Nas várias áreas da “história oficial” estão consagradas abordagens e mistificações profundamente limitativas dos factos ocorridos e com intuitos de manipulação e de condicionamento das consciências dos povos.
Está suficientemente demonstrado que a “história oficial”, em todos os períodos em que existem registos, foi sempre escrita pelos vencedores e pelas forças hegemónicas que em cada momento desempenharam o papel de grandes potências político-económicas.
É partindo destes factos que podemos analisar melhor a “história oficial” da Maçonaria chamada especulativa que foi, numa apreciável parte, habilmente construída em clara subordinação a poderosos interesses políticos, religiosos e imperiais.
Por outro lado, importa sublinhar que essa história oficial está cheia de contradições e com diversos aspectos que colidem com a mais elementar sensatez.
Não existem registos anteriores a 1717, ao contrário do que acontece com diversas lojas inglesas e escocesas, de 3 das 4 lojas que nesse ano terão constituído a “ Grande Loja de Londres” e que mais tarde esteve na origem da Grande Loja de Inglaterra.
A excepção é a Loja “Ganso e a Grelha” que algumas escassas referências sugerem ter sido constituída em 1691.
A própria acção do reverendo James Anderson surge envolta em aspectos pouco claros, dado que é sistematicamente escamoteado que o início da sua actividade de compilação de vasta documentação maçónica se deveu a um trabalho pago pelo Duque de Montagu, tendo vindo a culminar poucos anos mais tarde, em 1723, na elaboração das Constituições apelidadas de Anderson, mas de que ele foi quase um mero redactor, dado que os verdadeiros inspiradores terão sido, segundo a ampla fundamentação do escritor Jean Barles, George Payne e Jean-Théophile Désagulier.
James Anderson era escocês e pastor presbiteriano, desempenhando as funções de capelão de uma loja em Aberdeen.
De acordo com as tradições maçónicas da época, os capelães e os médicos faziam parte dos quadros das lojas, mas não eram iniciados nem participavam, naturalmente, nas sessões.
Os capelães tinham como tarefa desempenhar funções religiosas como nos casos de falecimentos de obreiros da loja ou mesmo familiares directos e os médicos exerciam a sua função de apoio à actividade maçónica efectuando exames físicos a todos os candidatos à iniciação para detectarem qualquer deficiência física que impossibilitaria a realização dessa iniciação.
Ora, não existem quaisquer registos da iniciação de Anderson, o mesmo acontecendo com Désagulier.
Então, podemos estar perante a criação de lojas maçónicas por elementos que não eram iniciados, ou seja, que não eram maçons.
Também é curioso verificar que uma das características que marcou as Constituições de Anderson foi estipular que não poderiam existir na actividade maçónica discussões políticas e religiosas.
Esta disposição transformou-se, no plano teórico, num princípio basilar e referenciado como caracterizador da actividade maçónica, sendo apresentado pela história oficial como uma inovação das referidas constituições.
Acontece que estamos perante aquilo que se pode considerar um plágio, dado que o escritor Roger Dachez refere que os Regulamentos da Royal Society já estipulavam em 1660 que as discussões políticas e religiosas estavam banidas dos trabalhos desta sociedade.
Os factos históricos que se vão acumulando fruto das investigações de diversos historiadores e escritores maçónicos vão mostrando que a Grande Loja de Londres se constituiu como um dos elementos de consolidação da dinastia hanoveriana que acabava de ser colocada no trono inglês em detrimento da família real stuartista.
O rei, alemão, George I chegou a Londres sem sequer falar a língua desse país e ocupou o trono por via de um conjunto de lutas políticas internas, necessitando de agregar rápidos apoios nos vários sectores da sociedade.
Um dos sectores que cedo lhe despertou preocupação foi o facto de as lojas maçónicas inglesas, escocesas e até irlandesas estarem hegemonizadas por partidários dos Stuarts.
Naquele tempo, uma grande e decisiva parte da informação e formação da opinião pública por sectores que influíam no curso dos acontecimentos era feita nos jantares de convívio, nos serões dos bares e tabernas e ainda nas sessões das lojas maçónicas.
É um facto indiscutível que todos aqueles que estiveram na formação da Grande Loja de Londres e na elaboração das Constituições de Anderson eram declarados apoiantes do novo regime hanoveriano.
