Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

11 de agosto de 2015

Quem pode combater o Fundamentalismo Financeiro?


O Título desta Prancha, adaptada de um trabalho que tenho em curso faz uns anos, e que deverá estender-se por mais alguns se assim o Grande Arquiteto do Universo permitir, pretende colocar-nos duas questões essenciais:

1)    Como podemos denunciar e combater uma nova forma de fundamentalismo que podemos designar como “Fundamentalismo Financeiro”?

2)    Quem na sociedade portuguesa contemporânea tem a responsabilidade de combater essa nova forma de Fundamentalismo?
 
Começo por indicar que nesta reflexão sigo interpretações desenvolvidas por um dos autores que me inspira desde os tempos em que escrevi a minha Tese de Doutoramento, já lá vão 16 anos. Trata-se de Jurgen Habermas, que para mim representa o grande reformador da visão Marxista clássica e a quem chamo de bom grado “o Grande Neo-Marxista”, ainda que essa seja uma designação discutível como todas as designações deste género.

Focando-nos na primeira questão, e refletindo de forma sumária sobre a existência de uma nova forma de “Fundamentalismo Financeiro”, podemos então adotar a visão de Habermas que nos auxilia a entender o fenómeno. Assim, assumamos que qualquer fundamentalismo obtém o seu espaço de crescimento na forma de movimento social com gênese num contexto de acentuadas contradições sociais que de forma dissimulada estabeleça baixos níveis de legitimidade do Estado e um profundo relativismo de valores.
Estes dois fenómenos, enfraquecimento da legitimidade do Estado democrático e a relatividade dos valores, conforme nos alerta Habermas, abre espaço a uma chamada “postura exclusivista” que reclamando para si alguma forma de exclusividade justifica, por sua vez, uma forte oposição a tudo o que não aceite os seus, e apenas os seus, conceitos de Verdade. Estes conceitos de Verdade são apresentados como as soluções para resolver as duas grandes críses: a crise da “legitimidade do Estado” e a críse de “valores fundamentais”.

Na história de Portugal e da Europa, podemos facilmente constatar uma recorrente invasão de fundamentalismos que estruturaram os seus princípios com uma pretensa “defesa dos valores fundamentais…” que assim se assumia como o protetorado exclusivo de algum conjunto de valores fundamentais fossem eles do cristianismo, ou de algum das suas fações, de um determinado conceito de Nação, ou até de Raça…

Os muitos fundamentalismos que observamos na nossa história da Europa e de Portugal, assumiram sempre uma conceção em que alguma fonte, um pensador, um livro ou uma disciplina, seria a única fonte de acesso à Verdade, assim como uma crença na sua irrefutabilidade fosse esta construída na inspiração de algum Verbo Divino fosse na legitimação de alguma alegada estrutura de conhecimento cientifico que os cidadãos comuns não podem entender.

Adicionalmente, todos os fundamentalismos negam a existência de erros na sua conceção de Verdade e transformam os seus canones, que podem ser livros sagrados ou autoridades cientificas alegadamente inquestionáveis, em fontes de irrefutável verdade histórica e/ou científica.

As Bíblias, sejam elas base de alguma religião ou, em sentido, figurado o Livro guia de alguma estrutura de pensamento, não são passíveis de diferentes interpretações sobre os seus conteúdos que são definidos como Dogmas.

No contexto de um qualquer Fundamentalismo, deixa de haver espaço para o livre exame e interpretação das ideias. O livre pensamento sobre as ideias base desse fundamentalismo é-nos apresentado como “apenas um exercício de filosofia” e refutado na sua validade, dado o desprestigio a que a Filosofia foi remetida na Era Moderna. Um claro sinal de Fundamentalismo é, portanto, quando sentimos que deixa de haver espaço para leituras diversas e flexíveis sobre um qualquer tema.

