Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

3 de fevereiro de 2021

O SINDICALISMO EM PORTUGAL E NA EUROPA DO SÉCULO XXI – AMEAÇAS E OPORTUNIDADES

O SINDICALISMO EM PORTUGAL E NA EUROPA DO SÉCULO XXI – AMEAÇAS E OPORTUNIDADES 
 O (Editado pela comissão Editorial do Blogue) que trago para vossa consideração aborda o tema “O SINDICALISMO EM PORTUGAL E NA EUROPA DO SÉCULO XXI – AMEAÇAS E OPORTUNIDADES”, na qual procurarei apresentar algumas linhas força para o seu debate nesta Sessão para poder apresentar o objecto deste trabalho julgo necessário criar (sucintamente) um quadro caracterizador do próprio objecto, o sindicalismo, e do contexto da sua acção, a actual realidade, para, depois, se poder expor e melhor compreender as suas actuais ameaças e oportunidades. 
Assim, este trabalho inicia-se com uma rápida revisitação do papel histórico do sindicalismo, seguindo-se uma breve caracterização da actual realidade económica, social e societal e termina expondo então aquelas que me parecem ser as principais linhas de força sobre as ameaças e oportunidades do sindicalismo actual, em Portugal e na Europa. 
1. O sindicalismo – rápida visão histórica da importância do seu papel
 O sindicalismo, desde a sua génese na Revolução Industrial, é portador de uma visão transformadora da Sociedade. Reformista ou revolucionário, o sindicalismo alicerça-se num objectivo – considerando as iniquidades existentes na Sociedade em que se insere, pretende transformá-la, em direcção de uma outra realidade na qual os trabalhadores tenham uma vida digna com Justiça e Bem-estar social. Para tal, o Trabalho não pode ser considerado como que uma mercadoria transaccionada ao livre arbítrio do proprietário se tratasse e o Capital não pode dominar as relações sociais, impondo os seus interesses ao Trabalho.
 É nesta contradição fundamental entre o Trabalho e o Capital que o sindicalismo, ao longo da sua existência, tem travado duras, fortes e prolongadas lutas – que, com avanços e recuos, têm sido globalmente vitoriosas ao longo dos tempos. Independentemente da ideologia política dos seus militantes (reformista ou revolucionária, evolucionista ou extremista), o sindicalismo integrou, desde sempre, esta visão societária, articulando os seus combates pela Justiça, Bem-estar Social e elevação geral do nível de vida dos trabalhadores com a sua integração na acção colectiva da comunidade pela aquisição de melhores direitos políticos e sociais dos cidadãos. Esta a razão profunda porque os sindicalistas tiveram sempre extrema atenção a quem governa a polis, ou seja, à vida e à acção política, pois a realidade e a História lhe ensinou a importância da acção politica e que há partidos que tendencialmente representam melhor os interesses do Trabalho e, outros, os do Capital. É exactamente neste quadro político que, historicamente, os sindicatos estiveram relacionados fortemente com os partidos de Esquerda, tendo inclusive sido o esteio de muitos deles – primeiramente, a partir de meados do século XIX, os partidos sociais-democratas, socialistas ou trabalhistas e, a partir da Revolução Russa (1917), também com os partidos comunistas.
 Aliás, durante décadas a simbiose partido-sindicato (independentemente da ideologia) era quase total – é desta época a célebre expressão de Lenine que “os sindicatos são a corrente de transmissão do partido para as massas”.
Porém, por outro lado, também as forças políticas conservadoras tiveram que atender à terrível situação social da nova classe emergente da Revolução Industrial, o operariado. A partir dos anos setenta do século dezanove, particularmente a partir das políticas sociais alemã do chanceler Bismarck e da Encíclica Rerun Novaro (de Leão XIII, em 15.5.1891), estas forças passaram a atribuir atenção especial à então chamada Questão Social, organizando sindicatos para os operários, naturalmente com conceitos e estratégias sindicais alinhados com a sua perspectiva política conservadora. Foi a realidade concreta então existente no Mundo Operário que criou, nos elementos mais lúcidos da burguesia, a consciência de que teria que haver mudanças sociais porque, senão, os sindicatos de “esquerda” e os partidos de esquerda prevaleceriam politicamente na Sociedade e colocariam em causa os seus interesses.
 A importância quantitativa da Classe Operária na Sociedade, muito especialmente após esta ter conquistado o direito de voto, as suas condições extremas de híper exploração laboral, a pobreza absoluta da sua vida, marcada também uma total ausência de protecção social, tornava a condição operária o principal receio para as forças conservadoras, que compreenderam a necessidade de enquadrar sindicalmente os operários – única forma de contrariar a grande influência dos “sindicatos de esquerda” no seio do operariado e travar as suas reivindicações sociais e políticas transformadoras da Sociedade. 
