Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

10 de dezembro de 2024

A Relevância da Cadeia de União no Ritual

 

A Relevância da Cadeia de União no Ritual

I – Acerca do Ritual

A palavra Ritual tem origem no adjectivo latino «liber ritualis», sendo contudo um substantivo em português. Nas religiões (como na católica, p. ex.) é um livro litúrgico onde residem o conjunto das cerimónias do culto, de cariz essencialmente dogmático. Na Maçonaria designa semelhantemente um conjunto de instruções com determinado significado e coerência simbólicas,  que se utilizam para coordenar, estruturando, a  realização de uma Sessão.

A grande diferença é que na Maçonaria Liberal (ou Adogmática) o Ritual é interpretado sob uma perspectiva não dogmática, devendo ser seguido  como auxiliar ao aperfeiçoamento maçónico individual, dando coesão e sentido de unidade ao trabalho em Loja. Este é motivo mais do que suficiente para que cada Apr:. deva seguir atentamente o ritual em cada Sessão,  tentando perceber os ensinamentos e o simbolismo nele contido. Não é contudo obrigatório sabê-los de cor, contrariamente ao que acontece no ramo da Maçonaria dogmática ou anglo-saxónica, como por exemplo no Ritos Inglês de Emulação ou no de York. 

Os Rituais são publicados (pelo menos nos graus simbólicos) pelas Obediências e o seu cumprimento coerente e rigoroso deve ser exigido às Lojas que as compõem, devendo em nossa opinião (contrariamente ao que defendem alguns Irmãos), ser uniforme em todas elas, ou seja as LLoj:. não devem «inventar» derivações sobre o ritual oficial. Se existirem dúvidas ou propostas de alteração, desde que devidamente fundamentadas,  deve ser solicitado superiormente ao Conselho da Ordem, a correcção de eventuais erros ou desactualizações. Estas no entanto só terão validade após a aprovação da potência (ou Câmara de Administração) respectiva, ou seja no que ao R.E.A.A. diz respeito, o «Supremo Conselho do Grau 33 para Portugal e sua jurisdição»,  corpo que é responsável pela  gestão do Rito. O mesmo acontecerá, pelas mesmas razões, para o Rito Francês, agora com o Grande Capítulo Geral de Portugal-R.F. 

O Ritual é o fio condutor, o agregador e o unificador dos trabalhos em cada Sessão e, ao mesmo tempo, o guardião da identidade e solidariedade  maçónica entre todos os Irmãos, pelo que deve ser cumprido com rigor, pois  sob o comando do malhete do VM:., secundado pelos VVIg:. ele organiza e dá resposta aos objectivos iniciáticos que cada Grau tem por finalidade, em cada Sessão,  através da intervenção disciplinada e ritmada dos quadros da loja.

Segundo M. Pinto dos Santos [9]: “O Ritual é um texto, que encerra o conjunto de cerimónias e actos praticados nas sessões de culto de um determinado Rito de qualquer sociedade iniciática. Estes Rituais são normalmente publicados, sendo a sua leitura feita durante a execução dos trabalhos maçónicos, pelos oficiais da Loja, em particular pelos V:.M:. e pelos  VVig:. ….. ,  ou seja o manual que contem a ritualística que deve ser seguida nas cerimónias de cada grau maçónico…..”.

Sem Ritual uma loja maç.. não equivaleria a mais do que a um mero clube de   convívio (do tipo  Lyons, Rotários ou equivalente),   por mais amigável que seja o relacionamento entre os membros (e deve sê-lo). Não é por acaso que na Maçonaria nos tratamos como Irmãos, tratamento que deve ter integral correspondência na  prática, quer em Loja, que na Sociedade profana.

Ainda para M. Pinto dos Santos [9]: “….. O Ritual maçónico, por identificar o rito praticado através de sinais, idade, tipo de deslocamento ritualístico, marcha, toques e palavras específicas, ditas de passe e/ ou sagradas, posturas no Templo, etc,  funciona igualmente como uma forma de reconhecimento de grupo entre Maçons.”     

Isto é verdade para todos os Ritos, por forma a  identificar, admitir e elevar os seus adeptos a graus de conhecimento de  que irão tirar proveito (através do Ritual específico desse Grau), para a sua formação enquanto Maçons , elevando-os (se estudarem e progredirem), a etapas   progressivamente mais complexas,  desse mesmo  conhecimento.