De uma maneira geral, como denuncia Habermas, os fundamentalismos surgem a partir das posturas conservadoras em que se manifestam dúvidas em relação à abertura racional do espírito humano, num debate em que nem todos podem participar. O Fundamentalismo nega a perspetiva de se chegar, através da discussão coletiva, ao melhor argumento ou a um consenso racional. Nega a participação de indivíduos de diferentes crenças sejam políticas, cientificas ou religiosas, no processo de definição de prioridades e ideias fundamentais.

Neste contexto há apenas espaço para uma visão dogmática e alegadamente detentora de uma verdade universal imutável.

Os líderes e fiéis fundamentalistas passam, desta forma, de forma pró-ativa a dar sustentação às suas campanhas neoconservadoras, normalmente para protegerem o status quo, marcadas também por uma agressiva exclusão de quem não for sancionado pelo grupo.

Venerável Mestre, Queridos Irmãos, até aqui tudo parece razoável ainda que possamos começar a questionar a relação destas observações com o Mundo profano e a realidade nacional. Afinal, há fundamentalismos em processo de domínio no Portugal contemporâneo?

Conforma nos alerta Habermas, a divisão cultural que sacode o Ocidente afeta a própria noção das identidades coletivas como as conhecemos desde a Revolução Francesa.

Para dominar a argumentação pública, surgiram na Europa novas formas de Fundamentalismo integrados num falso debate democrático limitado a duas visões que divergem somente em detalhes insignificantes e ocupam todo o espaço público com argumentos que não sendo racionais, dado não resultarem de nenhum processo de dedução transparente e compreensível, são sobretudo legitimados apenas por factores de influência social provinda do status imagético dos seus defensores. Os Fundamentalismos contemporâneos necessitam mais de grandes comunicadores mediatizados através do Poder de acesso aos mídia de massa, do que de pensadores geniais. A argumentação depende mais da credibilidade mediática de quem opina do que de argumentos acessíveis a todos os seres humanos que possam ser debatidos e rebatidos no espaço público.

Os Fundamentalismos contemporâneos não permitem debates públicos complexos com mais de duas visões alegadamente opostas ou apresentadas como opostas de forma acrítica. Os que definem que o debate público tem que ser realizado na base de dois opostos são os mesmos que estabelecem a proximidade desses dois opostos excluindo a diversidade de visões que é assumida como contraproducente. Opostos, apenas nos detalhes.

É assim que se defendem debates públicos estéreis sem pluralismo real assumindo que na realidade mediática, pressionada pelas audiências, mais de duas visões opostas impossibilitam o chamado “espetáculo democrático” e o “espetáculo da informação” que também Roland Barthes denunciou nos idos anos de 1970.

O Grande Paradoxo, porém, surge na pressão para que a neutralidade do Estado seja garantida através do ponto de vista das visões de mundo que só valem como legítimas para as decisões políticas se puderem ser justificadas à luz de argumentos acessíveis e simples. Ou seja, a própria defesa do estado democrático está encarcerada na pressão para a simplicidade em detrimento da complexidade. Ou seja, o argumento em defesa do Estado democrático está aprisionado na abordagem simplista dos pares de opostos. Qual programa de entretenimento da RTP1 “Prós e Contras” que serve como um exemplo claro deste fenómeno.

Como compatibilizar, de maneira positiva, a presença do pensamento alternativo e diverso com uma argumentação racional e democrática encerrada em apenas dois opostos?

Estamos perante o grande desafio de mostrar que as ideias minoritárias podem contribuir para o debate ético contemporâneo sobre os valores fundamentais  para o debate do Futuro do Estado democrático. Promover o Pluralismo na arena pública é o grande combate contra o discurso fundamentalista que vê, precisamente, na pluralidade um obstáculo para o debate público contemporâneo.

O fundamentalismo político domina os dois grandes partidos nacionais. Assume, em nome de uma alegada “governabilidade” a desvalorização dos argumentos de entidades minoritárias e assume, de forma agressiva, o “monopólio” da verdade sob uma alegação de “verdade técnica” detentora exclusiva da verdade política.

