Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

28 de fevereiro de 2023

AS VIAGENS NA INICIAÇÃO DO COMPANHEIRO UMA INTERPRETAÇÃO

 

AS VIAGENS NA INICIAÇÃO DO COMPANHEIRO

UMA INTERPRETAÇÃO

NOTA PRÉVIA- ...Editado pela comissão Editorial do Blogue...

O acesso ao segundo grau surge na sequência da aprendizagem durante o primeiro grau simbólico das Lojas Azuis, considerando que cada grau maçónico corresponde a um novo degrau na compreensão da doutrina da NAO. 

Após o período de aprendizagem, no centro do Templo, o obreiro recebe ritualmente o segundo dos três graus simbólicos, cumprindo Cinco Viagens iniciáticas. O número Cinco das viagens tem significado, porque cinco é o número do companheiro. Para compreender o significado da cerimónia vivida, mas até então desconhecida, o obreiro necessita de conhecer algum conteúdo do grau, com a profundidade possível, sabendo que a aprendizagem não acaba com a obtenção do grau, mas, pelo contrário, é permanente ao longo da vida do obreiro. Ao passar da Coluna Norte para a Coluna Sul, agora na qualidade de Companheiro, já conhece as regras da construção, numa progressão em que o obreiro se faz por si próprio, procurando construir o seu Templo Interior. Esta construção não se aprende como uma lição numa aula, que depois se repete. Aprende-se progressivamente. Mas o que consideramos o Templo Interior? A Maçonaria adopta o Templo de Salomão como referência, sendo o símbolo da permanente construção maçónica, visando mais e melhor humanidade, através da preparação moral e intelectual. Mais esclarecido, procurando encontrar o seu EU mais profundo e a resposta à pergunta “O que somos?” o Companheiro procura, por introspecção, identificar as suas imperfeições, que procura corrigir, construindo o seu Templo Interior pelo seu aperfeiçoamento. A Subida de Salário orienta o obreiro a pensar de forma autónoma na procura da Luz ou seja, do Conhecimento. 

Mas qual é o valor e o significado deste grau e das Viagens Simbólicas que lhe estão ligadas ? A cerimónia de elevação no Segundo Grau não existia nas corporações medievais operativas, como as Guildas e Compagnonnage. Após o período de aprendizagem o Companheiro era considerado um Obreiro feito. Temos que considerar que o grau de Companheiro na actual maçonaria especulativa tem um posicionamento diferente do que tinha na maçonaria operativa em que não existia o grau de mestre, que era uma designação honorífica. Na actualidade o segundo grau das Lojas Especulativas Azuis está intercalado entre dois graus com grande riqueza ritualística, o grau de Aprendiz e o grau de Mestre Maçon. Enquanto a Iniciação do Aprendiz e a Exaltação do Mestre têm uma expressão constante na grande maioria dos ritos, o segundo grau tem uma expressão variável de acordo com os ritos. Ou até dentro do mesmo rito, como é o caso das várias versões do Painel do Grau de Companheiro (Painel Misto, Painel Alegórico, Painel da Loja de Companheiro ou o Painel Simbólico do 2º Grau, adoptado na nossa Loja). Ou a diferente descrição dos instrumentos e trajecto da Quinta Viagem. Também a cerimónia de acesso ao Segundo Grau assume designações diferentes nas várias referências bibliográficas consultadas. Enquanto a maioria a designa correctamente como cerimónia de Aumento de Salário, noutras é designada Iniciação ou ainda Elevação, que são designações específicas de outros graus. Estes factos demonstram que o Segundo Grau passou por valorizações diferentes, chegando a ser considerado um vazio, ou uma fragilidade iniciática, com flutuações que ora o enriquecem ora o desvalorizam. Estas variações iniciaram-se nos tempos remotos. Pelo contrário, na época actual considera-se que é o grau que exalta o apelo do obreiro ao trabalho, utilizando as ferramentas rituais que lhe são entregues para o acompanhar nas Viagens da cerimónia de Aumento de Salário. 


Pondo ênfase no número Cinco, agora com Cinco anos de vida, o Companheiro começa a marcar a idade quando à entrada no Templo troca os três passos rituais de aprendiz pelos Cinco passos de companheiro. E quando adopta a nova saudação ao Venerável Mestre e aos dois Vigilantes. Ao entrar no Templo organizado para o trabalho em Segundo Grau, observa pela primeira vez o Painel de Companheiro, neste caso na versão de Painel Simbólico de 2º Grau do REAA. Interessa citar o Painel, porque é em torno dele que se vão desenvolver as Cinco Viagens. O novo Companheiro apercebe-se da inclusão no Painel de novos símbolos, quando comparado com o já conhecido Painel de Primeiro Grau. Assim, observa que os degraus de entrada passam a Cinco, ou seja, a sua idade. Também a corda de nós passa a ter três. A coluna J é encabeçada por uma esfera celeste e a coluna B é encabeçada por uma esfera terrestre. O esquadro e o compasso passam a estar entrelaçados, com a ponta direita do compasso sobre o esquadro. Surgem as sete estrelas, a prancha de traçar, a trolha, a régua, a alavanca, a espada e dois símbolos do Segundo Grau: a Estrela Flamejante e a letra G. 

