Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

27 de setembro de 2023

Salvador Allende na Encruzilhada do Tempo

 


Salvador Allende na Encruzilhada do Tempo

“Cuando la venda cayó de mis ojos y pude observar las espadas dirigidas a quien veía por primera vez la luz masónica y oía las palabras del Venerable Maestro, pude entender que esa era una expresión de profunda y honda solidaridad, para hacerle presente al iniciado que sus hermanos estarían prestos para acudir en su ayuda si el caso así lo requiriera.”

Salvador Allende, desde as lutas estudantis e universitárias em Santigo, até à sua morte, encontrou-se numa encruzilhada política e ideológica, em que a Igreja Católica, as potências europeias e os EUA estiveram profundamente implicadas, em parar a revolução socialista e socializante da sociedade tradicional e fechada do mundo ocidental.

O Chile, pelas condições históricas intrínsecas, ligadas á forte imigração europeia do pós-guerra, recebeu emigrantes empobrecidos e mal tratados pela própria guerra e pelo sistema económico depauperado. Mas estes emigrantes europeus não eram totalmente alheios às lutas operárias, às ideias do socialismo e do marxismo.

Do anarquismo, ao marxismo, passando pelo socialismo e a social-democracia, o Chile foi palco de lutas intensas, quer nas ruas e nas famosas minas de Nitratos do Chile, no deserto de Atacama, como no parlamento. De facto, Allende chegou a fazer parte do parlamento chileno entre 1937-1943, concorreu três vezes à presidência em 1952, em 1958 e em 1964, e só ganhou à quarta vez em 1970.

As alianças partidárias e com a própria igreja católica socialista que Allende acalentou ― apelidada de “cristianismo subversivo” ―, fez tremer de morte aqueles que do mundo quiseram que fosse palco a Coreia, o Vietnam, o Camboja, a extensamente América Central e do Sul e a África. A luta pelas autonomias nacionais e étnicas, a luta pelos direitos do homem, a mudança do paradigma vigente do colonialismo, do velho imperialismo, para as novas formas de democracia, foi a espada que o grito dos povos desferiu sobre o corpo social e económico agastado e virulento, herdeiro do séc. XIX, e dos problemas imperiais que nunca foram resolvidos na Primeira e na Segunda Grandes Guerras.

É notória a tentativa de Allende ter feito um trabalho meticuloso, ao instilar os ideais maçónicos e a sua acção no mundo profano. Depois da sua iniciação na Grande Loja do Chile, na Loja Hiran, n.º 65, Allende pratica a maçonaria nos compromissos com várias forças sociais e políticas, dialogando com todos, e sempre sob o ideal da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade. Allende não esconde a sua filiação, não se envergonha dos seus Irmãos e luta diariamente pela justiça social. Desde a sua iniciação, e já antes enquanto estudante, Allende lutou pela liberdade de expressão e por reformas no sistema de saúde. Mas a sua luta não foi menor. Mesmo dentro do Partido Socialista Chileno, quando uma grande parte defendeu a incompatibilidade de um Maçon poder ser militante socialista. O seu discurso ao Congresso do partido foi demolidor, mas a luta e a oposição continuaram.

Allende foi testemunha e actor de uma velha luta antimaçónica com alguns séculos de existência, e esta batalha de uma longa guerra contra a ignorância, foi acrescida por uma oposição feroz da ultradireita católica europeia e americana e da própria definição de política internacional dos EUA.

É neste sentido que temos de entender o desfecho perverso e ignóbil da Revolução chilena. Pinochet foi apenas um peão na mão de três forças cooperantes: A política externa dos EUA, a Europa conservadora e a Igreja Católica ultraconservadora, indisposta com as acções do Papa João XXIII, e totalmente contrárias às reformas do Concílio do Vaticano II.

