Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

11 de maio de 2018

O Ritual do Grau de Aprendiz e a Questão Vertente da Possibilidade da Construção do Homem Novo


Esta prancha, pretende refletir e tentar sistematizar, um pouco mais, sobre se será possível construir o homem novo tendo por base o ritual de aprendiz e a filosofia que preside à N:. A:. O:.
Contextualizando, conforme refletia numa anterior prancha de arquitetura uma questão levantada era a de que uma das grandes simbologias maçónicas era a construção do templo interior de cada maçon. E questionava: Mas afinal o que representam estas palavras? E escrevia que talvez o que está por detrás seja algo em construção que nunca nós saberemos o meio mas sim a sua finalidade.
Aquando da feitura da anterior prancha socorri-me do livro de Norberto Bobbio, Teoria Geral da Política, organizado por Michelangelo Bovero, na qual se tentava refletir sobre o seguinte: o ritual de aprendiz leva-nos, falando genericamente, a repensarmo-nos enquanto pessoa, e a prepararmo-nos para algo que gradualmente nos vamos apercebendo noutros graus. Neste contexto, todos nós procuraríamos a ideologia do novo homem. Ora utilizando conceitos do Norberto Bobbio sobre a ideologia do novo homem, utilizei dois conceitos por este autor enumerados: o religioso e o revolucionário.
No primeiro caso porque visa a renovação da sociedade através da renovação do homem. No segundo, pela renovação do homem através da renovação a sociedade. Ou seja, duas formas diferentes de conceber a transformação. Segundo este esquema de pensamento interrogava ainda se não era o que nós procuramos em loja? Isto é, renovarmo-nos enquanto seres humanos para intervir no mundo profano e simultaneamente renovarmo-nos através da renovação da sociedade. Colocava ainda a interrogação se esta não seria uma questão inextricável?
Assim, se forem comparáveis, o religioso e o revolucionário, ambos experimentavam uma insatisfação com tudo o que nos rodeia e talvez ambos creiam, futuramente, num mundo diferente, na qual os homens viverão como irmãos, livres e iguais.
Em suma, poderíamos inferir que tanto o religioso como o revolucionário têm em comum a aspiração de um novo homem. E interrogava ainda: Mas não é o que a maçonaria em geral procura e que em cada loja se trabalha neste sentido?
Ora, tentando dar uma resposta opinava que é nesta busca incessante do aperfeiçoamento biunívoco que, não pretendendo uma interpretação muito abusiva, podíamos interpretar num determinado sentido o princípio ritualístico de que os maços se reúnem em loja para cavar masmorras ao vício, combatendo a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, e elevar templos à Virtude, glorificando a Justiça, a Verdade e a Razão, ou seja, faz-se trabalho em loja no sentido de nos aperfeiçoarmos interiormente, mas que, este trabalho permita igualmente intervir cada vez melhor no mundo profano.