Aliás, não é por acaso que a criação da Grande Loja de Londres desencadeou imediatas contestações da parte da generalidade das lojas inglesas, escocesas e irlandesas, e sobretudo do líder da grande maioria das lojas londrinas Sir Christopher Wren, que foi um dos presidentes da Royal Society.
Coincidindo com o crescimento imperial da Inglaterra, a Grande Loja de Londres foi hegemonizada rapidamente por membros da família real e dos nobres a ela adjacentes, tornando-se com o decurso dos anos num instrumento importante do Poder político da Grã-Bretanha.
Neste contexto, um enorme esforço de propaganda imperial britânica divulgou repetidamente que a constituição da Grande Loja de Londres em 1717 constituía o nascimento da chamada maçonaria especulativa em substituição da até aí “maçonaria operativa”.
Esta consagração histórica desafia os aspectos mais elementares dos factos históricos e da própria inteligência humana.
Em nenhuma circunstância pode haver actividade operativa sem uma prévia actividade especulativa pela simples razão de que o pensamento precede a acção.
Por outro lado, está amplamente documentado que mais de um século antes da criação da Grande Loja de Londres foram admitidos não operativos na loja de Edimburgo St Mary’s Chapel, como é o caso em 1600 de John Boswell of Auchinleck e mesmo em Londres estão amplamente mencionadas, a partir de 1620, as chamadas lojas de “aceitação”.
Como é possível afirmar que a maçonaria especulativa nasceu em 1717 quando é nesse mesmo país que foi criada a primeira sociedade científica do mundo com emanação directa de um longo trabalho de especulação científica protagonizada por um grupo de cientistas de elevado nível de conhecimentos e que Robert Boyle nas suas cartas datadas de 1646/1647 apelidou de “ Colégio Invisível” e cujos membros eram na sua quase totalidade maçons?
A criação oficial da Royal Society em 28 de Novembro de 1660, tinha maçons como Sir Robert Moray, seu primeiro presidente, Elias Ashmole e Sir Christopher Wren que foram iniciados na primeira metade do secº XVII.
Não é provável que Boyle tenha sido maçon, embora fosse um companheiro de caminhada desse grupo de maçons e participante regular nas reuniões do chamado Colégio Invisível. E não é provável, porque Boyle escreveu em múltiplas cartas e documentos que não admitia fazer juramentos de qualquer espécie.
Portanto, se há momento em que se possa assinalar como criador da chamada Maçonaria Especulativa esse é a data da criação oficial da Royal Society.
Em 1929, a Grande Loja Unida de Inglaterra proclamou uma regra em 25 pontos, em que o 8º estabelece o seguinte:
“ Grandes Lojas irregulares ou não reconhecidas:
Existem algumas supostas obediências maçónicas que não respeitam estas normas, por exemplo, que não exigem aos seus membros a crença em um ser supremo ou que encorajam os seus membros a participar enquanto tal nos assuntos políticos. Estas obediências não são reconhecidas pela Grande Loja Unida de Inglaterra, como sendo maçonicamente regulares e todo o contacto maçónico com elas está interdito”.
Esta leitura suscita uma enorme perplexidade para quem divulgou durante os últimos séculos que na maçonaria não podiam processar-se discussões políticas e religiosas, à luz das Constituições de Anderson.
Onde está a liberdade de consciência para acreditar ou não acreditar em seres supremos?
Um dos factores principais desta clivagem entre a chamada “maçonaria regular” e a maçonaria liberal está na ausência por parte daquela de qualquer reconhecimento de obediências femininas ou mistas.
Nas últimas décadas, esta arrogância imperial tem vindo a desmoronar-se fruto da situação geral de enfraquecimento dessa corrente maçónica.
A influência da maçonaria dita regular na Grã-Bretanha, Estados Unidos e Canadá tem vindo a diminuir acentuadamente.
A maçonaria americana afastada das realidades da sociedade, envelhecida, reduzida a uma actividade convivial, presa a visões retrógradas e acentuadamente conservadoras, os seus efectivos que estavam situados em torno dos 4 milhões de membros em 1950 não serão hoje superiores a metade, de acordo com a análise publicada no nº de Maio/Junho de 2016 da Franc-Maçonnerie Magazine.
Nesse país, as lojas femininas são quase inexistentes e pratica-se a segregação racial, havendo uma obediência específica dos cidadãos negros, Prince Hall.
No que se refere à maçonaria inglesa realizam-se, na melhor das hipóteses, sessões de 2 em 2 meses.