As relações entre a Igreja e o Estado foram complexas durante a presidência socialista de Salvador Allende, que ocorreu de novembro de 1970 a setembro de 1973, no Chile. Embora Allende e o governo evitassem confrontos diretos com a Igreja, a maioria dos líderes católicos no Chile tinha objecções ideológicas ao programa socialista de Allende, ou pelo menos estavam cautelosos em relação ao envolvimento aberto do clero na política. No entanto, uma minoria de padres que seguiam a Teologia da Libertação apoiava o governo. Em 16 de abril de 1971, um grupo desses padres, conhecidos como “Os 80” (entre jesuítas, franciscanos, dominicanos e salesianos), publicou uma declaração defendendo a participação ativa dos católicos na causa de Allende e no programa socialista. Posteriormente, esses 80 padres formaram a organização chamada “Cristãos para o Socialismo”. Outras organizações católicas também se juntaram à coligação liderada por Allende, conhecida como Unidade Popular, incluindo a Esquerda Cristã e o MAPU (Movimiento de Acción Popular Unitaria), um partido que se separou do mais centrista Partido Democrata Cristão.

Anteriormente, o envolvimento católico na política chilena era principalmente representado pelo Partido Democrata Cristão, que, como organização política, estava separado das estruturas da Igreja. Em 1972, doze membros dos Cristãos para o Socialismo foram convidados por Fidel Castro a visitar Cuba, onde expressaram apoio à revolução socialista. Estes movimentos políticos na Améria Central e do Sul, de proximidade a Cuba e às ideias marxistas, não podem ser vistos sem o contributo da Companhia de Jesus, principalmente depois da grande cisão originada pelo 27º Geral da Companhia. o Padre Pedro de Arrupe y Gondra (1907-1991).

De facto, Arrupe passou a orientar os Jesuítas num sentido mais antipapal e mais sociopolítico em natureza. E é neste novo fácies que a Sociedade de Jesus passa a expor-se, como um bloco corporativo. Temos de entender que o mundo contemporâneo de Salvador Allende se encontrava dividido entre duas grandes superpotências, a URSS e os EUA, principalmente entre 1939-1958. Foi este o mundo que o Papa Pio XII viveu, e foi o mesmo mundo que o Papa João XXIII tentou abrir a si mesmo, entre 1958 a 1963. Paulo VI apenas seguiu as instruções traçadas por João XXIII, e é durante o seu papado 1963-1978, que no palco do teatro chileno se vai desenrolar um dos maiores dramas da revolução social e política da América do Sul. Salvador Allende não está sozinho, tem com ele forças da esquerda e da direita moderada católica e socialista. E tem com ele os arautos da Teologia da Libertação.

Em abril de 1972, os Cristãos para o Socialismo organizaram o Primeiro Congresso Latino-Americano de Cristãos para o Socialismo, realizado em Santiago. O congresso teve como foco a reflexão sobre as atividades dos cristãos que praticavam a Teologia da Libertação na América Latina e contou com a presença de leigos, clérigos e do único bispo a participar, o mexicano Sergio Méndez Arceo (activista dos direitos humanos). O Cardeal de Santiago, Raúl Silva Henríquez (salesiano), foi convidado, mas recusou a participação, alegando que os Cristãos para o Socialismo estavam tentando levar a Igreja a apoiar a revolução comunista. Em abril, após a conferência, os bispos chilenos emitiram duas declarações: uma censurando a declaração dos doze que viajaram a Cuba e outra buscando uma posição intermediária entre respeitar Allende e afirmar sua legitimidade, mantendo uma posição nominalmente apolítica e declarando a incompatibilidade entre o marxismo e o catolicismo.

Durante o governo de Allende e antes dele, elementos solidários da Igreja Católica chilena não se limitaram a declarações de apoio aos pobres ou ao governo, mas também realizaram ações concretas. Algumas freiras e padres já estavam a viver e a trabalhar entre os pobres, seja como resultado dos esforços de evangelização da Igreja para enfrentar a falta de clero na América Latina, seja por escolha própria. Um exemplo notável foi o Padre Ignacio Pujadas (apóstolo dos jovens), que formou uma Comunidade de Base Cristã no seu bairro e se tornou num dos membros fundadores dos Cristãos pelo Socialismo. Outros grupos católicos, como a Ação Católica e a Juventude Estudantil Católica, também compartilhavam objetivos semelhantes aos dos Cristãos para o Socialismo. Além disso, partes da Igreja colaboraram voluntariamente com o governo de Allende, como a Sociedade do Sagrado Coração, que cedeu algumas de suas escolas secundárias privadas ao governo chileno em 1971, e a Congregação da Santa Cruz, que aumentou as propinas dos alunos ricos em sua escola de Santiago para financiar bolsas de estudo para alunos carentes, em conformidade com o projeto de Allende de expandir o acesso à educação.

