Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

15 de outubro de 2017

Meus Irmãos e Irmãs nos vossos Graus e Qualidades, depois desta bela Prancha, Disse ...

Transcrito, com a devida vénia, do Blogue «Pierres Vivantes» de Roger Dachez
( A Tradução é da responsabilidade da Comissão Editorial do Blogue Salvador Allende, logo qualquer erro detectado não será atribuído ao Autor)

 Eis, de alguma forma forma, um compêndio de expressões maçónicas bem tipificadas! ...Pelo menos é isso que você pensa. No entanto, não é bem assim: as fórmulas "em seus Graus e Qualidades", "Prancha" e "Disse", têm, cada uma delas, uma origem externa à Maçonaria e não foram introduzidas senão - em França e não noutro lugar, vamos sublinhá-lo novamente - muito tarde e gradualmente desde o final do século XIX, e ainda ...

"Em vossos Graus e Qualidades"
Seria inútil procurar essa expressão em textos ou rituais maçónicos do século XVIII e mesmo no século XIX: não está em nenhum lugar. Mas então, de onde é que vem e o que faz no discurso maçónico ao ponto de, tão frequentemente, se pensar que foram os franco maçons que inventaram esta fórmula protocolar? A fórmula também contém variantes: "graus, dignidades e funções", etc. Sendo tudo isso realmente conhecido e bastante clássico, mas não na Maçonaria: é um lugar-comum da fraseologia administrativa e dos discursos oficiais do serviço público. Na verdade, no serviço público, distinguem-se por graus, qualidades e funções (ou títulos). O grau permite ao seu titular que mantenha um certo número de empregos. Os quadros de emprego dispõem de um ou mais escalões de acordo com o seu estatuto particular. Quando há vários graus, eles são hierárquicos. O grau inclui antiguidade, nível de recrutamento e, acessoriamente, agrupam tipos de pagamento. Também se fala, mais recentemente, de "categoria" ou "classificação". Assim, uma pessoa pode ser um funcionário público de grau A, B ou C, do primeiro ao décimo terceiro escalão, e pode também possuir o cargo de "secretário administrativo da classe normal" ou "chefe do departamento de engenheiro de 1ª categoria". Além disso, pode-se possuir o título de magistrado ou desempenhar a função de médico hospitalar - que inclui vários graus e escalões.

Basta digitar no Google as palavras "graus, qualidades, funções" para ver uma lista impressionante de discursos públicos em que essas fórmulas são usadas pelos responsáveis e directores de serviços quando se dirigem aos interlocutores: a maioria desses oradores, não nos enganemos, não são maçons, e, sem dúvida, alguns deles repreender-vos-ão amargamente por terem suposto tal! Deve-se, de acordo com o ritual protocolar, citar todos os presentes por ordem hierárquica, mas quando não possível mencionar, em detalhe, todos os presentes, diz-se "a todos vós, Senhoras e Senhores, nos vossos graus, qualidades e funções "...
Mais uma vez, a Maçonaria usou o empréstimo! Desta vez, ao protocolo administrativo, o que se compreende facilmente pois conhece-se a influência que os altos funcionários públicos, magistrados e académicos tiveram nas fileiras da Maçonaria, a partir do século XIX. Os hábitos de linguagem foram simplesmente transferidos para o discurso maçónico. De passagem, e isso também explica o marcado comportamento nas "instituições" maçónicas, foi-se mais ou menos inclinado a considerar a maçonaria como um anexo das instituições do Estado e seu organograma como grelha hierárquica: espero que siga o meu raciocínio...

"Uma linda prancha"
Aqui está outra expressão bonita... de uma fonte rigorosamente não-maçónica!
Claro, há uma grande tentação de confundir a "Prancha" lida aos membros da sua Loja, e a "Peça Arquitectónica Traçada", que é um símbolo particular do Mestre. A semelhança das palavras é, no entanto, enganadora aqui. A palavra "Plancher", para descrever o fato de falar sobre um assunto diante de uma audiência, é emprestada da gíria escolar do final do século XIX. Naquela época, os exames orais eram muito mais difundidos, mais solenes e mais temidos do que hoje em dia. Ia-se ao quadro-negro - pois eles eram sempre negros - e, se necessário, usavam-se figuras e diagramas desenhados a giz. No vocabulário dos Liceus e Colégios, o quadro-negro era chamado de "Prancheta". Daí a expressão "pranchar"! Nasceu, sem sombra de dúvida, fora do contexto maçónico. Mas aqui novamente, a sociologia histórica da Maçonaria explica as coisas: ao longo da Terceira República – será menos verdade hoje em dia - muitos professores universitários e professores em geral eram membros das Lojas, ao ponto de, em grande número, ocuparem os cargos de dignitários obedienciais - em concorrência quase exclusiva com médicos e advogados. Assim eles, naturalmente, tendiam a usar e transferir as suas expressões favoritas na vida das Lojas, embora os seus discurso, frequentemente, tivessem pouca relação com a própria maçonaria, aliás, tal como as sua sábias exposições teriam muito pouco a ver com as aulas ou exames que transmitiam aos seus alunos, tornando-se, assim, a transição mais natural...

"Disse! "
Bela maneira, bem machista, de nos fazer sentir que as observações expostas foram medidas, escolhidas e que não há (quase) nada mais a adicionar...

Mas não foi a maçonaria que inventou esta fórmula "lapidária" que surgiu nas Lojas, seguramente, há menos de um século atrás. É a tradução francesa da expressão latina "Dixi" ("eu disse"), uma fórmula conclusiva encontrada em inúmeros discursos latinos. Os oradores romanos significavam assim que sua longa dissertação estava concluída. No século XIX, na literatura francesa, há muitas ocorrências desta expressão, em contextos que, obviamente, não têm nada de maçónico e que, na maioria das vezes, possuem uma conotação vagamente irónica. Assim, por exemplo: "Com Fé, excelentíssimos Jurados, entreguem esse canalha ao executor, pois assim agirão como cidadãos virtuosos, independentes, firmes e esclarecidos. Dixi! - (Eugene Sue, The Mysteries of Paris, 1842-1843). Os professores de letras, os agregados de letras clássicas - ainda havia alguns! – e os latinistas estavam  muito mais difundidos nas Lojas há poucas décadas do que nos nossos dias - e que dizer dos Helenistas! Os Irmãos que possuíam essa cultura acharam apropriado retomar essa antiga fórmula dos grandes oradores clássicos, para concluir os discursos em Loja, cuja elevação sem dúvida nem sempre era a mesma, mas o efeito solene dessas poucas palavras ainda está quase intacto.

Uma palavra para concluir?
Mais uma vez, não vamos limitar o nosso olhar à Maçonaria francesa - uma excepção, de resto brilhante, no mundo, ou à Maçonaria em si: durante todo o século XIX e no início do século XX, havia um carácter muito mais público do que hoje e as grandes mentes, e também os mais altos funcionários do país, participavam nos debates - e não me arrependo de que o último esteja agora quase totalmente deserto – baseados na sua cultura, uma cultura social e mundial, a qual a Maçonaria herdou os seus usos e costumes erigindo, por vezes, em tradições imemoriais.
23 De Novembro de 2014
Roger Dachez

1 comentário:

  1. Curioso, oportuno e esclarecedor texto que sintéticamente, nos esclarece sobre a origem de alguma terminologia comumente utilizada, que a esmagadora maioria desconhece.

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