Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

8 de janeiro de 2015

Cabala e Maçonaria: que dimensões comuns?


Agora que me é dada a responsabilidade de apresentar esta segunda Prancha, não posso deixar de reiterar o meu agradecimento pelo apoio e a paciência que todos demonstram, para com a lentidão do esforço continuado de transformar esta pedra bruta numa pedra que, embora com muitas arestas por suavizar, poderá continuar a aspirar a vir a ter forma.

Fiz esta prancha no sentido de partilhar um fenómeno e um profundo interesse que tem acompanhado a minha vida, faz alguns anos, e ainda antes de me ter sido dada oportunidade de crescer beneficiando do contacto com os valores e momentos de reflexão que me permite a Nossa Augusta Ordem.

Trata-se do interesse que desenvolvi, na modéstia das minhas limitações, pela estrutura filosófica de interpretação dos fenómenos do Universo, reconhecido como a Cabala.

Neste primeiro texto sobre o tema, vou apenas introduzir algumas questões essenciais para a nossa reflexão e como marcadores de Futuros textos que gostaria de escrever.

Assim, procuro estabelecer respostas a duas questões centrais:
a) O que é a Cabala e que dimensões têm sido identificadas como comuns com a Maçonaria?
b) Que implicações pode ter a Cabala para o meu caminho como Maçom?

O que é, então, a Cabala?

Pela complexidade da resposta a esta simples pergunta, tem sido argumentado que para chegar a uma resposta, podemos sempre começar por esclarecer antes o que a Cabala não é. Vejamos.
A cabala não é uma religião. Não é um processo de auto-aperfeiçoamento da natureza humana, não é uma superstição, não é magia nem é uma sociedade secreta. Também não é meditação. Ainda assim, a cabala pode estar relacionada com tudo isto sendo que, para começarmos desde já a nossa discussão, também a Maçonaria poderia ser interpretada como estando relacionada com quase todas estas coisas que a Cabala não é.

No lado oposto, ao arriscar uma definição de Cabala, consegui entender, até hoje, que se trata de um conjunto de ensinamentos com muitos séculos de transmissão oral sobre um conceito de Deus, o homem, o universo, a criação e o Caminho para a Verdade. Em síntese, a cabala será um processo de revelação de Deus ao homem, passível de ser iniciado por todos os homens em que cada um vai definindo, de forma individual ainda que sob regras universais, algumas ideias práticas para o seu dia-a-dia na relação com o Universo em geral, e com as outras pessoas em particular. Daí, distinguir-se entre Cabala Prática e Cabala Especulativa.

Entre as perguntas essenciais da Humanidade, incluem-se perguntas como “porque existe o Homem”? e ”qual o propósito da vida na Terra?”… Os seres humanos sempre colocaram estas e muitas outras perguntas pouco práticas e pouco mesuráveis. Como um caminho espiritual que permite entender o Universo, a Cabala fomenta um Espírito aberto ao grande arquitecto do Universos colocando a Liberdade como um valor fundamental para esse processo de melhoria individual contínua em prol do bem universal.

De uma forma geral, estes princípios, em nada me parecem colidir com tudo o que tenho ouvido e lido sobre a Maçonaria. Tenho, aliás, encontrado escritos que argumentam que a Cabala na Maçonaria, neste perspectiva, sempre foi latente.

Há, porém, argumentos que, de uma forma excessivamente simplificada, definem que a Cabala é um sistema de misticismo judaico. De que forma é misticismo, dado que a sua origem Judaica não é contestada? O misticismo cabalístico tende a incluir a ideia de que a Cabala promove a crença na possibilidade de percepção, identidade, comunhão ou união com uma realidade mais elevada, representada como uma divindade superior, verdade espiritual, ou o único Deus que habita dentro de cada um de nós e comunica com cada um de nós através de uma profunda Intuição universal ou experiência direta que vai ocorrendo na vida de cada pessoa. Neste processo, desenvolveu-se, de facto, ao longo dos séculos, um complexo de noções de Esoterismo cabalístico. Que nunca foram, nem são, uma Religião.

Para nós, este processo de desenvolvimento esotérico tem uma relação aparentemente directa com a nossa Augusta Ordem. Um texto que encontrei a discutir este tema, estabeleceu uma relação entre a Árvore da Vida e a Cabala. O texto estabelece, em pormenores que não posso expandir neste pequeno texto, uma relação entre os símbolos da árvore da Vida e simbologia da Cabala e relaciona todo o trabalho de James Anderson, e as crenças neste contidas, com um conjunto de princípios essenciais da Cabala.