Mas voltando aos antecedentes revolucionários da ala esquerda da Sociedade de Jesus, e principalmente a partir da reforma iniciada pelo Geral Pedro Arrupe, destacaram-se o jesuíta Fernando Cardenal e o seu irmão Ernesto Cardenal (do seminário de Manágua), heróis da revolução nicaraguense. Ambos defensores abertos do marxismo e do movimento sandinista, Fernando teve o apoio da Sociedade de Jesus para as suas actividades, e foi o seu mais proeminente paladino. A revolução jesuíta-marxista da Nicarágua foi tão importante, que mostrou ao mundo o nascimento de uma nova Igreja Católica, uma igreja socialista, marxista e apoiante das revoluções dos pobres em todas as Américas, conhecida por Teologia da Libertação.

O movimento espalhou-se como um pavio por todo o sul da América andina e fez estremecer não só a Igreja Católica como a sociedade mais conservadora, até Washington, com Nixon a ordenar a invasão do Chile. Aliás, é no contexto e na confluência de interesses entre a política externa dos EUA e da Igreja Católica mais conservadora, que devemos entender o desfecho sanguinário do Chile do período de Salvador Allende. A entrada da Opus Dei em Santiago do Chile, em 1974, representa a consagração do Chile fascista à ala ultraconservador do catolicismo, e uma vitória não só sobre Allende, mas igualmente sobre a Teologia da Libertação.

A 12 de setembro de 1973, um dia depois do violento golpe de estado no Chile, apoiado pelos EUA, o derrube de Salvador Allende foi o primeiro parágrafo do relatório dos serviços secretos da CIA apresentado ao Presidente Richard Nixon. O President's Daily Brief (PDB) relata: “O Presidente Allende do Chile está morto e as forças armadas, juntamente com os carabineros, estão a trabalhar para consolidar o seu golpe bem-sucedido”, afirmava em breve resumo. Na primeira página do PDB, a CIA informava Nixon que os membros da nova junta militar “são todos líderes respeitados e experientes”, mas não apoiantes da democracia. De acordo com o PDB, “os novos governantes declararam o Congresso [chileno] em recessão”.

Mas, no dia em que os militares se movimentaram para derrubar Salvador Allende, o fatídico 11 de setembro de 1973, o que a CIA informou ao Presidente Nixon continua a ser TOP SECRET. 50 anos depois de um dos golpes militares mais infames da história da América Latina, o relatório de inteligência do PDB de Nixon sobre o Chile continua a ser classificado como informação sensível de segurança nacional. O PDB de Nixon de 8 de setembro de 1973, que se crê conter os relatórios iniciais da CIA e da Defense Intelligence Agency (DIA) sobre os preparativos específicos para o golpe de Estado dos militares chilenos, continua também completamente redigido, quase meio século depois.

Sublinho aqui os factos já abordados sobre a confluência de forças diferentes para estancarem a Revolução Chilena: A extrema direita chilena (de ascendência nazi), a Igreja Católica, os EUA e, por muito que nos custe dizer e reconhecer, a Maçonaria Chilena em conluio com a Maçonaria Brasileira e a Maçonaria Americana. Esta é a parte TOP SECRET do mesmo relatório.