Mas antes de iniciar as viagens também observa algumas alterações na decoração do Templo para Segundo Grau, preparado para as Viagens que vai iniciar. O Triângulo Luminoso é substituído pela Estrela Flamejante de Cinco pontas com a letra G no centro. Numa mesa próximo do Primeiro Vigilante estão colocados os instrumentos que vão acompanhar as Cinco Viagens; -Maço e Cinzel, Esquadro e Compasso, Régua e Alavanca, Nível, Trolha. No Ocidente, na parede do Templo são colocados Cinco Cartões para as viagens. Os primeiro e segundo Cartões estão colocados no lado Norte (o primeiro junto ao Oriente e o segundo na proximidade do Primeiro Vigilante), enquanto os terceiro, quarto e quinto cartões estão colocados no lado Sul, entre o Ocidente e o Oriente (o terceiro junto ao 2º Vig:., o quarto a meia distância e o quinto junto à balustrada do Oriente). 

Feito este enquadramento, como integramos nele o significado das Cinco Viagens Simbólicas, as quais, como se disse, não existiam nas corporações medievais operativas? Como se refere atrás, após a aprendizagem o obreiro era considerado preparado, sendo um Companheiro ao qual se podia confiar uma obra. Considerado como tal, era incentivado a viajar para praticar a sua arte e aperfeiçoar-se na mesma. Incluindo nas viagens o contacto com outras oficinas. Poderemos considerar que as viagens rituais na cerimónia de subida de salário correspondem a essas viagens que o novo Companheiro da maçonaria operativa empreendia com o objectivo de aperfeiçoamento? 

Owald Wirth, refere que : “Para ser admitido à aprendizagem é necessário mostrar aptidões, para passar a Companheiro é necessário, adicionalmente, ter efectuado prova de aplicação, de zelo e de ardor no trabalho, … com o objectivo de se dominar e conhecer interiormente”.

A progressão na vida maçónica é, desde a Iniciação, marcada pela realização de viagens simbólicas, que marcam o iniciar de um novo caminho, na procura da LUZ, incluindo a visita a outras lojas, para troca de conhecimentos. Na Iniciação do Aprendiz são cumpridas três viagens. No Aumento de Salário de Companheiro, são Cinco as viagens simbólicas, que representam o iniciar de um novo caminho. O percurso das viagens respeita o trajecto diário do Sol, partindo do Ocidente para o Oriente, passa pelo Norte e regressa do oriente ao ocidente, passando pelo Meio Dia. As primeiras duas dirigem-se de Sul para Norte, sendo que a última é até ao 1º Vig:. enquanto da terceira à quinta se dirigem no sentido dextrocêntrico, sendo a  última até junto do segundo vigilante. 


PRIMEIRA VIAGEM – Representa o primeiro ano de Companheiro, durante o qual deverá aprender a qualidade dos materiais e a maneira de os preparar. Inicia-se pelo Sul e para junto do primeiro quadro, com a enumeração dos cinco sentidos, que são um componente fundamental desta Viagem.  Nesta viagem deve transportar o Cinzel e também o Maço, para desbastar a pedra. O primeiro simboliza o refinar do carácter, a educação e o aperfeiçoamento do discernimento especulativo (que representa a vontade do obreiro na execução da tarefa, a qual consiste em dar à pedra a elegância de forma e a perfeição de superfície, simbolizando o aperfeiçoamento da personalidade profana). Esta beleza só será conseguida conjugando a inteligência na concepção (Cinzel) com a força na execução (Maço). Simboliza a produção de ideias e o desenvolvimento das faculdades intelectuais e morais, aliado ao esforço do auto-conhecimento. Para esse objectivo o obreiro recorre aos cinco sentidos, com os quais adquire o conhecimento do mundo exterior e gera os pensamentos, enquanto utiliza o Cinzel e o Maço. 