Os sindicatos “democratas-cristãos” nasceram entre os finais do século XIX e princípios do século XX deste processo político, tendo como conceito distintivo dos restantes sindicatos de “esquerda” a conciliação entre o Trabalho e o Capital, ou seja, uma estratégia sindical sustentada numa menor acção reivindicativa socialmente e sem reivindicações politicas. Contudo, na História do Movimento Operário e Sindical os sindicatos de “esquerda” foram sempre esmagadoramente maioritários, se bem que sindicatos “democratas-cristãos” tenham tido influência em vários países. Porém, a partir do Concilio Vaticano II (1961-1965), eles próprios evoluíram e, ao longo dos últimos quarenta anos, abandonaram a sua assunção confessional e as suas estratégias sindicais conciliadoras – conservadoras e evoluíram para um sindicalismo mais reivindicativo, quer de um ponto de vista social quer politico.
 Durante décadas, as várias correntes históricas do sindicalismo (socialista, comunista e democrata-cristã) competiam e conflituavam entre si à volta da respectiva bandeira ideológica. Com o fim da Guerra-fria, a partir do início da década noventa, essa realidade foi ultrapassada, seja porque a corrente comunista perdeu peso quantitativo e influência politica e a sua confederação mundial, a Federação Sindical Mundial – FSM, quase desapareceu do plano sindical mundial seja porque se atenuaram as diferenças ideológicas entre as duas outras correntes que, inclusive, decidiram extinguir as respectivas confederações mundiais, a Confederação Internacional dos Sindical Livres - CISL (socialista) e a Confederação Mundial do Trabalho – CMT (de génese democrata-cristã), e fundarem a Confederação Sindical Internacional – CSI, em 2006 em Viena de Áustria. Quando, no século XX, o nazi-fascismo tomou o poder em vários países, sempre o sindicalismo esteve inserido totalmente no combate pela Liberdade e a Democracia, lado a lado com os partidos das Esquerdas, independentemente da ideologia de cada um.
 E, neste combate, participaram também, com maior ou menor empenhamento, muitos sindicalistas “democratas-cristãos” (tal como muitos outros democratas-cristãos). O mesmo sucede sempre que a extrema-direita espreita. Quando o bem comum esteve ou está em causa (devido a ideologias conservadoras ou neoliberais ou de extrema-direita) o sindicalismo, muito especialmente os seus sindicatos de “esquerda”, esteve presente na primeira linha do combate, salvaguardando as aquisições laborais e sociais e a Liberdade, a Democracia e os Direitos Humanos. Esta visão da importância fundamental da Justiça e Bem-estar Social e da Liberdade, da Democracia e os Direitos Humanos, está no cerne do sindicalismo.
 A criação de alianças com os partidos das Esquerdas, os democrata-cristãos que o desejam e outras organizações da Sociedade Civil foi sempre um dos instrumentos essenciais dos sindicatos neste combate. A Solidariedade, concretizada na transversalidade das suas inúmeras e diversas dimensões, é a forma de mais facilmente se ultrapassarem dificuldades e se alcançarem resultados positivos. Nestas realidades, com estes conceitos e estas estratégias, sucintamente descritas, a História ensina-nos que o Sindicalismo é um dos obreiros maiores das grandes aquisições politicas, democráticas e sociais dos últimos cento e cinquenta anos, foi sempre participante activo nos momentos altos da História da Humanidade, ou seja, integrou os movimentos sócio-políticos que alcançaram progressos civilizacionais para a Humanidade.
 2. Caracterização (brevíssima) da realidade actual 
 A Sociedade em que vivemos e, em particular, a actividade económica e, consequentemente, o próprio Mundo do Trabalho, encontram-se em profunda, permanente e acelerada mutação. A Revolução Técnica e Cientifica e a Globalização marcam a nossa vida estrutural e quotidianamente. Em todos os campos societais (económicos, climáticos, sociais, políticos e culturais) e em todas as suas dimensões existem profundas alterações – e todas concorrem para que a realidade da nossa vida enquanto cidadãos se modifique substancialmente e que, em particular, o Mundo do Trabalho se altere cada vez mais profundamente.
 Vivemos actualmente um paradoxo – ao contrário do que se pensava, o desenvolvimento tecnológico e científico não criou ao comum dos cidadãos mais progresso social e, para os trabalhadores, mais Justiça Social mas, pelo contrário, criou sim, mais dificuldades sociais e laborais, trouxe complexidades e novos problemas políticos e societais.
