Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

11 de dezembro de 2018

Geometricamente Laico


O pensamento é dinâmico, e no momento em que cessar esta característica, ai de nós, humanidade pura e dura que acredita, e citando Daniel Béresniakque as certezas são estéreis e a inquietude é fecunda…, melhor dizendo, que não aceita as definições definitivas por impedirem a dedução verificada e corrigida pelos factos.
Desde as mais antigas Eras que os Geómetras (pronuncia-se Maçons) associaram a razão, intuição e imaginação para explicarem as coisas e o mundo para além da dimensão técnica e, estando eu grato por tais ensinamentos, vou relacionar a Geometria com uma das mais marcantes consequências desse acontecimento do Séc. XVIII que se designou por Revolução Francesa de 1789 que deu à Luz a chamada Laicidade.
Já sinto as farpas (lê-se certezas) dos que, estaticamente, aceitam as verdades por desígnios autoritários (Roma locuta, causa finita), mas que venham elas pois esta viagem vou encetá-la preparado para, sobretudo, errar (nunca mais me esqueci de um ditado Hassídico que diz…nunca perguntes qual o caminho a quem o conhece pois assim tu nunca poderás errar…) e depois corrigir se assim for necessário.
Geometricamente Laico! Paradoxo ou verdade ainda por descobrir? Vamos, então, debruçarmo-nos sobre as partes para vermos a Luz que tudo esclarece e domina.
Sabe-se que na Laicidade:
1- É convicção aceite por muitos que é inseparável da liberdade e tolerância e uma opositora feroz das representações totalitárias afirmando-se como universal ao transmitir-nos o saber independentemente das certezas dogmáticas.
2- Afirma-se também como uma aliada dos Mistérios Antigos que foram abafados pelas ortodoxias vigentes na Antiguidade.
3- Não reduz o indizível a ídolos recusando, portanto, uma espiritualidade monopolista. Etimologicamente significa Povo, ou seja, designa os que não pertencem às classes dominantes (clero e nobreza), secularizando assim o saber.
4- Não impõe nenhuma maneira de explicar as coisas garantindo a liberdade de consciência a cada um para o fazer e empurra todos para formularem mais perguntas do que obterem respostas.
5- Excluir quem em nome de quê não cabe no pensamento que usa a razão, ciência e progresso como pilares de um processo que conduz o indivíduo à livre escolha e à tolerância.
6- A espiritualidade não é monopólio de ninguém nem de nenhuma organização e a laicidade tem uma própria em que celebra a vida que se nutre pela passagem do que é simples ao diversificado.
7- Associa a lógica (racional) à analogia (poética e metafisica) sem haver dominação de uma sobre a outra, bem pelo contrário, harmoniza e potencia ambas.
8- Promovendo a singularidade depois de integrada no conjunto social, reconhece o indivíduo, não como o átomo social igual aos outros, mas como ser único capaz de produzir uma ideia ou palavra nova, quer dizer, alivia a velha tensão da identidade em que o Ser quer ser diferente mas também quer ser igual.
9- Alargando a educação e a cultura a tudo e a todos, contribui para que o maior e o melhor não esmaguem o menor e o pior ficando a realidade e a vida social ao alcance de quem quiser saber o que somos, onde estamos e para onde vamos.
10- Estimula o Produzir em vez do Reproduzir as verdades ditas e fechadas, melhor dizendo, promove o aprender a aprender e não a memorizar elevando o conceito de que a heterogeneidade é uma ventura e nunca o obstáculo.

