Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

8 de janeiro de 2015

Club dos Mak


Já muito se escreveu sobre Francisco de Almeida Grandella e os Makavenkos, mas persiste um estigma sobre ambos, a boémia. 

Não se entenderia que um homem como Grandella tenha tido a ideia e decidido fundar, com um grupo de amigos, um Clube com propósitos boémios, e no qual não era possível discutir política ou religião e ainda por cima bem acompanhados por belas raparigas, boa comida, alguma bebida e muita alegria. Tudo isto só pela boémia?

Apresento-vos o Club dos Mak, uma compilação de textos de autores que, como eu, se apaixonaram por figuras tão distintas da sociedade portuguesa:

Começo por Anabela Natário, jornalista, autora do prefácio do livro Memórias e Receitas Culinárias dos Makavenkos, autora também de grandes reportagens sobre FAG, a sua vida e a sua obra; Francisco de Almeida Grandella, contado pelas suas próprias palavras; maçom, republicano, comerciante, industrial, especialista em "marketing", avalista de revoluções, regimes livres e "bon vivant"; António Lopes, maçom, historiador e professor, diretor da Revista Grémio Lusitano. A complementar, alguns blogues e textos vários que vagueiam livremente pela internet, todos eles no sentido de me transmitirem a sua opinião pessoal.
Como vêm sou o tecelão deste texto, resta-me apresentar-lhes o "pano de arrás" que consegui fazer com as palavras destes autores, e, o agrado que tenho em partilhar convosco o meu interesse sobre os Maçons e a Maçonaria Portuguesa.

Na minha pesquisa pela Biblioteca Nacional, descobri ainda, um exemplar dos Estatutos do Club dos Mak, ao que me parece, os segundos a serem aprovados pela sociedade fundada em 1884, sendo, os que vi, publicados em 1934 num livrinho de pequenas dimensões, arranjo gráfico simples, composto e impresso na Tipografia Sequeira, do Porto.

As primeiras palavras do 1º Artigo dos Estatutos do Club dos Makavenkos são as seguintes:

"A casa dos Makavencos, com o seu lema, Honra, Caridade e Alegria e com a sua divisa: Um por todos e todos por um – cultiva a Arte em todas as suas manifestações e proporciona aos seu associados diversões de carácter não permanente".

Aqui a alegria transparece como a palavra chave do sucesso deste Club dos Makavencos.

Alegria em confraternizar, em conversar em amena 'rapioqueira', alegria em ir construindo mais caminhos, tendo em vista, a fraternidade, e, também a alegria em dar.

"Foi em 1884 que (Grandella) funda a Sociedade dos Macavenkos, com mais doze amigos adoradores de patuscadas…"A divisa escolhida foi a da britânica Ordem da Jarreteira, a comenda da liga azul, "honni soit qui mal y pense" (Envergonhe-se quem nisto vê malícia)… Pelos primeiros estatutos, os sócios não ultrapassavam o número de 13 (regra rapidamente alterada para integrar mais 13 e mais 13… ao longo dos anos, o Club teve mais de 100 sócios…" (1)

"No ano de 1910, na Casa dos Makavenkos, onde a prioridade era dar "largas à alegria e elasticidade à tripa", preparou-se a revolução republicana. Os republicanos e maçons, Francisco de Almeida Grandella, 57 anos, José António Simões Raposo, 35, José Cordeiro Júnior, 40, José de Castro, 42, Machado dos Santos, 35 e Miguel Bombarda de 59, conspiram contra a monarquia, contra D. Manuel II, de 21 anos, no trono há 29 meses." (1)

(Grandella) "agarrou na fortuna e ofereceu-a ao governo provisório da República. Dois ou três dias depois da vitória revolucionária, disse ao ministro dos Estrangeiros que, caso fosse preciso dar como garantia as suas propriedades e os seus armazéns, tudo avaliado em 5.600 contos de réis, isto é, cinco mil e seiscentos milhões de réis,… A revolução de 5 de Outubro, que também ajudara a financiar, fora orçada em setenta contos… Grandella era assim, um homem que faria tudo por Portugal." (1)

"Todos eram iguais perante a sopa, o copo e as makavenkas e nenhum podia namoriscar com a mesma por mais de quinze dias. Findo esse período ela seria declarada "praça aberta" e se ele insistisse, levava o título de "lamechas" e a intimação para pôr fim ao relacionamento em 24 horas". (1)