 Em suma, está a criar um “Mundo Novo”, sim, mas mais perigoso e no qual é mais angustiante viver e uma nova realidade laboral onde é mais difícil trabalhar – um ”Mundo Novo” que traz no bojo perigosos riscos de retrocesso civilizacional!! A nova realidade laboral (com novas características de emprego) coloca problemas novos e desafios fundamentais para os quais é necessário encontrar respostas que tenham um princípio básico – não representem uma regressão dos níveis de Bem-estar adquiridos! 
E é exactamente aqui que a questão sindical se coloca - mantendo os seus objectivos principais que historicamente validam a sua criação e justificam a sua existência (mais Justiça e Bem – estar Social para os trabalhadores) é indispensável encontrar novas concepções e estratégias sindicais, diferentes formas de organização (adaptadas ás actuais realidades das organizações económicas) e de negociação colectiva, acção e combate sindical. Esta é uma condição fundamental para que a intervenção sindical seja eficaz. A globalização é um facto desta nova realidade proporcionada principalmente pelo desenvolvimento tecnológico - científico.
 A comunicação a qualquer momento e em qualquer local possibilita campos inesgotáveis para a actividade humana, seja económica, cultural, desportiva, de entretinimento, politica, entre outras. A mobilidade, de bens, mercadorias e pessoas, recorrendo a todos os tipos de meios de transporte, é cada vez mais acessível e abre oportunidades imensas para o comércio mas também para circulação de pessoas. A integração da China no sistema económico mundial, a partir de finais da década de setenta, com a criação do conceito “economia socialista de mercado”, sob a influência de Deng-Xiau-Ping, e a sua adesão à Organização Mundial do Comércio, em 2001, integrou no sistema económico mundial a grande potência demográfica mundial, impulsionou a própria globalização e levou à deslocalização de uma grande parte da indústria transformadora mundial para a China, que teve (e continua a ter) consequências sérias no Mundo do Trabalho a nível mundial. O campo ideológico-politico reflecte este “Mundo Novo”. Também neste campo se assistiram, nos últimos quarenta anos, a transformações profundas e vertiginosas, que ilustram aquelas que sucedem na Sociedade O ascenso do neoliberalismo nos anos oitenta, com a desregulação dos mercados e das normas de Trabalho, a privatização dos serviços públicos e as profundas modificações nos sistemas fiscais (especialmente a substituição escandalosa de sistemas progressivos por sistemas regressivos), com a eleição, no Reino Unido, de Margaret Thatcher em 1979 e, nos EUA, de Ronald Reagan em 1980; o enfraquecimento do comunismo e a sua consequente incapacidade de atracção popular, que sucedeu nos anos noventa, com a queda do Muro de Berlim, em Novembro de 1989 e a implosão da URSS em 1991; o ressurgimento da extrema-direita, a partir do início de 2000, escondida primeiramente no chamado “nacional-populismo” mas que, paulatinamente, vai expondo as suas ideias fascizantes e captando simpatias nos meios populares com as suas posições extremistas de direita – a eleição, nos EUA de Donald Trump, em 2016 e no Brasil, de Jair Bolsonaro, em 2018, representa o seu expoente.
 Paralelamente, as velhas ideologias politicas, que marcaram politicamente os últimos cento e cinquenta anos (a socialista / social-democrata e a democrata-cristã) sofrem a erosão provocada por estes novos fenómenos societais e o seu apoio popular tem tido um (preocupante) declínio. As consequências sociais destas transformações económicas são brutais. Na Europa e também em Portugal, as taxas de pobreza e a percepção de exclusão social ou de perda de expectativas para o futuro é muito grande, abrangendo significativas percentagens da população, conforme o quadro seguinte:
 ALGUNS INDICADORES ECONÓMICOS E SOCIAIS PORTUGUESES E EUROPEUS (EU-28) NOS ULTIMOS CINCO ANOS 2016 2017 2018:
 Taxa de desemprego (%) - Na U.E.-28 - Em Portugal 8,6 11,2 7,6 9,0 6,8 7,0 % em risco de pobreza (total) - Na U.E.-28 - Em Portugal 23,5 25,1 22,4 23,3 Fonte: Comissão Europeia, Emprego e Desenvolvimento Social, Junho de 2019. 
Ou seja, mais de 1/5 da população europeia e portuguesa estava, em 2017, em risco de pobreza e sabemos que estas percentagens, nos últimos três anos não tiveram reduções significativas. Quanto ao indicador de emprego, sabemos também que, para além da taxa de desemprego, muito do emprego existente era/é precário e/ou mal remunerado. Estes dois indicadores ilustram, na frieza dos números, o aumento das desigualdades nas nossas Sociedades – e, ou se soluciona este grave problema, ou a extrema-direita fascista capitalizará uma grande parte desta frustração social.