Cada Grau (seja no R.E.A.A, ou outro), tem fundamentalmente como base, segundo I. Mainguy  [1] e [6]  & outros autores: “um mito e uma lenda estruturadas, em que se fundamenta o seu desenvolvimento  e que representam os perigos e  as armadilhas  a evitar para alcançar o caminho a percorrer”.   Daí que para qualquer Grau, perceber objectivo do mito e da lenda é essencial,  pelo que, entre outros, é necessário saber e perceber o Ritual, para  que o Maçom receba os  «códigos» ou «chaves» que dão acesso à percepção da mensagem e conhecimentos essenciais, que o «mito» e a «lenda» proporcionam.

É também o mesmo Ritual que participa e organiza a criação da Loja. Estabelece uma ordem que nos permite transcender o espaço e o tempo. É portador duma linguagem que nos relaciona com o sagrado (independentemente da visão ou entendimento que cada um tiver acerca dele). É sempre o mesmo, devendo ser transmitido com seriedade e rigor, o que não significa rigidez, sendo um guia que cada um pode e deve  animar. É transportado e vivido pelos membros da Loja,  ocupando cada um uma função diferente. Uma vez que, no nosso caso, os actores substituem-se anualmente (eleição dos Quadros), evita-se eficazmente a cristalização e a esclerose  da Loja… .

É também através dele que se procede à transmissão, ou seja à incorporação na cadeia iniciática, na qual, sobretudo cada Mestre,  tem o seu papel a desempenhar para assegurar a continuação da obra. Pode-se considerar que é comparável a um despertar gradual da consciência.  Esta transmissão é feita através da palavra, já que se trata antes de tudo, de uma transmissão oral. Em resumo o ritual é o suporte, o veículo de  transmissão e, por extensão, um elo e um cimento que une todos os maçons da Loja entre eles.


II – Sobre a Cadeia de União e a sua importância no Ritual

 

A Cadeia de União é provavelmente, do ponto de vista simbólico e em nossa modesta opinião, uma das cerimónias ritualísticas que mais directamente apelam  à fraternidade maçónica, sendo seguramente um dos actos mais significativos do nosso compromisso com os sublimes princípios  assumidos: « Igualdade, Fraternidade e Liberdade ».  Segundo Jean-Pierre Bayard [4],  só se deverá desenrolar num ambiente tradicional e numa atmosfera de particular concentração, na ausência dos quais restará sem qualquer valor (onde é que infelizmente já assistimos a isto??).     

A primeira descrição conhecida  da cadeia de união encontra-se no «Manuscrito de Edimburgo», datado de 1696. É um gesto ritual que traduz uma relação activa entre todos os elementos duma Loja,  segundo determinadas regras, tendo também como objectivo transmitir a palavra do semestre.

J. Boucher [3] refere que a cadeia de união é um ritual que encontramos, por sua vez, quer no Compagnonnage quer na Maçonaria e que nos chega proveniente da maçonaria operativa. Reencontramo-la no Compagnonnage sob a designação de «cadeia de aliança».     Consiste na formação de um círculo, uma cadeia, dando-se mutúamente as mãos,  após prévio cruzamento dos braços.  Cada novo iniciado é convidado, desde a sua admissão, a constituir um elo nesta cadeia, razão pela qual tem que obrigatoriamente integrar a cadeia de União, na posição que lhe for indicada, no final da Sessão de Iniciação.

O nosso Ir:.  Adelino Maltez [1], refere  na obra citada na Bibliografia e na entrada correspondente à «Cadeia de União» “Círculo que se forma no final de uma sessão ritual maçónica. Simboliza a universalidade da Ordem, a união de todos os IIr:. à  superficie da terra. Uma corrente ou corda luminosa, a que se liga o universo, segundo Platão,  corrente de ouro que une o céu e  terra, símbolo dos laços entre os dois extremos do bem. Foi também através das correntes de ferro e diamante, dos encadeamentos  do discurso, que Sócrates uniu a felicidade dos homens à prática dos justos”. 

É esta ideia, antiquíssima e universal, que está subjacente à cadeia de união,  que realizamos no final das cerimónias maçónicas.  Ainda mais à frente (na mesma obra):

«Esta cadeia une-nos no tempo e no espaço. Vem-nos do passado e tende para o futuro. Por ela nos ligamos aos IIr:. que outrora a formaram e, por ela se devem unir a todos os Maçons de todos os ritos, de todas as raças, de todos o países. Enriqueçamo-la com numerosos e sólidos anéis de metal puro e,  elevando os nossos espíritos,  esforçemo-nos por aproximar todos os homens pela Fraternidade».