As aberturas dos trabalhos das lojas são acompanhadas da leitura de um versículo da Bíblia. Não existe um orador, mas um capelão que recita uma oração no início e no fim das cerimónias.
A maçonaria inglesa está amarrada a uma visão bastante conservadora e desligada de uma sociedade em mutação acelerada, cada vez mais multicultural e cada vez menos religiosa.
Também neste país, a maçonaria tem uma ausência de debates sobre as questões sociais nas suas lojas, também se verifica um marcado envelhecimento dos seus membros e uma quase ausência de lojas femininas, com este quadro geral a transpor-se para países como a Austrália, Nova Zelândia, Canadá, África do Sul e Israel cujas obediências maçónicas estão estreitamente ligadas à Grande Loja Unida de Inglaterra.
É curioso verificar que um país onde esta tendência não se tem verificado é a Islândia, que é em todo o mundo aquele que tem uma maior percentagem de maçons.
Entretanto, lojas ligadas a obediências francesas estão a crescer em diversos países como a Inglaterra, a Irlanda, e os Estados Unidos, concretamente em Nova Iorque e em S. Francisco.
Iniciativas conjuntas têm sido realizadas como colóquios da Grande Loja da Califórnia com a participação do Grande Oriente de França, a Grande Loja Feminina de França e o Direito Humano.
Em Minnesota, também houve a participação de representantes do Grande Oriente de França numa conferência da respectiva Grande Loja.
No entanto, ainda não está no horizonte próximo o reconhecimento mútuo, mas que estão a desenvolver-se substanciais mudanças em importantes sectores da maçonaria americana isso é já um facto indesmentível.
De acordo com a escritora Cécile Révauger, no seu artigo publicado no já referido número da revista francesa, o desafio com que estão confrontadas as Grandes Lojas ditas regulares, é com uma redução de cerca de 85% do número dos seus membros desde a década de 1960, e que é acompanhada do seu envelhecimento inquietante, em que a idade média é de 71 anos.
Entre as causas detectadas para este acentuado declínio estão uma falha de recrutamento de novos membros, demissões frequentes, invocadas menores disponibilidades por razões profissionais e familiares, o crescente desinteresse por actividades associativas e o individualismo crescente da nossa sociedade actual.
Os maçons mais novos referem a monotonia das cerimónias, o pouco interesse prestado ao simbolismo, a ausência de investigação pessoal e de uma maior abordagem intelectual.
A maior parte das Grandes Lojas começaram a reagir, aumentando as acções caritativas para aumentar a visibilidade, sendo muitas destas acções geridas por fundações maçónicas, como são os casos da construção de lares para idosos, lares para estudantes universitários e a atribuição de bolsas de estudo a estudantes.
Como explicar que uma potência maçónica, como a Grande Loja Unida de Inglaterra, que é o exemplo mais flagrante de uma criação política, sendo dirigida desde o início por príncipes detentores do Poder político monárquico no seu país, possa assumir-se como a detentora de uma “soberania” que determina a interdição de contactos com quem tem “participação nos assuntos políticos”?
E quem conferiu à esta potência maçónica o poder internacional para ser a detentora dessa autoridade para decidir sobre quem é regular ou não?
É que para além da criação de uma grande loja para combater os stuartistas e poder desempenhar o papel de um instrumento político de ajuda à consolidação do novo poder hanoveriano, a Grande Loja de Londres passou a designar-se posteriormente como Grande Loja da Inglaterra, enquanto se constituiu na década de 1750 a Grande Loja dos Antigos não só como forma de contestação à hegemonia política e maçónica em desenvolvimento pela outra potência, mas também como resultado de alterações sociológicas significativas, nomeadamente um crescente número de emigrantes escoceses e irlandeses de meios socias mais humildes que não tinham possibilidade de aceder à Grande Loja de Inglaterra.
Mais tarde, e outra vez em função da política, o Duque de Sussex e o seu irmão Duque de Kent decidem colocar fim às suas querelas e como principais dignitários das Grandes Lojas dos Modernos e dos Antigos constituem em 1813 a Grande Loja Unida de Inglaterra.
Esta decisão é motivada, de novo, por razões de carácter político em reacção à Revolução Francesa e às campanhas posteriores das tropas napoleónicas, em que a monarquia britânica decidiu tomar medidas para que nenhuma ameaça reformista pudesse desenvolver-se em solo britânico.
