O SEGREDO
Quase não andava, saltitava com passinhos curtos com medo da própria sombra. Bigodinho fino exposto num lábio que parecia estar sempre a esconder-se, óculos redondos com aros de tartaruga, lentes grossíssimas tapando os olhos, tristes subentende-se. Corpo magro, esguio e furtivo, o Malaquias, circulava por entre os escombros das almas perdidas guardando-lhes os segredos que não eram secretos.
Segredo/Secreto? Substantivo e adjectivo, que de tão semelhantes conseguem ser, mesmo, quase opostos. Explico melhor: o Malaquias tinha um dom que era saber escutar com uma enorme paciência não interferindo nunca nos desabafos alheios, e isto, claro, valeu-lhe uma valente reputação junto de quem, secretamente, sofria as agruras de se situar entre os Outros e o Cosmos, coisa medonha de se enfrentar e em cujo resultado se constrói a persona, sim, a máscara que, passo a passo, edificamos para parecermos o que não somos ou como diria um aprendiz de S. Freud - ter uma personalidade. Se as ditas agruras fossem segredos, as pobres almas nunca os comunicariam, e se o fazem, então, ó semântica, querer-se-ão secretos?
Vejamos o que o Dicionário Digital Priberam da Língua Portuguesa nos diz:
Segredo (Latim secretum) -substantivo masculino; começa por coisa que não deve ser sabida por ninguém e logo a seguir expande-se dizendo que é coisa que se diz a outrem mas que não deve ser sabida por terceiros, mau, em que ficamos? Depois mais uns quantos significados, tais como, reserva, descrição, meio pouco conhecido de se fazer uma coisa, lugar da prisão onde se conservam os presos que devem estar incomunicáveis, esconderijo, conjunto de causas desconhecidas e finalizando com íntimo e âmago.
Secreto (Latim secretus) - adjectivo; separado, afastado, isolado, à parte, confidencial, que não é do domínio público, que não é conhecido, que não é visível ou facilmente acessível, que se não manifesta, solitário, reservado, sem divulgar algo, que não mostra emoções, intenções e pensamentos.
Ficamos elucidados, ou temos que fazer como fazem os Maçons Livres e de Bons Costumes quando procuram iluminar o que é obscuro ou quando combatem vícios e paixões e elevam a virtude?
Relembro-vos que desde a Proto-História à Era Abraâmica, os chamados Mistérios (contendo Segredos que se mantinham Secretos), eram quase toda a Ciência a que só alguns tinham acesso através da chamada Iniciação. Esta, depois da cerimónia ritual e da aprendizagem gradual contínua e incessante, permitia ao Iniciado que fosse dando conta dos Segredos para os desvendar, compreender e progredir num adeus ao secretismo com que eram protegidos. Chegados a este ponto-o da incipiente e interminável compreensão-ficaram parados ou desataram a comunica-los, ensinando e introduzindo-os nos novos Iniciados que, entretanto se foram aproximando? A diferença é que os Segredos, na generalidade, deixam de ser Secretos, mas o que fica sempre Segredo é o modo como cada um o interpreta por os níveis, material, mental e espiritual, serem propriedade única e exclusiva de cada um, logo, intransmissíveis, ou seja, nunca foram nem são necessárias cauções ou fianças para que, nada secretamente, se mantivessem os Segredos.
Recordo-vos os trabalhos do Etno-Astrónomo Chantal Jègues Wolkiewiez que demonstram bem que a Arte Pré-Histórica não é senão a expressão do que os primevos humanos sentiam aos descobrirem que pertenciam ao Cosmos, melhor dizendo, que já conheciam bem o Céu, Sol, Lua e restantes Estrelas sendo capazes de medir o Tempo e de prever os Ciclos para organizarem as Caçadas (actividade migratória dos animais) e as Culturas Agrícolas (sabendo os tempos exactos das sementeiras e colheitas) em função dos movimentos estrelares e planetários- assim nasceram os Calendários Solares e Lunares (sem segredos e secretismos) que deram origem à Geometria como futura ferramenta da construção a partir do Caos.
No princípio não era o Verbo (ao contrário dos Livros que dizem o Mundo afastando-se do que é imanente e evidente, no dizer de M. Onfray), eram apenas Segredos que foram deixando de ser Secretos, agora sim, através do Verbo que, não só nos aproxima do indizível como também por ser a consequência inevitável do acúmulo dos conhecimentos cada vez mais volumosos, e por tal, incapazes de serem atidos ao isolamento de cada um. Mas não é demais remarcar que o Segredo, ou seja, o modo como cada um sente, percepciona e conceptualiza os Outros e o Cosmos, se mantém por ser irreproduzível o acto próprio de conjugar matéria, mente e espírito.
Quando Malaquias ouve as almas a debitarem os seus Segredos, ele julga que secretamente os mantém, sem saber que aquilo a que chama Segredos, apenas é um vislumbre ensombrado do nunca Secreto Segredo que cada um constrói.
Cada um de nós, e aqui na N∴A∴O∴ aprendemos bem cedo, procura a Luz sem secretismos enviesados pela semântica, apenas desejamos que o combate entre a Luz e as Trevas termine nos Segredos não Secretos a cumprirem a sua Tripla função, a saber, conhecermo-nos a nós próprios para compreendermos os Outros e assim nos situarmos neste Cosmos absolutamente extraordinário.
Somos Maçons, nunca no papel, acima de tudo porque queremos transformarmo-nos (a segunda vida ou renascer) implicando, portanto, que assumamos os nossos Segredos sem secretismos bacocos, mas olhando de frente para o riquíssimo e diverso Simbolismo, no qual recolheremos o saber não sabido (S. Freud) que nos tornará melhores, sãos, individualmente gregários e, sobretudo, homens-novos para assegurarmos o presente e um futuro que nos honrará.
Consigo então concluir, sem nenhum esforço intelectual, que o Secretismo desde os tempos imemoriais até aos dias de hoje, deve ser atribuído mais às circunstâncias sócio-político-religiosas do que ao Segredo em Si.
Termino citando um extraordinário e prodigioso Matemático do Séc. XVIII/XIX de sua Graça Carl Friedrich Gauss que deixou escrito…Não é o conhecimento, mas sim o acto de aprendizagem, e não é a posse, mas o acto de chegar lá, que desencadeiam mais prazer…
Diógenes de Sínope M∴M∴
Bibliographia
-Mainguy, Irène – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire”, Dervy Édition-2003
-Béresniak, Daniel – «L’Apprentissage Maçonnique-Une École de L’éveil», Éditions Detard aVs- 2009
-Sigmund Freud – «A Civilização e os Seus Descontentamentos», Publicações Europa-América-2005
-Michel Onfray – “Cosmos”, J’ai Lu-2015
-Jürgen Habermas – “Between Naturalism and Religion”, Polity Press-2008
-Spinoza, Benedictus – Ética Demonstrada em Ordem Geométrica”, Tradução Roberto Brandão
Belíssima crônica Sapiente irmão, Parabéns e obrigado por compartilha-la
ResponderEliminarconosco !...comunicarei aos "terceiros" da minha Loja, "em segredo",
para que participem da minha "Secreta" admiração por esse proficiente trabalho.
Deculpe , esqueci de identificar-me
ResponderEliminarIr.Adilson Zotovici
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