Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

8 de junho de 2012

O silêncio do aprendiz em loja


O silêncio nunca traiu ninguém. Esta afirmação atribuída a Pascal, posiciona bem a questão do significado filosófico do silêncio, por dois motivos: O primeiro porque faz do silêncio um instrumento de fraternidade. Se o silêncio nunca traiu seja quem for, guardar silêncio é uma atitude solidária, fraterna, em relação aos outros. Não falar é não trair.
O segundo motivo é bem diferente: Afirma, mas pela negativa, indo assim no próprio sentido profundo do significado filosófico do gesto de silêncio. Observar silêncio, é praticar, ou afirmar uma acção, que é o silêncio pela ausência de outra acção, ou seja,  o silêncio afirma-se pela acção de não falar.
Ao ficar calado, significo aos outros o meu afastamento, ou a minha recusa da prática das palavras, ou seja dou um sinal de ruptura ou pelo menos de conflito na comunicação com eles.
Mas o próprio silêncio é por si só um discurso, e um espaço com dimensões filosófica, e retórica muito fortes e porventura mais marcadas que muitas frases, por mais elaboradas que sejam.
Assim o silêncio não é ausência, mas sim presença, sob uma forma de negação da palavra. Não é um espaço vazio mas sim um espaço pleno. Não é inibição, mas expressão forte e diferenciada.
Na vida profana, a prática do silêncio faz muitas vezes parte de uma reacção forte, e pode ter um cariz marcadamente agressivo. O silêncio agride o outro, afasta-o despreza-o, cria um muro entre quem fala e quem fica calado.
 Contrariamente ao que terá dito Pascal, o silêncio pode trair, o próprio, ou o outro, tal como consagrado na expressão: O seu silêncio diz tudo…. Estamos muito longe do mundo extraordinário do silêncio do Aprendiz.
Quando observa silêncio, o aprendiz entra num universo desconhecido, onde, uma estranha alquimia transforma profundamente o significado profano de todos os elementos citados, para dar lugar a significados diametralmente opostos.
O silêncio profano, turbulento e ruidoso, faz uma viagem, pelo espírito do aprendiz, para se transformar no seu oposto, ou seja, o silêncio maçónico.
Se considerarmos o silêncio profano um veneno, o silêncio maçónico seria o seu antídoto.
Toda a dimensão negativa é trabalhada, positivada, polida, e vai dar lugar a um silêncio rico, acolhedor, protector.
No seu longo percurso de aperfeiçoamento, a primeira etapa do maçom é transformar este silêncio, sinónimo de incompreensão e conflito, num espaço harmonia e bem-estar.
Mais importante ainda é compreender: Entre o silêncio e o grito, tal como entre o preto e o branco do pavé mosaico, as diferenças são só aparência.
Nada existe em pura independência, tudo está ligado, unido pelas semelhanças e pelas diferenças. E, por mais conhecimento que se acumule, nunca se possui absolutamente nada.
Conhecer as leis da física, não significa ser proprietário delas.
Mais que armazenar conhecimento, o aprendiz tem de trabalhar para compreender o mundo e o universo na sua complexidade. Tem de aceitar a existência das suas dúvidas, e as suas incertezas, elas são um espelho, no qual o aprendiz aprende a conhecer o seu novo rosto, e a descobrir a sua nova mente.
O silêncio profano, é sinónimo de conflito, separação,  distanciamento, e até ausência.
O silencio maçónico, é paz, união, fraternidade e presença.
É paz porque separa do profano, ruidoso e caótico.
É união, porque é praticado num gesto ritual, e não há ritual sem união.
É Fraternidade porque é partilhado, por todos os irmãos.
É presença, porque faz parte de um todo: a palavra e a sua ausência.
A presença sem a sua afirmação.
O silêncio maçónico do aprendiz, tem exactamente a mesma importância que a palavra do mestre.
O silêncio do aprendiz em loja, é uma prancha virgem repetida em cada ritual, onde se inscrevem e se apagam as palavras pensadas mas não ditas. Não ditas, seguramente. Mas, obviamente entendidas pelo segundo vigilante, ouvido atento, que tudo ouve e tudo sabe sobre o ruidoso silêncio do aprendiz.
Para mim eterno aprendiz, o silêncio é a maneira mais ruidosa de travar conhecimento consigo próprio.

Viriato M:.M:.
Maio de 2012

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