Por fim, a realidade actual: a da pandemia COVID, com a qual convivemos nos últimos onze meses, agrava a realidade que sucintamente temos vindo a expor. Se o neoliberalismo incentivou o individualismo e minou o sentido de cooperação e de solidariedade na Sociedade, a pandemia está a atomizar o cidadão / trabalhador e a deslaçar as comunidades. As necessárias medidas sanitárias para a conter (confinamento) e a utilização maciça da digitalização na economia e na função pública (na Europa, estima-se que cerca de 40% dos trabalhadores estiveram em teletrabalho em meados de 2020) cria no cidadão comum um sentimento de atomização perante a realidade que o cerca. Confinado em casa, continuando a exercer a sua actividade profissional à distância, sem interacções sociais no exterior da sua habitação com familiares, colegas e amigos, submergido pelo ambiente geral (de quase-catástrofe) que se vive no espaço publico, o cidadão / trabalhador imerge numa realidade nova.
 Às transformações dos últimos anos junta-se esta nova realidade sanitária, que coloca cada vez mais nos cidadãos e nos trabalhadores um sentimento de questionamento, muitas vezes angustiante, face ao futuro.
 3. As ameaças e oportunidades do sindicalismo actual 
Em Portugal e na Europa. Como é que o sindicalismo responde a esta realidade, aos riscos e oportunidades que este “Mundo Novo” coloca aos trabalhadores? Como é que o sindicalismo enfrenta os inúmeros desafios que, de forma breve, atrás elencámos?
 3.1 – A actual realidade tem que ser abordada de forma holística e transversal. Há matérias que têm solução (porque dependem da decisão dos sindicalistas); que há outras para as quais a solução não passa por si; finalmente, existem outras para as quais ainda não há solução. Há matérias que podem / têm que ser tratadas a nível local (micro), outras a nível nacional / continental (meso) e outras a nível mundial (macro). Há matérias que são da sua competência e responsabilidade; outras, para as quais podem contribuir para a decisão; outras, que somente podem influenciar mas não decidem; e ainda outras que ultrapassam o seu espaço de intervenção e acção e com as quais não têm qualquer relação. Os sindicatos estão e devem continuar a estar concentrados nas questões do Trabalho e estarem (híper) atentos a todas as matérias que, directas ou indirectamente, a montante e a jusante, com ele se relacionam – este deve ser o seu foco, se bem que, como cidadãos activos, os sindicalistas estão sempre atentos a todos os fenómenos da Sociedade.
 Por outras palavras, os sindicatos têm que tratar com eficácia as matérias e as situações que estão integradas na sua esfera de competências mas devem ter consciência que não podem tratar de todas as matérias e situações, pois a maior parte (e a parte estruturalmente relevante!) os ultrapassam, desde a I&D até à geopolítica, passando pela geoestratégia, o comércio internacional, as mudanças climáticas e todas as outras questões de carácter societal – a sua acção pode influenciar as decisões mas tão-somente isso. O movimento sindical é composto por sindicatos e organizações sectoriais e regionais e confederais a nível nacional; confederações e federações sectoriais a nível continental; confederações e federações sectoriais a nível mundial. Em cada um destes níveis, a sua missão continua a ser o Trabalho e, nas variadas relações, interacções e intervenções com outras organizações associativas, empresariais, estatais, da sociedade civil e organismos internacionais, a sua tarefa prioritária é proteger os interesses do Trabalho. 
3.2 - Sobre as ameaças ao sindicalismo. A principal ameaça para os sindicatos é que se tornem irrelevantes para os trabalhadores! Ou seja, que os trabalhadores não os vejam como defensores dos seus interesses, incluindo-se nesta ameaça a importância da comunicação aos trabalhadores da como fazem essa defesa – nestes tempos de comunicação ao instante, se não comunicar bem, perde importância! Esta é a principal ameaça porque somente continuando a ter a representação dos interesses dos trabalhadores e a ter uma representatividade significativa, conseguirão ser o porta-voz desses interesses e ter uma voz que seja escutada com respeito e temor pelos interlocutores, sejam eles quais forem. 
A função de ser porta-voz que é escutado é fundamental para os sindicatos – se perderem este papel, tornar-se-ão irrelevantes e, naturalmente, não fazem falta, desaparecerão! Ou seja, a melhor e única forma de os sindicatos serem relevantes é manterem o papel que é o seu desde a sua constituição – organizar os trabalhadores para, por todas as formas, incluindo os conflitos, defender os interesses dos seus representados. É essencial não perder a noção da História, qual a função social dos sindicatos na Sociedade. Quer dizer, perante a realidade social acima descrita, como sabemos, o protesto e o combate ás iniquidades e à exclusão social e por reivindicações salariais, laborais ou sociais, tem existido e não pára por toda a Europa e, nalguns casos, também em Portugal! Os sindicatos, mais ou menos de “esquerda”, ou estão na primeira linha e o dirigem, estabelecendo objectivos e mobilizando, organizando e dinamizando os trabalhadores ou são ultrapassados, seja por sindicatos corporativos seja por movimentos inorgânicos.