A origem do nome do Club e as reuniões

Foi Josué dos Santos, amigo de Grandella e cozinheiro (aparentemente, também fora saltimbanco e ilusionista), que "desvendou" a misteriosa origem… «"Makavenkos" era um povo que existia aqui, no nosso país, e províncias vascongadas, vindo do Japão, das Ilhas Curilas, muito antes da civilização grega, antes do desaparecimento da Atlântida, e que tinham uma seita que professava uma espécie de culto pela mulher esbelta, mundana, com quem conviviam e protegiam aproveitando a mesma para fins de utilidade geral». (2)

"Local mítico dos Makavenkos foi o teatro da Rua dos Condes. Surgiu no local de outro teatro, demolido em 1883, vindo a ser inaugurado a 23 de Dezembro de 1888, pela Companhia Sousa Bastos. O proprietário deste teatro, a partir de 1920 cinema com o mesmo nome, era Francisco de Almeida Grandella. Diz-nos Grandella 'que no antigo teatro da Rua dos Condes, existia um grande salão-café, por baixo da sua plateia ao rez do chão. O salão era todo cheio de arabescos, assim como uns gabinetes que possuía nos cantos.' Esta descrição faz-nos pensar que quando Francisco Grandella adquiriu aquele espaço o possa ter mandado preparar para ali reunir o seu grupo, um grupo que se distinguia por passar pelas bilheteiras sem parar, dirigindo-se apressadamente ao seu destino. (3)

"Mas, não fosse Grandella um homem com uma visão extraordinária do futuro e os restantes sócios aventureiros entusiastas, o clube extravasou a cave e internacionalizou-se, quatro anos passados da revolução republicana. Há muito que os Makavenkos desejavam fundar, nas possessões portuguesas em África, uma cidade que começaria "como todas as outras, por uma casa, depois por outra e logo a seguir por muitas". Um dia tornou-se sócio Alfredo Ribeiro da Fonseca, que se preparava para uma missão africana. Erguer uma Makavenkopólis revelou-se a outra missão do "novo Culombo", como cognominaram o militar, por ser "um nome simbólico e sugestivo, composto por duas coisas que a natureza das mesmas pôs em seguida uma à outra". O capitão partiu, levando uma credencial que o habilitava a içar, em nome da sociedade, "a bandeira bicolor (verde e encarnada, está bem visto) no primeiro ponto propício à fundação de uma colónia Makavenkal". (4)

Souberam mais tarde que o nome da sociedade tinha sido dado a uma escola e que "mais de cem rapazes, que mais pareciam Makavenkikos" a frequentavam no distrito da Lunda, no Kuela, "capitania-mor dos bandas e bangalas". (5)

Academia Real dos Camêlos

"Corriam as semanas e às sextas-feiras, dia aziago para outros… mas belo para nós, que desejámos romper com os preconceitos e as superstições, e que representava alem de uma satisfação, um compasso de espera, entre o trabalho sério e estopante e o descanso despreocupado, sem prejuízos para ninguém… era certa a reunião.

Nesse tempo frequentava os Makavenkos, levado pelo braço amigo do nosso Marques de Angeja, o ex-padre Bonança, que às vezes com os seus arrebatamentos e impulsivismos, parecia uma tempestade…

Em sessão particular, combinada com o Presidente, o escrevinhador, o Vaquinhas (Manuel) e o José Thomaz Coelho, resolveu-se desdobrar os Makavenkos.

A casa prestava-se e, por esse motivo passámos a reunir também às terças-feiras. Essas sessões tomariam o nome de Academia Real dos Camêlos e seria seu Presidente o João Bonança.

Aprovada a deliberação, tratou-se de arranjar a sala das sessões, a carater.

Altos panos de Arraz guarneciam as paredes em volta do salão. No lambris, assuntos de caravanas de camelos no deserto, completavam a decoração…

Ao fundo a cadeira presidencial  e a grande banca que servia depois para o jantar.
Era como se vê , magnífica a Academia Real dos Camelos.

No dia combinado deu-se começo à sessão na qual o seu presidente era obrigado a fazer um discurso sobre… camêlos.

Todos nos seus postos aguardavam, noutros tempos, do Nazareno, os seus discípulos…

Falou-se e… diga-se a verdade, agradou. Mostrou os serviços prestados à humanidade e à civilização, pelos camêlos, o que muitos ignoravam… sendo muito aplaudido ao terminar.

Ao jantar que, talvez pelo aperitivo, estava saboroso, os brindes foram para o Presidente que agradecia comovido…". (2)

Imperava sempre a boa disposição

"D. Dulcineia era uma senhora muito anafada, uma espécie de rotunda de si mesmo, mas ainda frescalhota e com fortuna.

