Autor: Ivan Herrera Michel
Na realidade, a pergunta não pode ser respondida com um simples sim ou um simples não, porque se deve necessáriamente partir do pressuposto de que existe um velho romance entre a Maçonaria e o envolvimento social que remonta às suas origens iluministas. A dificuldade surge quando a palavra “woke” [1] é utilizada de forma pejorativa contra todo o tipo de iniciativas progressistas, gerando uma carga semântica ambígua e um uso polarizado.
Importa ainda referir que, para a Maçonaria, apoiar causas baseadas na procura da igualdade, como o sufrágio universal, a abolição da escravatura, os direitos dos cidadãos e a educação para todos, era o mais “woke” que podia fazer nos séculos XVIII e XIX e, embora esta palavra não fosse utilizada, a essência era a mesma: estar consciente das injustiças e influenciar para mudar as estruturas e os sistemas de poder reaccionários, porque, com toda a honestidade, o progresso nunca foi opcional para uma Ordem que se vangloriava de levar as suas luzes à humanidade, e que também não franzia o sobrolho quando se tratava de falar de direitos.
No entanto, também é verdade que a Maçonaria tem o seu lado conservador e anti ‘woke’, que não está apenas na sua estética, mas também na sua resistência à mudança estrutural. As nossas cerimónias, as nossas estruturas administrativas de poder, os nossos símbolos e o uso obrigatório de aventais podem parecer algo arcaicos para aqueles que não compreendem o seu significado mais profundo, mas somos uma Ordem com três séculos de existência, e essa mistura de tradição e modernidade constitui, de certa forma, uma dupla essência.
Em algumas obediências, de todos os lados, por exemplo, os debates sobre a iniciação das mulheres, dos homossexuais e dos transexuais, o reconhecimento maçónico dos casamentos igualitários ou o apoio aos direitos LGBTIQ+, têm sido tudo menos calmos. A este respeito, é sabido que a Grande Loja Unida de Inglaterra, reputada como a guardiã mundial do masculinismo supremacista, não só inicia pessoas transexuais vestidas de mulher, como também participa activamente nas marchas do Orgulho Gay e apoia as suas reivindicações através da sua página na Internet e das suas publicações oficiais. É, portanto, legítimo interrogarmo-nos sobre o paradoxo de a Maçonaria ter sido progressista no passado, mas ter hoje sectores que rejeitam o progressismo contemporâneo, ou se só é progressista quando a mudança foi validada pela história, ou se, pelo contrário, o progressismo continua a ser um motor interno.
No entanto, separando a arte do artista, se entendermos por “woke” o estar “desperto” e “consciente” das injustiças e, consequentemente, agir para as corrigir, não haverá grande dificuldade em admitir a proximidade do seu conceito e ideologia com a história e o texto dos rituais de que os maçons se orgulham, sobretudo os que têm a ver com princípios seculares da Ordem, como os da Liberdade, da Ígualdade e da Descolonização do pensamento. Seria, portanto, falso negar que a Maçonaria tem, historicamente, bandeiras igualitárias e inclusivas que coincidem com as que hoje conhecemos como “woke”.
No entanto, ser Maçom não significa surfar todas as modas ou ser membro de uma associação activista. A Maçonaria implica uma atitude pró-activa nas lutas sociais, bem como um espaço de reflexão. A sua força sempre esteve na reflexão lenta, no diálogo fraterno e no empenhamento pessoal, sem se permitir fingir que não vê o que se passa fora das suas Lojas. A Maçonaria não se constrói no vazio, nem é uma bolha. É parte integrante do mundo em que vivemos e ao qual está vinculada.
Dito isto, talvez a questão não seja se a Maçonaria é “woke”, mas se estamos a ser fiéis aos nossos princípios orientadores e ao mandato fundador de unir o que está disperso. A questão não é se a Maçonaria é ‘woke’, mas se a preferimos sem risco, sem debate, sem consequências, e portanto sem colaborar na construção do Grande Templo da Humanidade.
Li um dia que “Maçonaria não é viver sobre os louros do passado, mas construir o futuro com as ferramentas de hoje”. Ser Maçom é agir com consciência, empatia e, sobretudo, com um compromisso activo, longe da elegância discursiva incolor de se afirmar progressista, mas sem exageros, conservador, mas apenas em decorações, liberal, mas não em tudo, e activista, mas não em demasia.
Um olhar sobre a cena internacional mostra que, em algumas Obediências, as discussões sobre direitos e igualdade não são diálogos fraternos a partir das Colunas, mas batalhas ferozes a partir das trincheiras. O maior perigo para uma Obediência não é a modernidade, mas a sua incapacidade de definir se quer ser um farol de pensamento, um museu de tradições ou um grupo de bons amigos.
Neste sentido, a Maçonaria não é, nem deve ser, escrava dos costumes em voga, mas também não se pode dar ao luxo de ser insensível à correcção das injustiças herdadas e à luta contra as injustiças do seu tempo. Um posicionamento pessoal e colectivo que continua a ser um cinzel e um martelo para trabalhar a pedra bruta do presente.
E que, no fim de contas, será sempre intemporal e estará para além de qualquer rótulo que o possa exaltar ou agravar, embora, se utilizarmos a palavra ‘woke’ no seu sentido original (aware, em Inglês, e consciente, em Português) face às injustiças sociais, a história da Maçonaria tenha bastantes elementos que se enquadram nesta definição.
Assim, quando se pergunta se a Maçonaria é “woke”, a resposta cai pelo seu próprio peso: a Maçonaria é a encarnação histórica do espírito de liberdade e igualdade procurado na era do ‘woke’. Estes valores constituem uma forte pulsação no coração de uma instituição que procura guiar a humanidade para um futuro mais desperto e consciente.
E isso, para todos os efeitos, é ‘woke’ no sentido exacto do termo, quer gostemos ou não da palavra.
Ivan Herrera Michel
Fonte
• Blog "Pido la Palabra" (seleção e tradução livre, a partir do original, por Salvador Allen:. M:.M:. / Blog «Comp&Esq» / Blog «R:.L:. Salvador Allende» - GOL:. , Lisboa)
Com a devida vénia e autorização do Blog «Comp&Esq» («Compasso e Esquadro»), com quem firmamos uma parceria activa e fraterna, tomamos a liberdade de publicar este interessante trabalho, para apreciação dos IIrs da NRL:. e dos nossos leitores
Notas
[1] Woke (pronúncia inglesa: [‘wouk]), como termo político de origem afro-americana, refere-se a uma tomada de consciência e sensibilização para questões relacionadas com a justiça social e racial. O termo deriva da expressão vernácula do inglês afro-americano “stay woke”, cujo aspecto gramatical se refere a uma consciencialização contínua destas questões.
No final da década de 2010, ‘woke’ foi adoptado como um termo de calão mais genérico, amplamente associado a políticas de identidade, causas socialmente liberais, feminismo, activismo LGBT, cultura afro-americana e questões culturais (sendo também utilizados os termos woke culture e woke politics). Tem sido objecto de memes, uso irónico e críticas. A sua utilização generalizada desde 2014 é o resultado do movimento Black Lives Matter. (Fonte: Wikipedia)
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