 Temos dois exemplos desta situação – o sindicato das matérias perigosas, há dois anos em Portugal e o movimento inorgânico dos “coletes amarelos” em França também há cerca de dois anos atrás. Se os problemas sociais existem e são incontornáveis e se afirmamos que os sindicatos corporativos e os movimentos inorgânicos não são solução para a sua resolução, então compete aos sindicatos, mais ou menos de “esquerda”, encontrar estratégias e implementar soluções orgânicas para o fazer. Este é o seu dever, esta é a sua esfera de competência por excelência, se não o fizerem eficazmente, erram e, se errarem, não cumprem a sua missão – e abrem espaço para os sindicatos corporativos ou os movimentos inorgânicos ou para a demagogia da extrema – direita fascista! 
Para a generalidade dos trabalhadores, a defesa dos seus interesses começa no seu caso pessoal, recorrendo à acção jurídica, e vai até aos seus incrementos salariais e de direitos laborais (resultado da negociação colectiva do seu instrumento colectivo de trabalho). A consciência sindical básica em que estar sindicalizado significa estar protegido em caso de ataque patronal aos seus direitos e que estar sindicalizado é útil para melhorar a sua condição económica, é fundamental porque expressa, à partida, confiança na acção sindical.
 Esta é a segunda ameaça aos sindicatos – a de os trabalhadores perderem a confiança nos sindicatos e, nestes tempos convulsos, dirigirem essa confiança (e a esperança que lhe é inerente), repetimos, para sindicatos corporativos, movimentos inorgânico ou projectos extremistas que coloquem em causa os valores supremos da Liberdade e da Democracia e também os direitos sociais e laborais – que, actualmente, espreitam da extrema-direita.
 Isto significa que a tarefa de manter viva e elevada a confiança dos trabalhadores nos sindicatos importa primeiramente a estes e aos sindicalistas mas importa também a todos os democratas e progressistas. Para manterem viva a confiança dos trabalhadores, os sindicatos têm que ser a noção clara que a prioridade da sua acção é a resolução dos problemas concretos dos trabalhadores, desde os individuais aos colectivos, e estabelecendo estratégias que alcancem este objectivo, sem perder uma visão societal e ideológica, claro, mas que não pode ser a prioridade da sua acção.
 No âmbito dos sindicatos, essa estratégia passará por: Direcções e dirigentes sindicais empenhados; delegados sindicais mobilizados; serviços administrativos, técnicos e jurídicos eficientes; o recurso á ACT e aos tribunais para fazer valer os direitos existentes; a utilização de todos os novos meios de comunicação ao dispor e que são complementares e não substitui os habituais contactos pessoais e a informação personalizada aos trabalhadores nos locais de trabalho; uma informação atempada, clara, directa e atraente; a realização de espaços de participação dos trabalhadores e a decisão democrática por estes dos assuntos sindicais; um Diálogo Social permanente e uma negociação colectiva constante com as empresas e as suas associações; a celebração de contratos colectivos de trabalho que, no mínimo, não representem retrocesso de direitos; a constituição de plataformas entre todos os sindicatos envolvidos, independentemente da sua filiação confederal, reunindo e potenciando sinergias para se alcançarem os objectivos definidos em comum; e, naturalmente e quando necessário, a organização das várias formas de conflitos laborais (abaixo assinados, protestos, concentrações, manifestações, greves, entre outros) como recurso necessário para construir a relação de forças negocial suficiente para vencer e conquistar ganhos de causa para os trabalhadores.
Este é o nível micro, o dos locais de trabalho, das empresas e dos sectores de actividade em cada País. É neste nível, no nível mais baixo mas mais importante do movimento sindical, que se decidem as duas ameaças acima referidas, a da importância dos sindicatos para os trabalhadores e da confiança que estes possuem nos sindicatos. É neste nível que os sindicatos conquistam e/ou mantém a confiança dos trabalhadores e que estes adquirirem a percepção da relevância dos sindicatos - ou, pelo contrário, ela é perdida, talvez irremediavelmente! Ou seja, a representatividade dos sindicatos, quer dizer, a sua taxa de sindicalização, afere-se neste nível e é nele e perante as empresas que os sindicatos ganham (ou perdem) a representação dos interesses dos seus representados - este é o nível fundamental do movimento sindical, repete-se!