Também me referia ao filósofo Kant no seu livro “Paz Perpétua e outros Opúsculos”, que identificou a problemática da passagem do ser humano à maioridade, como algo muito difícil, visto que correspondia ao indivíduo começar a pensar por ele mesmo, sendo que, neste processo, surgiam forças contrárias para que este não o fizesse. Em termos heurísticos podíamos cotejar com o que se passa em loja. Nós vimos procurar o aperfeiçoamento interior para aplicar de uma forma frutífera no exterior o nosso labor.
Conforme escreveu Daniel Béresniak no seu livro Judeus e Franco-Maçons – Os Construtores de Templos, o devir é aquilo que os maçons desejam, sendo a “viagem” o que constitui o princípio da iniciação. “Para ver, para saber, para se tornar «melhor e mais esclarecido», para se transformar num «homem livre», ele tem que «talhar a pedra», «ir mais longe», «reunir o que se encontra disperso»”. Desta forma a enunciação destas fórmulas julgámos que permitia pôr em evidência a invenção, a criação, o possível, o imprevisível e não a verdade já dita.
O maçon, segundo esta ideia, abre-se assim ao desconhecido, tentando escutar, fazer perguntas e propor respostas, de dialogar e partilhar a certeza de que todas as respostas são esclarecedoras e que nenhuma é suficiente. A resposta é o meio que a pergunta inventa a fim de se reproduzir e diversificar. O maçon tem então por função dissolver o pensamento totalitário, assim como, todos os dogmatismos. Desta forma vai-se construindo uma identidade por meio da combinação de vários estados que oscilam entre dois pólos: semelhança e diferença.
Por isso o maçon almeja construir um homem novo, através do seu constante ressuscitar, não se ficando apenas pela repetição mas procurando a transformação e a evolução. A proliferação e diversificação de lojas maçónicas permitem assim aos cada vez mais iniciados encontrar na Ordem Maçónica ensinamentos e instrumentos que num futuro imaginário poderão permitir realizar o sonho messiânico da Fraternidade Universal. Na Loja maçónica, com efeito, todos são irmãos, seja qual for a origem, crença, etc., de cada um.
A maçonaria toma assim em consideração diversas representações “tradicionais” do mundo, apreende-se a si própria como uma sociedade «iniciática» e, assim, propõe aos seus membros a realização de uma «viagem» cujo objetivo é a «metamorfose» do velho homem no «Homem Novo», o Iniciado.
Nesta visão a identidade serve de ponto de apoio para ir mais além, mas deixa de ser referência absoluta, pois tenta-se constantemente que o maçon se ultrapasse a ele mesmo. Pelo menos idealmente, porque na prática as coisas são bem mais complexas. A «ambiguidade» da viagem iniciática torna-se então num contínuo partir, ou seja, de procura e fuga. Podemos neste sentido questionar se o Ensino «iniciático» é sempre claro nesta relação, pois um certo gosto pelo arcaísmo, pela regressão e pelo culto do passado apresentam-se muitas vezes como verdades e promessas de um futuro radioso. Não olvidemos que, por exemplo, no final do século XX podemos observar as aberrações a que conduziram a imagem do «Homem Novo”! Este tema não alimenta apenas a experiência fraternal, mas também mitologias totalitárias.
O ensino e aprendizagem maçónica convida então a uma reflexão sobre todas essas derrapagens, pois nesta estrutura é proposto um método para o indispensável trabalho de introspeção ao qual se deve entregar todo aquele que quer «ir mais além», tendo em consideração os instrumentos propostos pela maçonaria, dos quais cada maçon se serve deles de formas diferentes.
Ora, com base no que anteriormente foi escrito, pensamos não ser descontextualizado falar da importância da Cadeia de União nos nossos trabalhos em L:.
Se lermos os escritos como a “História e Simbolismo da Cadeia de União”, o pequeno dicionário para o uso do aprendiz, define a Cadeia de União como o símbolo da união de F:. M:. fraterna.: Ela se forma na sessão de encerramento. Esta cadeia poderosa de fraternidade que une os companheiros construtores da Idade Média explica como os monumentos construídos na Europa são de grande similaridade. Muitos construtores haviam adquirido o seu conhecimento na mesma escola, a Universidade de Córdoba, onde Muçulmanos trouxeram suas riquezas culturais em áreas tão diversas como a literatura, poesia, ciências e arquitetura. Eles observaram as mesmas leis da arquitetura e geometria. Eles dirigiram o seu trabalho e construção em princípios e tradições esotéricas. Com a cadeia de união fraterna, pedreiros espalhados por toda a Europa foram partilhando os seus conhecimentos. Eles passaram a sua arte e essas melhorias, foram integradas com a técnica de toda a corporação. Este exemplo de partilha de Maçons Operativos da Idade Média permitiu a construção de edifícios que admiramos.