O Presidente Nixon, tal como o relatório revela, tinha um interesse pessoal no golpe chileno. Três anos antes, a 15 de setembro de 1970, Nixon tinha dado ordens directas ao diretor da CIA, Richard Helms, para “salvar o Chile”, instigando um golpe militar para bloquear a tomada de posse do presidente eleito Salvador Allende, que tinha sido democraticamente eleito para o cargo a 4 de setembro de 1970. “Faça a economia gritar”, ordenou Nixon, de acordo com as notas de Helms sobre a reunião. “Trabalho a tempo inteiro, os melhores homens que temos.” Depois da tomada de posse de Allende, a 3 de novembro de 1970 ― apesar das operações clandestinas concertadas da CIA para raptar o comandante-chefe das forças armadas chilenas pró-constitucionais, o general René Schneider, que resultaram no seu assassinato ― Nixon reuniu o seu Conselho de Segurança Nacional para ordenar amplos esforços do governo dos EUA para desestabilizar a capacidade de Allende para governar. “Se houver alguma forma de destituir Allende”, aconselhou Nixon à sua equipa de segurança nacional, de acordo com um segundo conjunto de notas tomadas por Helms na reunião de 6 de novembro de 1970, “é melhor fazê-lo”. Dizia.

O que veio a seguir, o famoso milagre económico chileno, produzido pelos Chicago Boys do Neoliberalismo, liderados por Milton Friedman, foi o pagamento que os EUA fizeram aos féis amigos chilenos. Este “milagre” teve um auge em 1974-1980, e depois o Chile caiu numa recessão. o Milagre Chileno não durou muito tempo, pois com a estagnação e posterior recessão económica da América Latina o Chile viu-se sem saída diante da diminuição de horizontes de expansão de mercado. O país, que havia investido capital humano e financeiro no mercado externo, acabou por se tornar excessivamente dependente do seu bom funcionamento, tornando-se um agente desprotegido diante da baixa de preços no mercado global. Tal choque jogou o Chile numa complicada situação económica e social, onde mais uma vez o povo chileno teria de rever alguns conceitos e esforçar-se para vencer os problemas postos, até hoje.

Romam, MM

O relatório da CIA para o Presidente Nixon no dia do golpe militar no Chile ― encontra-se completamente censurado.

Com o 50º aniversário do golpe comemorado este ano de 2023, o Arquivo de Segurança Nacional dos EUA, apelou à administração Biden e à CIA para que desclassificassem totalmente os PDB e todos os restantes registos relacionados com as operações secretas no Chile. “O sigilo ao longo do tempo corrói a credibilidade, especialmente no que diz respeito à segurança nacional”, segundo as palavras de John Dinges, autor de The Condor Years e membro do conselho consultivo do Arquivo. “Continuar a esconder documentos importantes do público” depois de meio século, observou ele, “impede que se encontre uma resposta credível para as questões sobre as acções dos EUA no Chile”.

Roman, M.'.M.'.

Contra la Muerte

Gonzalo Rojas

Me arranco las visiones y me arranco los ojos cada día que pasa.

No quiero ver ¡no puedo! ver morir a los hombres cada día.

Prefiero ser de piedra, estar oscuro,

a soportar el asco de ablandarme por dentro y sonreír

a diestra y siniestra con tal de prosperar en mi negocio.


No tengo otro negocio que estar aquí diciendo la verdade

en mitad de la calle y hacia todos los vientos:

la verdad de estar vivo, únicamente vivo,

con los pies en la tierra y el esqueleto libre en este mundo.

¿Qué sacamos con eso de saltar hasta el sol con nuestras máquinas

a la velocidad del pensamiento, demonios: qué sacamos

con volar más allá del infinito

si seguimos muriendo sin esperanza alguna de vivir

fuera del tiempo oscuro?


Dios no me sirve. Nadie me sirve para nada.

Pero respiro, y como, y hasta duermo

pensando que me faltan unos diez o veinte años para irme

de bruces, como todos, a dormir en dos metros de cemento allá abajo.


No lloro, no me lloro. Todo ha de ser así como ha de ser,

pero no puedo ver cajones y cajones

pasar, pasar, pasar, pasar cada minuto

llenos de algo, rellenos de algo, no puedo ver

todavía caliente la sangre en los cajones.


Toco esta rosa, beso sus pétalos, adoro

la vida, no me canso de amar a las mujeres: me alimento

de abrir el mundo en ellas. Pero todo es inútil,

porque yo mismo soy una cabeza inútil

lista para cortar, pero no entender qué es eso

de esperar otro mundo de este mundo.


Me hablan del Dios o me hablan de la Historia. Me río

de ir a buscar tan lejos la explicación del hambre

que me devora, el hambre de vivir como el sol

en la gracia del aire, eternamente.


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