Com a devida vénia se transcreve este Artigo de António Valdemar publicado no Jornal «O Açoriano Oriental»:
Judeus, judiarias e sinagogas (1)
A presença nos Açores de famílias sefarditas que vieram de Marrocos e se radicaram nas ilhas de S. Miguel, da Terceira e do Faial perduram, com cemitérios judaicos em cada uma destas ilhas. Assim como a sinagoga de Ponta Delgada, a mais antiga de todas as sinagogas portuguesas.
Os judeus, a rota das judiarias e as sinagogas já começaram a estar em foco, enquanto decorrem, de 2021 a 2027, os processos para habilitação às Capitais Europeias da Cultura distribuídas através do território português. Já se encontram em curso iniciativas destinadas a promover as cidades concorrentes e as suas extensões geográficas. Em face da crise que a todos atinge e não se sabe até quando, as candidaturas às Capitais Europeias da Cultura vieram assegurar ordenados, subsídios e avenças a profissionais de comunicação que dominam os temas da área do Património. Muitos deles voltam a aproveitar a oportunidade para repetir textos e esquemas de trabalho já utilizados noutras circunstâncias. Uns estavam na prateleira e insistem em sobreviver, outros procuram afirmar–se ganhando o protagonismo que tanto desejavam.
A recente publicação da obra Portugal e os Judeus, da autoria de Jorge Martins, apresenta um manancial de informações da maior importância, em torno dos judeus, a rota das judiarias e as sinagogas. Integra–se num projeto editorial da Âncora. António Batista Lopes, acerca deste tema, já havia divulgado outras obras de reconhecido interesse. Uma das grandes autoridades na história do judaísmo, Anita Novinsky
– que acaba de falecer no dia 20, quase centenária, em São Paulo, no Brasil
–, escreveu sobre deste livro de Jorge Martins: «Passado um século e meio sobre a aparição da mais completa obra sobre a história dos judeus em Portugal, da autoria de Meyer Kaiserling, nos presenteia Jorge Martins com uma nova história sobre os judeus portugueses e que amplia largamente o livro pioneiro do rabino húngaro».
Podemos, contudo, acrescentar: Alexandre Herculano, Da Origem e estabelecimento da Inquisição em Portugal, 1854-1859; os estudos de Mendes dos Remédios, 1895-1928; J. Lúcio de Azevedo, História dos Cristãos Novos em Portugal, 1921; Francisco de Bethencourt, História das Inquisições, Portugal, Espanha e Itália, 1994. A obra de Jorge Martins agora condensada em Portugal e os Judeus reúne três volumes já publicados e com investigações que remontam ao século III, a possível data de fixação dos primeiros judeus na Península Ibérica; acentuam-se a partir de 1147 quando Afonso Henriques se torna o primeiro Rei de Portugal e prolongam-se até 2006, ano da evocação do massacre judaico em Lisboa, a 19, 20 e 21 de Abril, de 1506, no Largo de São Domingos, em Lisboa, uma das maiores carnificinas de que há memória em Portugal.
Colocam–nos perante numerosos acontecimentos e figuras que se inserem num contexto nacional e também internacional. Quanto ao século XX, ocupa–se dos vários surtos de marramismo, sionismo, antissemitismo e outras manifestações: os panfletos virulentos de Mário Saa, Portugal Cristão-Novo ou os Judeus na República (1921), A Invasão dos Judeus, 1925; a edição, em 1923, dos Protocolos dos Sábios de Sião, sob os auspícios das Juventudes Monárquicas Conservadoras; e as campanhas sistemáticas da imprensa integralista, na qual se destaca o principal mentor António Sardinha em ensaios, artigos de opinião e até em poesia. No livro Pequena casa Lusitana, António Sardinha, por exemplo, escreveu: «São moiros e ciganos quem governa. / Nunca será bastante a pena eterna, /pra quem desfez a raça com torpeza! / Ó Santa Inquisição, acende as chamas! /E no fulgor terrível que derramas, /Vem acudir à Pátria portuguesa». Os Açores e naturalmente muitos açorianos deparam-se em sucessivos capítulos da obra de Jorge Martins. Mas faltam algumas referências a outros eminentes açorianos que se evidenciaram – por motivos diversos – na história dos judeus em Portugal. A propósito da campanha iniciada em 1894 relativa a Dreyfus (1859-1935), oficial do Exercito francês de origem judaica, citamos, por exemplo, o Padre Sena Freitas (1840-1913), ao associar–se ao movimento antissemita europeu e à condenação de Dreyfus; e, em contrapartida, José Bruno Carreiro (1880-1957), no livro O Drama do Capitão Dreyfus (1951), onde reconstituiu e desmascarou todo o labirinto de suspeitas e o emaranhado de falsas acusações, construído, durante décadas, até finalmente, surgir a reabilitação pública.
Outro açoriano, dos mais notáveis e mais injustamente esquecidos, o jornalista e escritor Jaime Brasil (1896- 1976), traduziu e prefaciou o dossier que integra a carta de Emílio Zola, com o título Acuso, dirigida ao presidente da República Félix Faure e que desencadeou a urgência de revisão do processo militar e político Dreyfus. Teve, na época, enorme repercussão que chegou até aos nossos dias. Ainda de Jaime Brasil será de mencionar o livro Shalom Shalom! (1948) que reproduz um conjunto de reportagens na Palestina, para o jornal o Primeiro de Janeiro, por ocasião da fundação e proclamação do Estado de Israel. Revestiu–se da maior importância social, económica e social dos Açores a vinda de Marrocos de famílias sefarditas, no princípio do século XIX, que se radicaram nas ilhas de S. Miguel, da Terceira e do Faial. Perduram, em cada uma destas ilhas, cemitérios judaicos e a sinagoga de Ponta Delgada, que é mais antiga de todas as sinagogas portuguesas. Mas de 2021 a 2027, os roteiros de Ponta Delgada Capital Europeia da Cultura vão integrar a sinagoga instituída em 1836.
O que significou e significa 23 anos antes da primeira sinagoga que existiu em Lisboa. José Leite de Vasconcelos visitou-a em 1924 e ficou assinalada no livro Mês de Sonho. Na segunda metade do século XX, caiu em progressivo abandono e em inexplicável ruína. Foi assaltada. Roubado parte do seu acervo. Mas felizmente foi recuperada e reposta na sua dignidade. Está em pleno centro histórico e constitui uma das referências obrigatórias do património da cidade. (continua)
António Valdemar*
*Jornalista, Carteira Profissional número Um;
Sócio efetivo da Academia das Ciências
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