos deixou escrito…é bom que se invoquem os deuses mas convém que o homem também se ajude a si próprio

Diógenes de Sínope M∴M∴

Bibliographia

-Mainguy, Irène – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire”, Dervy Édition-2003

-Bruaire, Claude – “La Dialectique“, Que Sais-je? Presses Universitaires de France – 1985

-Fernández, JC (Org.) – “Grécia Mágica, o Fogo Secreto dos Gregos”, Nova Acrópole e Ésquilo - 2006 


1 comentário:

  1. "Diógenes", iluminou o caminho com sua lanterna...
    M
    uito interessante, grato por compartilhar

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