Andrew Michel de Ramsay nasceu na Escócia, em Ayr, em 1686, segundo Ligou, ou em 1680/81,segundo Mackey.
O pai era padeiro na Escócia e foi referido por alguns autores como um eclesiástico anglicano, partidário dos Stuarts e arruinado pela revolução de 1688/1689.
A mãe seria descendente da família do Barão de Dun.
Fez os estudos de teologia, mas viveu toda a sua vida da hospitalidade e dos serviços prestados a destacados nobres e fidalgos, seja como preceptor junto, nomeadamente, do Duque de Wemyss, do Conde de Sassenage, dos Chateau-Thierry, do Duque de Bouillon e do próprio James III (do seu filho mais velho), seja como simples hóspede do arcebispo Fénelon, de Madame de Guyon ou do Duque de Sully.
Mesmo quando se deslocou a Inglaterra de 1728 a 1730 foi na casa de um familiar do Duque de Argyl que esteve.
Segundo Claude Guérillot, é nesta altura que terá sido iniciado na Loja Horn, em Março de 1730, pelo Duque de Richmond.
No entanto, André Kervella considera duvidosa a sua iniciação nesse ano, dado que a sua inserção nos meios maçónicos é muito anterior e, segundo este autor, esses meios nada tinham a ver com “ a imitação dos hanoverianos”(sic).
Do que não existem dúvidas é que em 1729 foi eleito membro da Royal Society, juntamente com Montesquieu.
Apesar de insistentes esforços e empenhados contactos nunca conseguiu ser admitido na Academia Francesa.
Ramsay fez tudo o que estava ao alcance junto dos meios políticos mais influentes para obter um título nobre e ser admitido como cavaleiro na Ordem de S. Lázaro.
É recebido cavaleiro da Ordem de S. Lázaro a 20 de Maio de 1723, por Louis de Bourbon, Duque de Chartres e regente de França. Aliás, quando foi admitido na Royal Society mencionou na sua assinatura o título de Cavaleiro de S. Lázaro.
Este título, o de baronete, é-lhe atribuído por James III a 23 de Março de 1735, segundo Alain Bernheim.
Por outro lado, André Kervella refere que em 1728 Ramsay tinha solicitado em Edimburgo um certificado de nobreza análogo ao que lhe tinha sido entregue, cinco anos antes, por James III, e foi-lhe recusado pelas autoridades escocesas.
Há, portanto, aqui um importante desencontro de datas sobre esta matéria entre estes dois autores.
A 23 de Março de 1730 foi admitido em Inglaterra no conhecido Spalding Club, sociedade de homens nobres e de forte posição social e económica, com elevada percentagem de maçons.
A 28 de Março de 1730, o jornal London Evening Post publicou uma notícia onde referiu que uns dias antes um conjunto de personalidades, entre elas Ramsay, tinha sido admitido numa cerimónia, no Palácio de Westminster, na “Antiga Sociedade de Franco- Maçons Aceitos”.
Em Paris, fez parte do Club de l’ Entresol, que era um círculo privado de discussão criado em 1720 numa cave de um hotel, daí o nome adoptado, na base do modelo de clubes ingleses, que abordava as questões políticas e económicas.
O Cardeal Fleury, primeiro-ministro, proibiu-o em 1731.
Ramsay foi autor de vários livros, sem grande sucesso de vendas à excepção das “Viagens de Cyrus”.
Aliás, toda a sua obra literária foi marcada pela influência do Arcebispo de Cambrai, Fénelon, do qual foi secretário.
Fénelon foi um grande protector de Ramsay e o seu guia espiritual.
Mais tarde fez parte do círculo de apoio directo, também com funções de secretário e de tradutor, ao Cardeal Fleury, primeiro –ministro de França.
Casou com Marie Nairne, filha de um barão inglês, com a qual teve dois filhos, um rapaz e uma rapariga.
Devido ao agravamento sucessivo do seu estado de saúde, com crises de asma cada vez mais frequentes, morreu a 6 de Maio de 1743.
Ramsay despertou sentimentos muito contraditórios entre diversas figuras suas contemporâneas e posteriormente em diversos autores de investigações maçónicas.
Voltaire no seu “Dicionário Filosófico” acusa Ramsay de recorrer frequentemente ao plágio.