 Devido a esta importância é também neste nível que existem os maiores problemas, muitos deles insolúveis neste momento e outros nem tanto, dependendo da capacidade de iniciativa e concretização dos sindicatos.
 No primeiro caso, inclui-se, por exemplo, o caso das deslocalizações de empresas para a China. Quando uma empresa multinacional decide deslocalizar uma fábrica com 3.000 ou 6.000 ou 9.000 trabalhadores para a China porque nesta os factores de produção e os custos de mão obra são inferiores comparativamente aos que existem na Europa, este é um problema que ultrapassa o sindicato e exige um nível de intervenção politico-sindical – e neste também poderá ser muito difícil soluciona-lo.
 No segundo caso, por exemplo, quando há empresas que fazem campanhas anti-sindicais, com perseguição aos sindicalistas, impedimento de reuniões sindicais com trabalhadores, discriminações aos sindicalizados, recusa de Diálogo Social, boicote de negociações, entre outras acções da mesma natureza, é possível, com total envolvimento e firmeza sindical, recorrendo a todas as formas de combates sindicais, encontrar uma solução positiva. 
 Consoante os resultados destas acções sindicais, o sindicato pode ficar desprestigiado ou prestigiado. No primeiro caso, a frustração dos trabalhadores pode-se voltar contra os sindicatos, mesmo no caso de existir uma informação constante das verdadeiras causas da situação e, em última instância, esse sentimento pode alimentar os movimentos antiglobalização ou mesmo os projectos da extrema-direita nacionalista. No segundo caso, o facto de a empresa ser forçada a aceitar a livre actividade sindical valoriza e prestigia os sindicatos e o sindicalismo.
 Outro importante nível do movimento sindical é o nacional e, em relação directa com este, o continental – este é o nível meso. Os sindicatos nacionais filiam-se nas confederações nacionais que, por sua vez, se podem filiar no nível continental. Em Portugal as duas confederações sindicais, a CGTP-IN e a UGT filam-se, a nível continental, na Confederação Europeia dos Sindicatos / CES. 
As confederações sindicais têm uma intervenção estratégica no seu âmbito geográfico e um dos seus campos de intervenção prioritários é politico-sindical e os seus interlocutores são o poder económico e o poder político, de âmbito nacional ou europeu. Para exercerem eficientemente a sua missão, privilegiam o conhecimento técnico dos dossiers para terem a capacidade de elaborar propostas politico-sindicais.
 É neste nível que as políticas públicas estruturantes de caracter económico, climático ou social são discutidas e negociadas, quer a nível nacional quer a nível europeu. 
 Em Portugal, é o Conselho Permanente de Concertação Social / CPCS que tem essa função; na EU, a discussão faz-se directamente ou com a Comissão Europeia e o Parlamento Europeu ou com a Business Europe. E, neste âmbito de discussão e negociação, muitos e importantes acordos têm sido realizados. Recordamos que, em Portugal, o aumento sustentado do SMN durante a última legislatura, que beneficiou não somente os trabalhadores como teve um impacto positivo na economia, foi acordado no CPCS – mas sem a CGTP-IN ter dado o seu acordo! 
Na EU, por exemplo, a CES celebrou com a Business Europe, em 2002 um importante acordo bilateral sobre o teletrabalho que coloca as principais matérias deste regime laboral e que inspirou a legislação ou a negociação colectiva sobre a matéria e, em Junho.2020, um outro sobre a digitalização, igualmente importante, Uma forte ameaça neste nível de intervenção é que os acordos celebrados (porque têm consequências directas no quadro nacional ou europeu) não representem evolução das condições de trabalho mas, pelo contrário, regressão - o que, a suceder, prejudicará os trabalhadores e, consequentemente, provocará elisão no prestígio dos sindicatos e na percepção positiva que estes têm sobre o sindicalismo. 
Um exemplo desta ameaça é o que se passou (infelizmente) com o acordo assinado em 2012 pela UGT com o Governo de Passos Coelho, em que foram reduzidos importantes direitos laborais, que teve reflexos directos na redução do seu prestígio no seio dos trabalhadores e dessindicalizações nos seus sindicatos. Neste nível há realidades diferentes de intervenção sindical. Enquanto no âmbito de cada País a situação é mais directa e transparente, porque o “chão” económico, social, politico e cultural é comum e conhecido de todos os participantes, no âmbito europeu, a diversidade de países e, consequentemente, de realidades é tão grande que encontrar um “chão” comum é um exercício de muito difícil concretização, quer no campo sindical quer no patronal.