 Por sua vez a Geometria:
11- Entende que a verdade é uma construção e um projecto com um senso a descobrir procurando detalhes para adaptar os comportamentos às necessidades.
12- Começou, exactamente, com o estudo preciso das metodologias que continham o pensamento arcaico da humanidade (os Mitos).
13- Os textos orgânicos dos Construtores-Maçons revelaram e remontaram a sua origem ao Egipto Antigo, Pitágoras e Euclides designando-a como a mãe das Sete Artes Liberais e não como a quinta ciência ou segunda do quadrivium (facto que foi ocultado pelas versões, ou Old Charges se lhe quiserem chamar, dos maçons ditos especulativos).
14- É tida como o sistema de referência fundamental a partir do qual se elaboram todas as acções morais, intelectuais e espirituais.
15- Permite ao homem medir a Terra, o Cosmos e todas as restantes coisas criando analogias e modelos matemáticos.
16- Ensina-nos que a dúvida e a refutabilidade nos podem levar a identificar e a evitar o erro.
17- Estabeleceu as regras do chamado espírito científico ao fundamentar-se numa base transitiva e reflexiva da dedução.
18- Os Geómetras (lê-se Maçons), bem para além de questões de ordem técnica, transmitiram-nos uma filosofia que une harmoniosamente, e obedecendo às leis da sabedoria, os traços confusos do espírito humano.
19- No seu ensino, a relação Mestre/Aluno é peculiar por não haver progresso sem discussão, ou seja, o Aluno aceita a demonstração do Mestre, não porque ela vem do Mestre mas porque lhe parece, lógica, deduzível e demonstrável.
20- Na transmissão do saber geométrico, a confiança e a submissão não são virtudes e a memória não tem senão um papel subalterno. As virtudes são a inteligência e o espírito crítico que, com os instrumentos-compasso e esquadro- projectam e agem de acordo com a espiritualidade racional.
 Postas estas reflexões sobre as partes, retomo a afirmação: Geometricamente Laico! Verdade já menos escondida mas ainda longe da última palavra (as viagens não terminam, permanecem). Não tiro conclusões (demasiado redutoras para tão complexo assunto), mas finalizo este Traçado perguntando a mim mesmo:
21- Sendo a Laicidade muito mais recente que a Geometria, não terá sido esta que abriu as portas àquela?
22- Não é a Geometria o resultado de uma espiritualidade adequada à realidade, pretendendo o homem aproximar-se da divindade criadora, ou seja, do indizível?
23- Não são, uma e outra, produtos inacabados de uma inacabada construção que, pela sua natureza, é incessantemente desconstruída?

24- A associação mitológica entre o sangue e a pedra (Caim foi o primeiro criminoso e o primeiro construtor ou a lenda de Hiram) não evidencia uma contradição que guiou para sempre os francos-maçons por lhes ter ensinado que aquela não é senão aparente e superficial pois sabemos que o fogo e a água, juntos e opostos, contribuem para que a Obra fique acabada?
25- Geometricamente laicos não afastamos a ignorância e aprendemos a não ser submissos nem às nossas paixões nem a autoritarismos patriarcais, ficando livres do nosso orgulho, vaidade, desejos de posse ou de sermos aprovados pelos pares para que, na construção do Templo, sejamos peritos na Arte Real, ou seja, na arte suprema a partir do que nos é dado?
26- Guiados pelo espirito geométrico (leia-se construção criativa) ou laico (leia-se conquistar o saber) não pode o trabalho sobre si-mesmo (sempre relacionado com os Outros e o Universo-ideia central da pedagogia iniciática) fazer-nos chegar à harmonia cósmica ou, se quiserem, à unidade primordial?
27- O espírito, geométrico ou laico, não será uma das ferramentas mais sólidas e capazes que o Maçom (construtor ou filósofo) tem à disposição para um manejo livre, tolerante, justo e fraterno?
Termino, convidando-vos  a reflectir sobre um pensamento de Goethe que diz…devemo-nos livrar dos grilhões da teoria para procurar a verdura da árvore dourada da vida


Diógenes de Sínope M∴M∴


Bibliographia
-Mainguy, Irène – “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire”, Dervy Édition-2003
-Béresniak, Daniel – «Le Gai Savoir des Bâtisseurs», Éditions Detard aVs- 2011
-Girardet, Raoul – « Mythes et Mythologies Politiques », Seuil-1986
-Fromm, Erich – « De La Désobéissance et Autres Essayes », R. Laffont Éditeur-1983
-Cobos, J. L. – “El Método Masónico”, Ediciones del Arte Real, Masonica.es-2012
-Béresniak, Daniel – «La Laïcité», J. Grancher Éditeur-1990

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