SEGUNDA VIAGEM – A segunda viagem relaciona-se com o segundo ano do trabalho e está centrada nas artes. Nesta viagem o novo Companheiro leva consigo  o Esquadro, que simboliza a exaltação da retidão e serve para verificar se os materiais estão em esquadria e o Compasso como símbolo da exactidão e domínio do espírito sobre a matéria. Simbolizam em maçonaria a Justiça e a Verdade. A Viagem termina junto do segundo quadro, cuja inscrição com a referência às artes e sua importância social o novo companheiro deve ler. Considera-se que as artes são um importante meio de desenvolvimento e educação, quer do indivíduo, quer das sociedades. Pelo estudo das artes estuda-se a humanidade, que deixou a sua marca ao longo dos tempos com obras de arte. Seja através da arquitectura, da música, da pintura, da escultura, da engenharia ou da medicina, as artes contribuíram para melhorar as condições de vida da humanidade. Em particular a arquitectura, considerada a mais nobre das artes manuais e que simboliza a preocupação do Maçon com a construção do seu Templo Interior, incluindo a personalidade, o carácter, a moral, o intelecto e o espírito. Assim, o obreiro leva agora o esquadro e o compasso, que lhe permitem elaborar todas as figuras geométricas e simbolizam a arte de construir. Simbolicamente, estes instrumentos são os geradores da  linearidade e do círculo, ou seja, a linha que se pode prolongar até ao infinito e o círculo que circunscreve um espaço fechado com tudo o que podemos alcançar. A recta marca-nos uma linha de conduta de que não nos devemos desviar. O Compasso, ao traçar círculos, estabelece simbolicamente a relação entre o Eu e o Não-Eu, o centro que marca a nossa personalidade e o círculo que marca o que podemos atingir. A união do círculo com a recta simboliza a harmonia e o equilíbrio que devemos aprender a realizar entre as possibilidades do nosso ser e a realidade das condições em que nos encontramos, que não devemos ultrapassar. 

TERCEIRA VIAGEM – A terceira viagem, que se inicia do Ocidente para o Norte, termina junto do terceiro Quadro, que é dedicado às ciências (Matemática, Física, Ciências Naturais, Ciências Morais e Sociológicas), que permitem o estudo da Natureza. O Companheiro leva a Régua e a Alavanca. As ciências são representadas pela Régua, que tem grande importância intelectual e que é o emblema do comportamento com rectidão, que o obreiro deve manter com firmeza, partilha e lealdade. Pelo seu lado a Alavanca representa o poder do trabalho de que o Companheiro é investido para deslocar os maiores obstáculos, recorrendo à vontade inquebrantável e à inteligência. Atendendo à sua força poderosa, só é atribuída ao Companheiro depois das provas com o Esquadro e o Compasso. A Régua é um atributo essencial do Companheiro e durante a viagem é transportada na mão esquerda do obreiro apoiada sobre o coração, enquanto a Alavanca é segura pela mão direita ao ombro. As ciências matemáticas estudam  as propriedades dos números pela aritmética, as grandezas pela álgebra, a extensão pela geometria e as forças pela mecânica. Completam-se pelo estudo da astronomia e da mecânica celeste. As ciências físicas estudam as propriedades da matéria bruta e a acção das forças sobre a matéria. A química estuda as acções da matéria sobre si mesma. As ciências naturais estudam a matéria viva. As ciências morais estudam a inteligência humana, as faculdades intelectuais, o móbil das nossas acções, a síntese dos nossos conhecimentos. As ciências sociológicas estudam as relações dos seres humanos vivendo em colectividade assim como a organização e funcionamento das sociedades. 

QUARTA VIAGEM- É a Viagem que representa o quarto ano de trabalho do Companheiro. O novo Companheiro deve ler a inscrição no quarto quadro, com os designados beneméritos da humanidade. Esta Viagem presta homenagem aqueles que contribuíram para o desenvolvimento da humanidade, incluindo os Inventores, Artistas, Sábios, Moralistas e Homens Políticos. O obreiro realiza a viagem empunhando como instrumentos de trabalho o Nível. Com estes instrumentos verifica a perfeição da Pedra Cúbica, a qual simboliza o homem na sua rectidão. O Nível simboliza a igualdade social, representando nesta viagem os esforços no sentido de combater as desigualdades sociais, recordando o lema da Igualdade na L.I.F. O Maçom deve manter a rectidão em toda a sua conduta, recusando toda a tortuosidade. Com esse objectivo recorre ao Nível. Considera-se que a essência do percurso do Companheiro é passar da Perpendicular ao Nível.

