Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

5 de fevereiro de 2016

Será possível a construção do homem novo?



Esta prancha, muito sintética, pretende reflectir sobre se será possível construir o homem novo tendo por base o ritual de aprendiz e uma prancha anteriormente efectuada sobre os Regimes Políticos, Liberdade, Igualdade e Fraternidade.

Uma das grandes simbologias maçónicas é a construção do templo interior de cada maçon. Mas afinal o que representam estas palavras? Talvez o que está por detrás seja algo em construção que nunca nós saberemos o meio mas sim a sua finalidade.

Socorrendo-me do livro de Norberto Bobbio, Teoria Geral da Política, organizado por Michelangelo Bovero, podemos tentar comparar o seguinte: o ritual de aprendiz leva-nos, falando genericamente, a repensarmo-nos enquanto pessoa, e a prepararmo-nos para algo que gradualmente nos vamos apercebendo noutros graus. Neste contexto, todos nós procuramos a ideologia do novo homem. Ora aqui podemos utilizar a textura fina do Norberto Bobbio sobre a ideologia do novo homem, utilizando dois conceitos: o religioso e o revolucionário.

No primeiro caso porque visa a renovação da sociedade através da renovação do homem. No segundo, pela renovação do homem através da renovação a sociedade. Ou seja, duas formas diferentes de conceber a transformação. Segundo este esquema de pensamento não é o que nós procuramos em loja? Isto é, renovarmo-nos enquanto seres humanos para intervir no mundo profano e simultaneamente renovarmo-nos através da renovação da sociedade. Não será uma questão inextricável?

Se forem comparáveis, o religioso e o revolucionário, ambos experimentam uma insatisfação com tudo o que nos rodeia e talvez ambos creiam, futuramente, num mundo diferente, na qual os homens viverão como irmãos, livres e iguais.

Em suma, podemos inferir que tanto o religioso como o revolucionário têm em comum a aspiração de um novo homem. Mas não é o que a maçonaria em geral procura e que em cada loja se trabalha neste sentido?

É nesta busca incessante do aperfeiçoamento biunívoco que, não pretendendo uma interpretação muito abusiva, podemos interpretar num determinado sentido o princípio ritualístico de que os maços se reúnem em loja para cavar masmorras ao vício, combatendo a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, e elevar templos à Virtude, glorificando a Justiça, a Verdade e a Razão, ou seja, faz-se trabalho em loja no sentido de nos aperfeiçoarmos interiormente, mas que, este trabalho permita igualmente intervir cada vez melhor no mundo profano.

Kant no seu livro “paz Perpétua e outros Opúsculos”, identificou a problemática da passagem do ser humano à maioridade, como algo muito difícil, visto que correspondia ao indivíduo começar a pensar por ele mesmo, sendo que, neste processo, surgiam forças contrárias para que este não o fizesse. Em termos heurísticos podemos cotejar com o que se passa em loja. Nós vimos procurar o aperfeiçoamento interior para aplicar de uma forma frutífera no exterior o nosso labor.

Conforme escreveu Daniel Béresniak no seu livro Judeus e Franco-Maçons – Os Construtores de Templos, o devir é aquilo que os maçons desejam, sendo a “viagem” o que constitui o princípio da iniciação. “Para ver, para saber, para se tornar «melhor e mais esclarecido», para se transformar num «homem livre», ele tem que «talhar a pedra», «ir mais longe», «reunir o que se encontra disperso» ”. Desta forma a enunciação destas fórmulas permitem pôr em evidência a invenção, a criação, o possível, o imprevisível e não a verdade já dita.

O maçon abre-se assim ao desconhecido, tentando escutar, fazer perguntas e propor respostas, de dialogar e partilhar a certeza de que todas as respostas são esclarecedoras e que nenhuma é suficiente. A resposta é o meio que a pergunta inventa a fim de se reproduzir e diversificar. O maçon tem então por função dissolver o pensamento totalitário, assim como, todos os dogmatismos. Desta forma vai-se construindo uma identidade por meio da combinação de vários estados que oscilam entre dois pólos: semelhança e diferença.

Por isso o maçon almeja construir um homem novo, através do seu constante ressuscitar, não se ficando apenas pela repetição mas procurando a transformação e a evolução. A proliferação e diversificação de lojas maçónicas permitem assim aos cada vez mais iniciados encontrar na Ordem Maçónica ensinamentos e instrumentos que num futuro imaginário poderão permitir realizar o sonho messiânico da Fraternidade Universal. Na Loja maçónica, com efeito, todos são irmãos, seja qual for a origem, crença, etc., de cada um.

A maçonaria toma assim em consideração diversas representações “tradicionais” do mundo, apreende-se a si própria como uma sociedade «iniciática» e, assim, propõe aos seus membros a realização de uma «viagem» cujo objectivo é a «metamorfose» do velho homem no «Homem Novo», o Iniciado.

Nesta visão a identidade serve de ponto de apoio para ir mais além, mas deixa de ser referência absoluta, pois tenta-se constantemente que o maçon se ultrapasse a ele mesmo. Pelo menos idealmente, porque na prática as coisas são bem mais complexas. A «ambiguidade» da viagem iniciática torna-se então num contínuo partir, ou seja, de procura e fuga. Podemos neste sentido questionar se o Ensino «iniciático» é sempre claro nesta relação, pois um certo gosto pelo arcaísmo, pela regressão e pelo culto do passado apresentam-se muitas vezes como verdades e promessas de um futuro radioso. Não olvidemos que, por exemplo, no final do século XX podemos observar as aberrações a que conduziram a imagem do «Homem Novo”! Este tema não alimenta apenas a experiência fraternal, mas também mitologias totalitárias.

O ensino e aprendizagem maçónica convidam a uma reflexão sobre todas essas derrapagens, pois nesta estrutura é proposto um método para o indispensável trabalho de introspecção ao qual se deve entregar todo aquele que quer «ir mais além», tendo em consideração os instrumentos propostos pela maçonaria, dos quais cada maçon se serve deles de formas diferentes.

Magalhães Lima, M:.M:. 

(R:. L:. Salvador Allende)

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