A cadeia tem lugar ao redor do quadro da Loja e dos três pilares ( Sabedoria,  Força e  Beleza),  antes do encerramento ritual dos trabalhos. É efectuada, sob a direcção e  controlo do V:.M:. que é o ponto de irradiação e de chegada dos fraternos laços universais, sendo por isso o único que não cruza os braços.  Os restantes Maç:., com  os pès em esquadria e tocando pontas direita e esquerda dos respectivos sapatos,  correspondentemente com a esquerda e direita dos IIr’s:. adjacentes,  cruzam os braços (o direito por cima do esquerdo) e apertam as mãos, em garra,  unindo os dedos da mão direita  e esquerda, respectivamente aos da esquerda e direita dos IIr´s adjacentes.

No   Rito Escocês Antigo e Aceito (R:.E:.A:.A:.)  o  V:. M:.  ocupa o lado mais oriental da Cadeia, tendo à sua direita, o Orador e à sua esquerda, o Secretário. O Guarda Interno ocupa o lado mais ocidental, em frente do V:. M:. , tendo à sua esquerda o Mestre de Cerimónias, seguido do 2º Vig:. e à direita o Experto, seguido do 1º Vig:..  Os restantes IIr:.  do quadro enquadram  a Cadeia de acordo com o seu lugar em Loja. Se existirem visitantes Ilustres, ficarão intercalados entre o V:.M:. e o Orad:. e entre o V:.M:. e o Sec:.

O corpo envolvido pelos braços, forma um anel ou «laço de amor».  A cadeia constitui-se pelos elos e anéis estreitamente interligados entre eles,  lado a lado,  sendo óbviamente a dimensão total traduzida pelo conjunto dos elos que a compõem.  Existem duas variantes da cadeia:

A curta (normalmente  utilizada e considerada  a mais eficaz) constitui-se à volta dos 3 pilares e do Painel da Loja, ao pé do Oriente; a Longa, quando a loja é  pequena e tem muitos visitantes ou quando tem muitos IIr:. e também visitantes, para o espaço disponível. É constituida a partir do  V:.M:. que permanece no Oriente, sendo os braços  unidos e estendidos, sem se cruzarem,  aproximadamente a  45º em direcção ao pavimento.

A Cadeia de União na sua aparência circular, tem um papel protector (o circulo) e é  a unica estrutura geométrica que mantem a forma se retirarmos ou integrarmos um segmento.  Permite transmitir uma força,  uma energia, um movimento. O elo é o meu Ir:., sou eu, portanto se a minha força se desvanece, a cadeia fica em risco de ruptura e de não desempenhar a sua função e objectivo;  o de unir para lá do tempo e do espaço, os homens num ideal comum, já que é na (e pela) união,  que toda a Maçonaria se reconhece.

Através das mãos que estreitamos, algo flui no sentido de partilha,  igualizando todos os anéis ao longo da cadeia, criando uma verdadeira harmonia partilhada por todos os IIr:., dando pleno sentido quando O. Wirth [6]  cita Plantagenet: «É o próprio maçom que forja estes elos, constituindo alternadamente a matéria e a força, o metal passivo e o operário consciente».

As mãos não devem ter luvas, para optimizar o contacto e eliminar os isolamentos de toda a natureza que possam prejudicar a qualidade desta forte e preciosa comunicação. Todas as condições estão agora intencionalmente reunidas para que circule entre os participantes,  como que uma verdadeira corrente magnética,  simultaneamente reguladora e potenciadora de energia.   Daqui a analogia electromagnética, em que o braço direito, positivo, passa por cima do esquerdo, negativo, para contactar com a mão esquerda do vizinho, formando uma cadeia de "baterias em série",  em que o eléctrodo positivo de cada um dos elementos se liga ao eléctrodo negativo do seguinte,  por forma a que o potencial eléctrico resultante seja "n" vezes superior ao de um só elemento. Esta é a  configuração que desenvolverá ao máximo a agregação das forças psíquicas da Loja,  para um mesmo objectivo, sob a  sábia direcção do V:.M:..

Como referimos, a cadeia de união  visa a  integração de cada membro na cadeia Maçónica Universal, que nos une a todos pelos elos inquebrantáveis da Fraternidade e  Igualdade, já que é efectuada por todos os membros presentes em Loj:., sem distinção de Grau ou Qualidade, tanto o Venerável como o Aprendiz,  o Vigilante como o  Companheiro, o Orador como os Vigilantes,  o Mestre como o Experto, o intelectual ou o operário manual. Todos estão sintonizados e vibram num  mesmo diapasão, numa presença e concentração indispensável à solidez da cadeia, responsabilizando-se  individualmente pela respectiva continuidade.