De uma forma sumária, que espero expandir em outros textos Futuros, há vários textos que alegam uma relação profunda entre Cabala e Maçonaria. Para mim, porém, neste estadio de ignorante na escuridão, o conceito de Grande Arquiteto do Universo é o elo comum mais poderoso desta relação.
Diz-se assim, que durante séculos, especialmente após a destruição do Segundo Templo de Jerusalém pelos romanos em 70 DC, a sabedoria da Cabala é cuidadosamente transmitida oralmente iluminando apenas pequenos grupos dos seus mais brilhantes e inspirados cabalistas.

A Tradição Oral da Cabala, interpretada como uma forma de protecção dos seus segredos entre os Judeus, coloca a questão de quem foi o primeiro homem privilegiado por ter recebido o conhecimento esotérico Cabala? A tradição judaica define Adão como o primeiro a quem foi confiado esse conjunto de segredos, mais tarde expandidos em revelação a Moisés cujos ensinamentos foram transmitidos oralmente por gerações, até surgirem os primeiros escritos estruturados de que se destaca o Livro do Zohar, ou livro do Esplendor (ainda hoje impresso em Aramaico) embora tenha sido escrito em Espanha por judeus espanhóis sendo atribuído ao escritor judeu espanhol Moses de Leon, que revelou os seus manuscritos, no século 13.

Seguindo estes ensinamentos, uma maneira de interpretar a Bíblia hebraica é o uso de códigos e números. Trata-se da parte matemática da Cabala, que atribui valores numéricos para cada uma das 22 letras do alfabeto hebraico. A ordem dessas letras no texto bíblico seria uma das maneiras que Deus tinha encontrado para revelar os segredos do universo.

As Interpretações cabalísticas da Torah são tão importantes que foram divididas em 4 níveis de profundidade.  O nível  1, Peshat , aquele com o qual todos, leitores simples, compreendem o significado literal do texto. O segundo, Remez, que considera os significados alegóricos da linguagem (referências).  A derash, ou nível 3, em que entram comparações entre passagens e metáforas semelhantes. E o último nível que é aquele que entende o sentido secreto e misterioso da mensagem divina através dos números em que, de forma oculta, os nomes têm significados e interpretações matemáticas.

Entre final da Idade Média e do fim da era moderna, houve um ressurgimento da Kabbalah. No século 13, como disse, o Zohar foi distribuído pelo escritor espanhol Moisés de Leon; no século 16, o mesmo conhecimento foi sistematizado pelo místico Cordevero Moisés; Isaac Luria, em seguida, emitiu novas interpretações dos ensinamentos que foram espalhados por vários mestres professores na Europa e no século 18, o Rabi Baal Shem Tovnuma versão ortodoxa do judaísmo produz um método mais "fácil de entender" a Cabala. De qualquer forma, "a essência é a mesma para os 4000 anos de referências da Cabala, seguindo o principio de que o conhecimento cabalístico não muda, tal como as leis da física não mudam.

Curiosamente, na Cabala publicada, conforme desenvolvida nos textos do século 16 pelo rabino Isaac Luria, há um conceito que claramente preconiza a teoria do Big bang. De acordo com esta linha cabalística, a primeira acção do Grande Arquitecto para criar o universo teria sido uma contracção de todo o que há em si, que provocou a catástrofe inicial chamada “Tohu” que criou um vácuo de onde tudo emanou.

Por outro lado, encontrei argumentos que defendem que a Maçonaria não pode ser plenamente apreciada ou compreendida sem o conhecimento da Árvore da Vida cabalística e sua visão sobre a verdadeira natureza do homem e do cosmos. Um dos conceitos explorado é a relação entre a geometria, na qual o edifício e o simbolismo arquitetónico da Maçonaria estão baseados, e a Geometria dos cabalistas, que é um sistema de correspondências numéricas para palavras e frases que revela os significados subjacentes aos números, medidas e proporções geométricas que ocorrem tanto no Antigo como no Novo Testamento.

Adicionalmente, quero partilhar também aqui o debate que encontrei sobre a letra G e a sua introdução na Maçonaria. Argumenta-se que é difícil determinar quando a letra G foi introduzida na Maçonaria especulativa como um símbolo. Diz-se que esta letra não é derivada dos maçons operativos da Idade Média e que não fazia parte das decorações arquitetónicas das antigas catedrais. Terá entrado no simbolismo sob a influência dos rosacruzes e cabalistas que se juntaram à Ordem durante a última metade do século 17? ou foi introduzida em algum momento posterior a 1717, quando a primeira Grande Loja foi estabelecida na Apple-Tree Tavern, em Londres?