 Por estas razões, acordos de âmbito nacional ou europeu são monitorizados ao milímetro pelos sindicatos e o escrutínio sindical e público é muito atento e rigoroso. Sendo este um nível politico-sindical, como atrás se disse, também é nele que as diferenças ideológicas entre os sindicatos mais se fazem sentir. Porém, a partir do final do século XX, devido á ofensiva do neoliberalismo, ao fim da Guerra-fria e à fundação da Confederação Sindical Internacional - CSI, estas diferenças extinguiram-se no âmbito confederal mundial e europeu, como atrás se disse. Porém, organicamente, no âmbito de cada País, mantiveram-se as confederações e os seus sindicatos, tendo-se, contudo, criado um relacionamento normal entre organizações diferentes, sem a competitividade e a conflitualidade que existia no passado. 
A situação portuguesa é diferente. Não só a competição e a conflitualidade continuam a existir entre a maioria dos sindicatos da CGTP-IN e da UGT como entre as duas confederações não existem relações nem qualquer plataforma comum de intervenção, muito em especial no CPCS, onde se discutem e negoceiam as políticas públicas estruturantes. Em Portugal, esta é um das grandes ameaças para o movimento sindical. A manutenção deste ambiente conflituoso não cria sinergias no movimento sindical português e impede a acumulação de forças para as negociações com o poder económico e com os Governos. 
Como organizações diferentes que são, na sua génese, concepções, estratégias e percursos, é natural que nem sempre estivessem de acordo e, inclusive, se opusessem em algumas matérias. Porém, o que a realidade nos demonstra é que não existem relações ou, no mínimo, discussões entre ambas para tentarem uma qualquer convergência de posições. A continuar esta realidade de costas voltadas, manter-se-á esta ameaça. 
 Esta situação tem três causas: históricas, sindicais e ideológicas
Histórica, porque a UGT foi constituída em confronto com a CGTP-IN. Esta foi fundada em 1970 por sindicalistas de todas as correntes sindicais, com predominância da do PCP, todos imbuídos de fortíssimo espirito anti-fascista e uma clara opção de esquerda, nas suas várias componentes; a UGT, foi fundada em 1978, como reacção aos excessos sectários e radicais do PREC, no quadro internacional da Guerra-fria e fruto de um acordo partidário entre o PS e o PSD (que se mantém até hoje). 
Sindical, porque desde a sua constituição, seja a nível confederal, especialmente no CPCS, seja a nível de vários dos seus sindicatos, a sua prática sindical foi a de celebrar acordos e contratos que, em diversos casos, reduziram direitos laborais. 
Ideológica, porque, como a CGTP-IN é controlada ferreamente pela corrente sindical do PCP e como este partido se auto-considera como o único partido de Esquerda, transporta este conceito para o movimento sindical e, sectariamente, recusa relacionar-se com a UGT para além do estritamente necessário, institucionalmente.
 E esta prática sindical da CGTP-IN, apesar de ser combatida no seu interior por várias correntes sindicais, nomeadamente a socialista, impede as necessárias convergências entre confederações e sindicatos. 
Se não se oblitera a realidade histórica e não se devem esconder as más práticas sindicais, já não se pode aceitar que razões ideológicas impostas por um partido impeçam possíveis (e necessárias) convergências sindicais a todos os níveis que podem beneficiar objectivamente os trabalhadores. Apesar de haver excelentes exemplos da eficácia da convergência sindical a nível de variados sindicatos da CGTP-IN e da UGT, a inexistência da disseminação desta estratégia eficaz por todo o tecido sindical é devido, principalmente, ao sectarismo imposto pela corrente sindical do PCP na CGTP-IN, que afasta a UGT deste processo.
 Assim, até agora, ainda não se conseguiu realizar a necessária convergência sindical de interesses concretos entre as duas confederações e, consequentemente, pela generalidade dos sindicatos, aspiração da generalidade dos trabalhadores para melhor alcançarem os seus objectivos. 
 Esta realidade de costas voltadas é particularmente importante no CPCS, onde se debatem as politicas publicas estruturantes de cariz económico e social, como acima se disse. 
 A concepção da CGTP-IN sobre este importante areópago, o único onde os sindicatos podem influenciar e/ou decidir sobre politicas publicas sociais, é a de que ele é negativo para os interesses dos trabalhadores; a sua estratégia de intervenção segue em linha esta visão. O CPCS foi constituído em 1984. A CGTP-IN, numa primeira fase, recusou nele participar. Depois, a partir de 1987, passou a integrá-lo. 