Tinha seios muito avantajados e como se decotava. Deixando ver um bocado das costas e pelo peito, parecia, de repente, vista de cima, que trazia o rabo ao colo…

Vista de alto era a ideia que dava…

Era irmã da baronesa de Castrent e dizia-se aparentada com uma família nobre de Espanha, no que tinha um grande filé, por usar o mesmo apelido… que não vem ao caso…

Era assídua frequentadora da Sociedade e um sofrível garfo…

No fim das sessões tinha por costume correr o saco, entregando o produto ao Sarrea Prado, o provedor.

Como era muito bondosa e inteligente, por proposta do Ferreira do Amaral, provocou-se uma reunião especial para ser votada Makavenka efetiva, para o que teria de se baptizar e ouvir ler as máximas Makavenkaes.

O actor Vale fez de padre, o Silva Pereira de sacristão e repetiu-se a mesma cena que já uma vez se tinha levado à prática e da qual se pintou um azulejo que se colocou no sítio onde se encontra ainda.

Vale foi inimitável de graça e o Silva Pereira também desempenhou, regularmente, o papel de sacristão.

Todos riram a bom rir, com o latim macarrónico  do Vale que assim deu entrada, pela porta do baptismo, à D. Dulcineia del Toboso, como ela ficou adoptando nos cartões de visita…

Tinha em casa dois cães aos quais chamava mis cariños e quando um lhe morreu, mandou-lhe colocar na cova um letreiro que dizia; Aqui jaz mi cariño!… Chamavam-lhe por esse motivo a Dulcineia dos cães…

Um dia deu parte de que ia casar e, que o seu noivo lhe fazia escritura antenupcial, legando-lhe a fortuna, que não era pequena. O Tojal amigo das rapaziadas do futuro marido, foi convidado para padrinho, bem como eu.

Aceitámos tão grande como cativante honraria e no dia aprazado lá estávamos para assistirmos a tão auspicioso enlace…

Não sabendo o que se lhe havia de mandar para a corbelha da noiva, optou-se por uma caixa de champanhe, delicioso, e… por um frasquinho de óleo de amêndoas doces… por considerarmos coisa muito necessária
á brincadeira… que não podia ser mais inocente.

Tem D. Dulcineia um jardim na interessante casa que é muito sua e ali se acha sepultado su cariño e plantada por mim, Sarrea Prado e Riba Tâmega, uma linda nogueira, em junho de 1919." (2)
 
Foi assim que viveu o fundador dos Makavenlos, o dono da ideia, foi assim com boa disposição com muito trabalho e engenho que viveu este Maçom, republicano, comerciante, industrial, especialista em marketing, avalista de revoluções, regimes livres e "bon vivant".

Estas poucas linhas contam uma ínfima parte da sua história, outros terão mais talento para continuar a escrever sobre este bom homem e bom Maçom, pois muito me falta para dizer.

"Francisco de Almeida Grandella morreu com 81 anos, em 20 de Setembro de 1934, na sua amada Foz do Arelho, onde erguera um refúgio ainda antes do início do século XX. No ano anterior, o escritor Raul Brandão publicara o terceiro volume das suas memórias e nele recordará o homem autoritário e severo, que só assim conseguiria 'levar a cabo aquela monstruosa loja onde havia de tudo, desde a literatura ao farrapo'. Testemunhando que, nessa altura Grandella 'vivia afastado e solitário, como um príncipe no exílio, num palácio da Foz do Arelho, num palácio amarelo com duas torres, sem fundo nenhum e só aparência, como os panos dos seus grandes armazéns.(1)

Para concluir, uma receita, Lampreia de escabeche

Cinco cebolas pequenas, cinco bocados de cenoura, dois dentes de alho, meia folha de louro, um bocado de canela em pau, pimenta em grão, um molho de salsa e a lampreia às postas, com o competente sangue e vinho branco e tinto em partes iguais, até cobrir o peixe.

Temperar de vinagre e sal e cozer tudo. Logo que a lampreia esteja cozida, tira-se e apura-se o molho em lume brando. Deita-se-lhe farinha ou batata para o engrossar.(2)

Bom apetite!

António Borges M:. M:.
Outubro de 2014

Autores dos textos:
(1) Anabela Natário
(2) Francisco de Almeida Grandella
(3) António Lopes
(4) http://kuentro.blogspot.pt/2013/03/com-o-ze-das-papas-veia-culinaria-de.html
(5) http://myguide.iol.pt/profiles/blogs/cultura-a-sociedade-secreta

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