Juntos construíram um trabalho comum sobre o tema da construção do ideal da humanidade.
Um simbolismo complexo e rico que igualmente está ligado à Cadeia de União inclui também os nós da corda. Com a corda atada, os pedreiros operativos incluem a utilização de cadeia da corda amarrada quando se trata de desenhar os planos de um edifício sagrado, pois em operações de pesquisa, a medição é feita por meio de uma corda amarrada que fornece as medições.
Pitágoras, segundo algumas opiniões, foi o primeiro a estabelecer a demonstração. O triângulo de Pitágoras, envolvendo números sucessivos de três, quatro e cinco é carregado de um grande simbolismo. É o único triângulo retângulo onde os lados são expressos por inteiros. Nas margens do Nilo, dois mil anos antes de Cristo, reza a lenda que os egípcios utilizavam uma corda de aritmética de 12 unidades para desenhar ângulos retos. Os egípcios eram grandes fabricantes de cordas para a qual atribuíam grande valor. Uma bobina de corda trançada foi um dos tesouros encontrados no túmulo de Tutancamon. Hoje os nós continuam presente no nosso templo. Segundo alguns versados, revela que os nós são colocados no norte, leste e sul. Parece seguir o movimento em colocar casas e se concentrar em áreas-chave cardinal no simbolismo iniciático.
• O Norte: Campo de gestação;
• O Oriente: área de criação e consagração;
• O Meio-Dia: Área dedicada ao compromisso no mundo, a respeitar as suas obrigações, a ordem, os seus irmãos e para com os homens;
Apenas na região Oeste não há nenhuma corda, sem nós, porque é entendido que o Ocidente está ligado ao desaparecimento da luz.
Ao novo Irm:., intuitivamente, ao descobrir este ritual, pretende-se que receba a revelação de uma mensagem universal de fraternidade transmitida pelos Irmãos. Fraternidade implica compartilhar noções de lealdade, fidelidade e amor entre os seres humanos, entre membros de uma sociedade particular como a nossa. A fraternidade não é necessariamente inata, mas a estrutura maçónica suporta o desenvolvimento fraterno e, portanto, adequado para desenvolvimento de qualidades como o amor, o perdão, a lealdade, a tolerância.
Se o círculo da união pode ser considerado um símbolo de perfeição nos campos simbólico e de espiritualidade antiga, ele é muitas vezes representado como uma cobra que morde a cauda. O círculo define um espaço mágico, por isso ele é fechado, portanto, também um símbolo de proteção. A cadeia, formada de anéis, que hipoteticamente podem pensar-se ter o mesmo valor, tomados separadamente são desnecessários, de modo que unidos se tornam uma cadeia.
Como tal, logo que se termina os trabalhos e se prepara o seu encerramento no templo é então hora para formar a cadeia de união que, pensamos ser, uma comunhão da espiritualidade, comunhão que trabalhada permite levantar os espíritos em direção ao ideal da nossa Aug:. Ord:..
Neste ponto ritualístico é-se sensível ao poder emocional e energia libertada por esta altura na comunhão comum para a glória do amor fraterno e da fraternidade universal. Ela envolve, pensamos ser, para proteger e formar uma parede em torno dos nossos símbolos para a defesa contra as agressões externas.
Em suma, podemos colocar duas situações: A primeira é a força da cadeia da União. A segunda diz respeito à possibilidade de utilizar essa força ao seu trabalho interno e, por extensão, no mundo secular. As mãos e as mãos dos irmãos a abalar nossos seres físicos têm de ser sentidos. Esta energia cria uma espécie de toque fluido que se espelha na cadeia. É uma partilha recebida pela mão esquerda e deu com a mão direita para a transmissão de energia e, portanto, nos fortalece.
Esta corrente nos aquece, nos consola, nos acalma, como as mãos que abençoam, construir ou curar. Este fluido que circula, que nos suga, é Amor. Este amor, esta enorme compaixão, que vibra universalmente em todos nós, nos liga a todos os IIrm:., na superfície da terra, mas também, não esqueçamos nunca, com os nossos irmãos que passaram ao Grande Oriente Eterno. Este Amor que se torna mais denso por este ritual e fusão coletiva que nos leva à procura da Luz. Luz que revelada na nossa iniciação, não é adquirida, mas ilumina no caminho do conhecimento, e o gesto ritual da Cadeia de União nos dá a força para trabalhar a nossa pedra bruta.
Como tal, MM:. QQ:. IIrm:., exorto à expansão da nossa Cadeia de União para o mundo profano. Mas sem nunca esquecermos que primeiro a temos de a sentir, compreender e aplicar internamente.
Não esqueçamos. O Recipiendário transporta a sua própria luz, mesmo que não a distinga de forma perfeita, situação simbolizada pela venda que lhe cobre os olhos. O candelabro relembra que o Recipiendário detém uma centelha da verdadeira luz da qual é o guardião. Esta luz ilumina uma passagem específica do Antigo Testamento, a primeira página do Livro dos Reis que entroniza Salomão como edificador do templo dedicado ao eterno.
A corda é uma ligação que obstrui ou une consoante o caso. A corda pode-nos fazer prisioneiro e tornar difícil a progressão no caminho que temos de explorar. O símbolo do nó é importante, esse nó vital que reforça a ligação num ponto de concentração, o ponto de passagem das forças vitais. O nó corresponde à passagem da porta estreita. No evangelho de Mateus é dito: entrai pela porta estreita! Pois quanto mais larga for a porta, mais fácil é o caminho que leva à perdição. A corda é constituída por dois filamentos entrelaçados em espiral; quanto maior o entrelaçamento mais resistente será a corda. Com esta corda negra e branca encontramos a ambivalência e a dualidade do pavimento em mosaico com os seus aspetos positivos e negativos consoante o plano em que nos encontramos, mas desta vez o preto e o branco não são opostos mas entrelaçados, demonstrando a complexidade da relatividade do positivo e do negativo.

Em jeito de conclusão podemo-nos uma vez mais socorrer de um nosso ex Past Grão Mestre do GOL, o Irm:. António Arnaut, no seu livro, Introdução à Maçonaria, na qual refere que a Maçonaria significa a construção. E porquê? Porque “O maçon constrói o seu futuro tornando-se um homem melhor. A Maçonaria constrói o futuro da Humanidade, tornando-a mais justa e perfeita”.
E sobre a pergunta que formula e a resposta que nos dá acrescenta que a Maçonaria, sendo, uma “Ordem iniciática e ritualista, universal e fraterna, filosófica e progressista, baseada no livre-pensamento e na tolerância, que tem por objetivo o desenvolvimento espiritual do homem com vista à edificação de uma sociedade mais livre, justa e igualitária”, e, na senda desta prancha de arquitetura refere é filosófica “porque, ultrapassada a fase operativa (corporações de arquitetos e construtores medievais), transformou-se, a partir dos alvores do século XVIII, numa associação de caráter especulativo, procurando responder às mais profundas interrogações do homem. Conserva, contudo, o vocabulário, os utensílios e a simbologia dos construtores dos templos. Afinal, o fim último da Maçonaria é (…), a construção de um homem novo e de uma sociedade nova.

Magalhães Lima, M:. M :.  

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