Nestes trinta e três anos de participação, das dezenas de acordos celebrados no CPCS, a CGTP-IN somente subscreveu dois, sobre a segurança social e sobre a formação profissional. Poder-se-á afirmar que são todos maus para os trabalhadores – tal não é verdade! O facto é que, como a CGTP-IN transmite sempre a ideia em como nunca subscreve qualquer acordo, não cria nos seus interlocutores a percepção em como devem evoluir das suas posições e fazerem um esforço negocial sério para tentarem chegar a acordo com a CGTP-IN. Esta situação não se passa só com governos da Direita. A relação da CGTP-IN com todos os Governos, particularmente com os do Partido Socialista, é sempre tensa e conflituosa. 
A CGTP-IN, nas ocasiões em que o Partido Socialista é governo, não aproveita a oportunidade de celebrar acordos com esses governos para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores e credibilizar o sindicalismo junto aos trabalhadores – foi o caso atrás referido do aumento do SMN na última legislatura, apesar de ter sido globalmente positivo, para os trabalhadores e a economia. No nível superior, internacional, ou seja, macro, os sindicatos, através da Confederação Sindical Internacional / CSI, intervêm nas grandes organizações do sistema internacional, as Nações Unidas e todas as organizações do seu universo.
 Prioritariamente, a Organização Internacional do trabalho / OIT, vocacionada para elaborar as Convenções Internacionais de Trabalho, nas quais são estabelecidas normas internacionais mínimas para a regulação das condições de trabalho e na qual possui um papel relevante devido á sua composição tripartida, mas também junto ao Banco Mundial, OCDE e FMI, onde participam como consultores. Mas é na OIT que os grandes combates se travam aquando se discutem as Convenções – o sentido (mais ou menos) progressivo de cada convenção é fundamental pois, como posteriormente será transporta para o direito dos Estados, beneficiará (mais ou menos) os trabalhadores. Também neste nível, a intervenção sindical tem que ter enorme qualidade politico-sindical e técnica pois os desafios são muitos. 
O principal é o de elaborar convenções progressivas que tenham reflexos positivos nas condições de vida dos trabalhadores à dimensão mundial (valorizando os sindicatos). A ameaça neste nível é a de não se conseguir combater o patronal, que pretende que as convenções sejam o mais inócuas possível. Assim, a acção sindical é altamente exigente porque o que se passa neste nível também tem uma relação directa com os trabalhadores e os sindicatos em cada país.
 3.3 - Sobre as oportunidades do sindicalismo Por fim, quanto às oportunidades actuais que se colocam aos sindicatos, no actual estádio de desenvolvimento humano e social, constatamos que existem mais ameaças do que oportunidades porque a relação de forças, quantitativa e qualitativamente, é desfavorável aos projectos democratas e progressistas, nos quais se integra o sindicalismo.
 Porém, construindo um programa básico, com matérias concretas, claro, mobilizador, que unifique vontades, promova convergências, concretize alianças e projecte esperança, será possível actuar com enormes possibilidades de vitória.
As ameaças que vimos apresentando desafiam os sindicalistas a tomarem medidas para encontrar soluções que as superarem e tentarem uma, duas, vinte, as vezes que forem necessárias, até as encontrarem – mas a desproporções de forças é enorme! Esta afirmação refere-se não somente ao sindicalismo mas a todas as aquisições progressistas sociais, políticas e culturais – societais e a todos os movimentos e partido políticos democratas e progressistas. Neste “Mundo Novo”, o sindicalismo e os sindicalistas, como se integram neste quadro, ombreiam com todos aqueles que partilham as mesmas preocupações e enfrentam os mesmos desafios. 
 Os sindicatos, com o seu acervo histórico, a sua organização, os seus recursos, a sua experiência e, principalmente a sua capacidade de fazer chegar mensagens a centenas de milhares de trabalhadores e de realizar mobilizações de massas por objectivos concretos, estão em melhores condições relativamente a outras organizações para agir – mas a todos se colocam os mesmos desafios – que têm que ser enfrentados e solucionados por todos, em conjunto! 
 Contudo, estamos certos que, por si só, os sindicatos têm espaço e continuam a ser necessários - as desigualdades, as discriminações, as exclusões, a pobreza, as injustiças, exigem a sua acção e o seu contributo decisivo para as combater e vencer.
 Se, porventura, não o fizessem estavam a prejudicar seriamente o caminho do progresso, a renegar a sua função social e a atraiçoar o seu papel histórico – e estariam a cometer o seu suicídio politico! A razão da constituição dos sindicatos há mais de cento e cinquenta anos foi a de contribuir para o progresso dos trabalhadores e da própria Sociedade. 
Cumprindo hoje a sua missão, continuarão a ter futuro – lado a lado com todos os democratas e progressistas que quotidianamente celebram a Liberdade, a Igualdade e a Democracia e promovem a Solidariedade, a Justiça e o Bem-estar Social! 

 Silva, M.'.M.'.

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