Ao mesmo tempo, a aristocracia e a burguesia industrial estabeleceram uma frente política para erradicar qualquer ameaça revolucionária.
É neste contexto concreto, que surgiu a Grande Loja Unida de Inglaterra como um dos instrumentos de fortalecimento do Poder político ameaçado.
Conclusões pessoais:
- A criação da Grande Loja de Londres obedeceu a um mero expediente de luta política entre duas famílias que disputavam o trono inglês e britânico.
Esta criação representou uma cisão na tradição de funcionamento das lojas maçónicas de Londres e mesmo a nível da Inglaterra.
A Grande Loja Unida de Inglaterra, desde as suas origens, é o exemplo mais flagrante de dependência do Poder político, ao submeter-se à monarquia inglesa e ao ser por ela dirigida hereditariamente.
Este é outro facto demonstrativo da sua irregularidade à luz dos seus próprios preceitos contidos no citado ponto nº8.
- A elaboração das Constituições de Anderson pretendeu estabelecer parâmetros padronizadores da actividade maçónica, mas de cariz limitativo da discussão política e religiosa numa réplica, sempre escondida, de disposições já estabelecidas pelos regulamentos da Royal Society quase 60 anos antes.
Enquanto que a nível da Royal Society a erradicação das discussões politicas e religiosas pretendia salvaguardar a independência do trabalho científico num período da sociedade inglesa dilacerada por fracturas politicas e religiosas decorrentes da guerra, poucos anos antes, entre partidários da realeza e de um poder republicano (Cromwell), em 1723 o objectivo dessa interdição foi impedir que as lojas maçónicas se voltassem a transformar em espaços de discussão e de formação de opinião que pudessem tornar-se focos de contestação à nova dinastia hanoveriana.
- A distinção entre maçonaria operativa e maçonaria especulativa é uma invenção da Grande Loja Unida de Inglaterra para poder arvorar-se em criadora desta última e, assim, procurar desenvolver uma acção hegemónica e rentabilizadora da “patente” do invento.
Se há data que possa constituir um marco nessa viragem é a criação da Royal Society.
Simultaneamente, já vimos anteriormente que essas definições não são idóneas à luz de que o pensamento precede sempre toda a acção.
Como é facilmente compreensível, os tais operativos, muito antes de iniciarem a edificação das grandes obras, passavam longo tempo em discussões sobre o tipo de construção, os pormenores simbólicos e ornamentais, os cálculos arquitectónicos e de engenharia, etc…
É por essa intensa e prévia actividade especulativa/científica que os chamados operativos edificaram monumentos que ainda hoje apresentam toda a sua estabilidade de construção e com pormenores arquitectónicos quase irreprodutíveis.
Aquilo a que assistimos foi a uma transição gradual das lojas maçónicas ligadas ao ofício para lojas maçónicas ligadas, predominantemente, aos meios intelectuais.
E essa tradição iniciou-se e consolidou-se muito antes de 1717.
- A imposição que a “Regularidade” faz na necessidade em acreditar num ser supremo viola as Constituições de Anderson, como também as violam ter trabalhos maçónicos com a presença da Bíblia e a leitura de extractos seus na abertura e encerramento das sessões, como acontece na Inglaterra.
Isto são práticas irregulares !!!
- Finalmente, importa ter presente o acentuado declínio da chamada Maçonaria Regular.
A história das sociedades e as análises das organizações mostram que quem não acompanha o ritmo da vida fica pelo caminho.
As razões que têm determinado, em grande parte, esse declínio são caracterizadoras do estado actual das nossas sociedades e das alterações de valores que condicionam as práticas individuais e de grupo.
Estamos num momento muito adverso a valores humanistas e solidários e se não houver uma estratégia sabiamente concebida para intervir na sociedade e em defesa de grandes objectivos civilizacionais como a Democracia, a Liberdade e o Bem-Estar Social, seremos trucidados pela evolução impetuosa dos acontecimentos e descartados pelos cidadãos.
Fazer maçonaria hoje, é muito diferente de há 40 ou 50 anos.
Fazer maçonaria hoje é discutir política com P Grande e é intervir na defesa dos grandes valores que a humanização da sociedade exige.
Olhemos à nossa volta para os exemplos dos outros e tomemos medidas urgentes.
Se não o fizermos, seremos arrastados pela enxurrada dos tempos que correm !!!
José Marti M.'.M.'.
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