QUINTA VIAGEM- A Viagem dirige-se ao quinto Quadro, que evoca a Glorificação do Trabalho e que o novo companheiro deve ler, após o que caminhando pelo Norte se dirige ao seu lugar. Nas viagens anteriores, o Companheiro utilizou simbolicamente a Régua, o Esquadro e o Nível para aperfeiçoar a Pedra e posicioná-la no local certo. Em consequência das instabilidades que o Segundo Grau sofreu, há duas versões para a Quinta Viagem, ou seja, com ou sem instrumentos. Na RLSA e no ritual em vigor, a viagem é feita com a Trolha, que simboliza a benevolência, a fraternidade universal e a tolerância.  Simbolicamente o companheiro vai agora com a Trolha lançar o cimento da união e fazer os acabamentos, simbolizando a dedicação do Companheiro ao trabalho. Considera-se que após as Cinco Viagens o obreiro está livre dos vícios profanos e não está submetido a constrangimentos na sua tarefa de Obreiro do Progresso. Com base nos ensinamentos recolhidos nas Viagens deve dedicar-se ao estudo da filosofia e da ciência de modo a consolidar a construção do seu Templo Interior e assim conseguir que a sua conduta dentro e fora da Loja seja exemplar. Os obreiros devem preparar a sua intervenção pela educação e instrução. Devem opor-se à opressão e proteger os inválidos.

No entanto, é possível consultar na literatura descrição diferente da Quinta Viagem, em que o obreiro não empunha nenhum instrumento, considerando que já verificou com a Régua e o Esquadro que a Pedra Cúbica está perfeita, após o que está iniciado para as exigências de uma vida superior, livre dos vícios profanos e pode dedicar-se à sua actividade intelectual de Obreiro do Progresso, sem necessidade de instrumentos. Centra agora a sua atenção no conhecimento da letra G, com vista à progressão.

Podemos também encontrar a descrição com a designada Retrogradação, em que a Quinta Viagem é realizada em sentido inverso, de modo a rever o caminho percorrido, ou seja, fazer a revisão do curriculum vitae, antes de progredir no caminho evolutivo. É cumprida com a espada apontada ao peito, não como ameaça, mas como indicação do caminho da reflexão, discernimento e saber.

A quinta Viagem é provavelmente a que envolve mais dúvidas, algumas já referidas no início da Prancha. Segundo Oswald Wirth, os ritualistas do século XIX adulteraram os rituais, sobrevalorizando o estudo dos sentidos e das ordens arquitectónicas.

Após a quinta Viagem é dada a conhecer ao novo Companheiro a Estrela Flamejante de Cinco pontas com a letra G, símbolos do Segundo Grau e cujo brilho representa a luz e beleza interiores. As cinco pontas representam a cabeça e os quatro membros do Homem. A letra G tem vários significados: geometria, geração, gravitação, génio, gnose. Após o que o Companheiro presta o seu Compromisso sobre o nível e sobre a trolha. Assume o Compromisso aceitando que para ser digno do grau de Companheiro é indispensável ter em vista que os direitos são inseparáveis dos deveres e do respeito pelos direitos dos outros.

Termino esta Prancha elaborada sem pretensão e que, ...Editado pela comissão Editorial do Blogue...apesar de extensa, está  certamente incompleta. Cito ainda Oswald Wirth: “Ao obter a nossa admissão na Grande Família…recolhemos imediatamente os benefícios de uma Fraternidade efectiva….Para ser dignos da confiança que se lhes demonstra é indispensável que se convertam em verdadeiros Companheiros”. 

Humberto Verdi, Comp.'.

R.'.L.'. Salvador Allende a Oriente de Lisboa

REFERÊNCIAS:

Oswald Wirth - O Livro do Companheiro 

RLSA- Comissão de Instrução-  O Painel Simbólico do Grau de Companheiro

RLSA -Salvador Allende - O Simbolismo das Viagens na Elevação a Companheiro

Aldo Lavagini- A Maçonaria Revelada -  Manual de Companheiro

RL Mestre Domingues- Rui F. M:.M:.- O Quadro Simbólico do Grau de Companheiro no REAA 

Maxell Eggens – Significado da Cerimónia de Elevação 

RLSA-Diógenes de Sínope – A fragilidade iniciática e ritualística do Grau de Companheiro

RLSA – Pires Jorge- Ritual de Aumento de Salário e Passagem a Grau 2

Galileu M:.M:.- Reflexões sobre o Grau de Companheiro segundo o REAA

RLSA- Salvador Allende - O Grau de Companheiro- Enquadramento Histórico e Objetivos 

RLSA- Cândido  – O Templo Interior, uma Eterna Construção

Roger Dachez – O Grande Vazio do Segundo Grau

Maçonaria revelada- Os Segredos do Companheiro Maçom (Autor ?)

RL Ocidente- José Martí- Uma Síntese da Simbologia Maçónica

RL Ocidente- António Matos Ferreira-Ritual do Grau de Companheiro Maçon 







 


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