Neste contexto de reflexão pessoal, volto aos trabalhos mais recentes de Jürgen Habermas, principalmente a obra Entre Naturalismo e Religião (2007), que propõe uma conciliação de valores em oposição a uma retórica de conflito que nos permita ultrapassar o beco sem saída das dicotomias Habermas argumenta que o Estado democrático deve alimentar-se da solidariedade entre cidadãos que se respeitam reciprocamente como membros livres e iguais de uma comunidade política.

Este é um apelo simples que depende de algumas condições para que possa alterar de maneira positiva o atual estado do debate na esfera pública.
Este é um apelo, porém, que deve ser enquadrado no atual Fundamentalismo financeiro que domina a política nacional e limita o debate público.
 
Entre os dois grandes partidos nacionais, PS e PSD/CDS, impôs-se, de facto, uma visão fundamentalista.

Ou seja, estes dois partidos assumem, na sua melhor conveniência, a defesa do estado democrático pela pressão para a simplicidade em detrimento da complexidade gerada pela diversidade. Argumentam ambos, em defesa do Estado democrático, como se fossem os dois os únicos pares de opostos. Opostos nos detalhes pois que nas ideias fundamentais assumem uma nova forma de Fundamentalismo Financeiro a que subjugam todos os outros valores.

No contexto deste Fundamentalismo Financeiro, deixou de haver espaço para o livre exame e interpretação das ideias. O livre pensamento sobre as ideias base desse fundamentalismo é-nos apresentado como “apenas um exercício de filosofia” e refutado na sua validade, dado, outra vez, o desprestigio a que a Filosofia foi remetida na Era Moderna. A nossa continuidade no Euro é dada como uma opção política sem alternativa. A política de subjugação do Estado democrático ao primado dos mercados financeiros é dada como uma opção se alternativa.

Um claro sinal de Fundamentalismo como referimos atrás é, portanto, quando sentimos que deixou de haver espaço para leituras diversas e flexíveis sobre este tema. Trata-se de facto, do Fundamentalismo Financeiro.

De uma maneira geral, como denuncia Habermas, os fundamentalismos surgem a partir das posturas conservadoras em que se manifestam dúvidas em relação à abertura racional do espírito humano, num debate em que nem todos podem participar. De facto, quem consegue participar de forma contínua no mainstream da opinião em Portugal se tiver uma visão alternativa ao Fundamentalismo Financeiro?

Esta forma atual de Fundamentalismo nega a perspetiva de se chegar, através da discussão coletiva, ao melhor argumento ou a um consenso racional. Vejamos o que vai acontecer à Grécia.

Esta forma atual de Fundamentalismo nega a participação de indivíduos de diferentes crenças sejam políticas, cientificas ou religiosas, no processo de definição de prioridades e ideias fundamentais. Vejamos como se está a processar a campanha pré-eleitoral para o próximo governo em Portugal.

Neste contexto há apenas espaço para uma visão dogmática e alegadamente detentora de uma verdade universal imutável: os mercados financeiros são mais importantes que os valores fundamentais do estado.

Como combater, em síntese, este estado de coisas para não nos alongarmos neste texto de reflexão de índole maçónica?

Habermas indica-nos quatro tipo de pressupostos pragmáticos para uma nova forma de argumentação pública, que, na minha perspetiva, deve alimentar o debate sobre o Futuro do Estado democrático em Portugal:

1)    O Principio da Inclusão no debate público: ou seja, não pode ser excluído ninguém, desde que tenha vontade de dar uma contribuição no contexto de uma pretensão do Estado em que hajam qualquer indicio de validade controversa;

2)    O principio da igualdade  de direitos de comunicação: todos devem ter a mesma oportunidade e visibilidade para se manifestar sobre um tema;

3)    O princípio da exclusão da manipulação e do engano: os participantes no debate público têm de acreditar no que dizem;

4)    O princípio da ausência de coações: a comunicação deve estar livre de restrições que impeçam a formulação dos argumentos para o bem comum;

Deixo aqui este pequeno contributo ao debate dados os temas serem centrais nas preocupações de promoção da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.
 
Cícero, 2:.

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