Por outro lado, o significado maçónico da letra G nunca foi esotérico. Tem sido ensinado que o símbolo deve o seu destaque ao fato de que “G” é a inicial de geometria. Isto torna-o num resumo simbólico de todo o sistema maçónico. Será então o cerne da Maçonaria uma doutrina esotérica fundada sobre a ciência da geometria e expressa por meio de figuras geométricas? Em antigas constituições maçónicas foi declarado que Maçonaria e geometria são uma coisa só. G, no entanto, é também a inicial de God.

O seu equivalente grego é a inicial de Gaia, a mãe terra, a mais velha nascida do Caos, e cujo nome é a raiz do substantivo geometria. Gimel, o correspondente hebraico para G, é a inicial de, gadol, majestade e de,  gebur, forte, palavras usadas para designar a divindade ao longo dos escritos sagrados hebraicos. Parece, então a vários autores que estes factos fazem da letra G um símbolo do Grande Arquiteto suficientemente universal, bem como suficientemente antigo.

Por outro lado, o G, de gamma, seu equivalente grego, não apenas é a inicial de Gaia, a mãe terra, e de geometria, a ciência pela qual seus poderes são medidos, mas tem ainda uma outra alusão maçónica. A forma da letra gamma é G, obviamente, nem mais nem menos do que o esquadro de um pedreiro.

A partir do equivalente hebraico de G, no entanto, iremos descobrem-se significados mais importantes deste antigo símbolo. Quando consideramos o significado esotérico de gimel, argumenta-se que não só que é a inicial de um termo rabínico emprestado diretamente do substantivo grego geometria, e não só que é a inicial de duas palavras hebraicas frequentemente aplicadas a Deus, mas também que a letra gimel em si é considerada pelos sábios de Israel como sendo o sinal alfabético da sabedoria sagrada que está assente sobre a ciência da geometria.

Argumenta-se assim que ao longo da criação dos rituais e instruções, a Maçonaria assume indicios de ter sido desenvolvida na sua forma atual por pessoas que tinham alguma familiaridade com o sistema hebraico de filosofia oculta conhecido como Cabala. Por exemplo, os nomes das três colunas que sustentam a loja (sabedoria, força e beleza), e a atribuição maçónica da terceira destas colunas ao Segundo Vigilante e a Hiram Abif, provavelmente derivaram da Cabala. Estas colunas, e os seus nomes, terão sido adoptados diretamente de um diagrama cabalístico conhecido… uma vez mais… A Árvore da Vida.

Os cabalistas também dizem que esta árvore contém três colunas. A que fica à direita do observador, que consiste nas sefirotes de número 2,4 e 7, é denominada a “coluna da misericórdia”, após a quarta sefirote,, chesed, misericórdia. A coluna do lado esquerdo da árvore é a “coluna da força”, após a quinta sefirote, geburah, o substantivo hebraico mais frequentemente usado para força. Esta coluna é composta por três sefirotes, de números 3, 5 e 8. A terceira coluna, está a meio caminho entre as outras duas e é composta pelas sefirotes números 1, 6, 9 e 10. Os cabalistas chamam-lhe a “coluna da brandura”, porque dizem que é o equilíbrio entre as outras duas.

Estas três colunas cabalísticas poderão também os sustentáculos da loja maçónica?

Mas a Maçonaria dá nome à coluna da direita após a sefirote de número 2, e chama-lhe  chokmah, sabedoria. Para a coluna da esquerda, mantém o nome cabalístico, força. Para a coluna do meio cabalística, que é também a coluna do meio na loja, aplica-se o nome de beleza, retirado talvez do título da sefirote de número 6, tiphareth, ou beleza. Deixo aqui um indicio do debate.

Ao longo dos séculos, porém, nem todos os estudiosos aceitaram a ideia de que a Cabala, deveria ser acessível a todos. A atitude actual do Kabbalah Centre, provocou reações iradas de cabalistas mais tradicionais. "A Cabala não é uma moda passageira", disse um importante cabalista quando, em 2004, se soube da adesão de Madonna ao misticismo cabalístico. O debate entre as duas visões é o seguinte: se a Cabala é um processo de libertação e crescimento do homem, porque não deve estar disponível para todos? Será que o mesmo debate se passa entre os Maçons num momento histórico em quando tanto material maçónico corre através da Internet? Eis um desafio comum entre Cabala e Maçonaria que, na verdade, reflecte um caminho comum de vários séculos de existência de ambas.

Cícero Comp:. M:.
Novembro de 2014

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