Esta fraternidade representa, portanto, o fundamento sobre o qual se apoia a própria organização iniciática tradicional. Neste sentido, o entrelaçamento de mãos e braços configura e evoca a imagem de uma estrutura fortemente coesa e organizada.   É um dos momentos ritualísticos marcantes da Sessão: ao formar e integrar a Cadeia de União, os Maç:.  relembram que cada um individualmente faz parte de um Conjunto.  Conjunto que é mais forte do que o simples somatório das forças individuais, já que a estas se agrega a força da união de todos.

É um momento de reflexão, de solidariedade, de união, em que cada um sente que contribui para o grupo, mas também sente que beneficia da força comum do grupo. A Cadeia de União é uma cerimónia prática pela qual se forma, reforça e assinala a coesão do grupo. Nos momentos em que o grupo assim se une, diluem-se os egos individuais e  avulta o colectivo, na busca de uma egrégora fortalecida e fortalecedora.

Antes de quebrar  a cadeia de união, elevam-se os braços por três vezes, sob o comando do V:. M:..  abandonamos então a  cadeia em modo de  «sem nunca a romper», como que projectando  para  o infinito o campo magnético síncrono e solidário que nos envolve, e em qualquer altura regressar ao nosso mundo físico e material.  Ainda segundo Boucher [3] e também I. Mainguy [2], deve ser formada antes do fecho dos trabalhos e obrigatóriamente sempre que exista a integração de um novo aprendiz , ou quando ocorra a comunicação da  palavra  do semestre. 

Uma representação gráfica da Cadeia de União  reside na «Corda de 12 nós», circundante da abóbada estrelada,  simbolizando a Fraternidade que deve existir entre todos os Maçons à face da Terra.   A corda está também representada no Quadro de Loja dos graus de Aprendiz  e Companheiro,  mas neste contexto, por contornar os simbolos do Grau inscritos no respectivo quadro, tem como função a sua união e protecção.

Como círcuito agregador e multiplicador de todo o simbolismo atrás referido, não terá sido por acaso que o Ritual  Maçónico do R:.E:.A:.A:. deixou para a parte  final de cada Sessão, a «construção» da Cadeia de União que,  enquanto permanentes AApr:. de Maçonaria, nunca nos esqueçamos de tal.

Finalizando, julgamos ter evidenciado a relevância da cadeia de união no Ritual das Sessões macónicas,   e citando D. Bésresniak [7], em modo de «finalização da cadeia»:

« “ .....A Loj:. deveria ser o lugar privilegiado para o estudo do simbolismo. O clima que lá  se encontra é o mais propício e estimulante para explorar esta ciência. Lamentavelmente ….. muitas Loj:. desprezam o simbolismo e outras confundem simbolismo com ocultismo, interpretando à letra as analogias simbólicas, como se fossem verdades eternas em si mesmas.” (f.c.).


Salvador Allen:. M:.M:.

Resp Loja Salvador Allende a Oriente de Lisboa

Bibliografia:

(1) – Maltez, José Adelino - «Abecedário Simbiótico»

(2) - Mainguy,  Irène - « La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire” -– Éditions Dervy, 2006, Paris 

(3) - Boucher,  Jules «La Symbolique Maçonnique» 

(4) – Bayard, Jean Pierre - « Le Symbolisme Maçonnique Traditionnel – Les Loges Bleues»  

(5) - José Marti M:.M:. - « Uma Sintese da Simbologia Maçónica» - R:.L:.Ocidente (G:.O:.L:.)

(6) – Wirth,  Oswald - « La F-Maçonnerie Rendue Intelligible à Ses Adepts – Le Compagnon» 

(7) - Béresniak, Daniel - “L’Apprentissage Maçonnique - Une École de L’éveil», Éditions Detrad – 2009, Paris

(8)  – Diógenes de Sínope, M:. M:. -  “Coluna Norte – Tributo a Daniel Béresniak” - Blog da R:.L:.Salvador Allende – («gremiosalvadorallende.blogspot.com») 

(9) – Ligou, Daniel – “Dictionnaire de la Franc-Maçonnerie” –Éditions «PUF» - Paris (2015) 

(10) –Pinto dos Santos, Manuel – “Dicionário da Antiga e Moderna Maçonaria “– Lisboa (2012)


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