Voltaire também fez fortes críticas ao facto de Ramsay possuir relações muito cordiais com o chefe da polícia parisiense, Hérault, que era o braço armado do Cardeal Fleury na repressão contra as lojas maçónicas.
François- Timoléon Bègne Clavel referiu que ele “era dotado de uma imaginação ardente, com muito saber de espírito e de urbanidade”.
Allec Mellor afirmou que “foi um doente mental, tido como tal por James III na sua correspondência, talvez um agente duplo, seguramente um franco-atirador”.
Schiffman e Brault descrevem-no como o filho de um padeiro que passou a vida a querer negar esta origem para obter honras reservadas à nobreza.
Schiffman e Robert Freke Gould chegaram a afirmar que Ramsay combateu integrado nas tropas hanoverianas em 1706 na Flandres, mas Kervella considera que não é possível encontrar qualquer prova desse envolvimento.
Ragon apelidou-o de “trânsfuga, na maçonaria como na religião”.
Face a este muito resumido esboço de enquadramento pessoal e histórico desta personalidade, importa abordar o facto concreto que o levou a ficar registado na história maçónica do século XVIII: o seu famoso discurso.
Segundo Bernheim, Ramsay escreveu várias versões do seu conhecido discurso.
A primeira versão foi lida numa sessão de loja a 26 de Dezembro de 1736.
A segunda versão, com diversas alterações, estava redigida para ser lida diante da Grande Loja.
Nesta segunda versão, a ideia que foi considerada tão original de incitar os maçons a estudar as artes e as ciências foi uma apropriação do conceito sempre tão defendido pelo Conde de Clermont quando em 1729 criou a “Sociedade das Artes”.
Françoise Weil publicou, em 1963, uma carta datada de 16 de Abril de 1737 que Ramsay enviou ao Marquês de Caumont que contem a terceira versão do discurso.
Claude Guérillot no seu livro “ La génese du Rite Écossais Ancien et Accepté” suscita a dúvida sobre a identidade da loja onde ele terá sido pronunciado.
Refere que naquela altura existiriam na cidade de Paris no máximo 5 lojas e que os dados mais relevantes apontam quase todos para que tenha sido na Loja de Saint Thomas au Louis d’Argent, fundada em 12 de Junho de 1726, e na sessão da eleição de Charles Radcliffe, Conde de Derwentwater.
Jean-Emile Daruty, no seu livro escrito em 1879 com o título “Recherches sur le Rite Écossais Ancien et Accepté” é perempetório em afirmar que foi nesta loja que o discurso foi efectuado, acrescentando que Ramsay desempenhou nessa loja as funções de Orador.
O entusiasmo despertado pelo discurso determinou que tivesse sido adoptada a decisão de que Ramsay o repetiria a 24 de Março de 1737 diante da assembleia da Grande Loja.
Ramsay solicitou, então, autorização ao Cardeal Fleury para efectuar o discurso diante da Grande Loja, enviando-lhe mesmo o texto lido anteriormente com o pedido expresso de que o analisasse e introduzisse correcções.
A resposta que obteve do cardeal foi de que o rei francês não queria que ele participasse.
Existem duas cartas de Ramsay ao Cardeal Fleury sobre esta questão com as datas de 20 e de 22 de Março de 1737.
Na segunda carta, Ramsay compromete-se a não frequentar mais as sessões maçónicas, submetendo-se à vontade do Cardeal.
A assembleia da Grande Loja não se realizou porque o cardeal mobilizou a polícia para impedir a sessão, que acabou por ser adiada.
R
amsay retirou-se para Saint Germain en Laye e escreveu o livro sobre os “Princípios da Religião Natural e Revelada” que só foi editado em 1751, em Londres, graças ao empenho de amigos ingleses.
Depois de deixar de frequentar os meios maçónicos, Ramsay dedicou-se a procurar as bases de uma religião reconciliadora da razão e da tradição.
A importância conferida ao discurso de Ramsay continua a suscitar muitas interrogações.
Desde logo, porque o discurso proferido é simplesmente um discurso característico de um Orador de uma loja numa alocução de boas-vindas destinadas a novos iniciados, conforme sublinha Claude Guérillot no seu já citado livro.
Nesse sentido, não tem qualquer fundamento a atribuição “oficial” do distintivo de inventor do escocismo maçónico a Ramsay.
Ramsay foi claramente o defensor de uma maçonaria elitista e de pertença exclusiva da fidalguia, procurando estabelecer uma versão cavaleiresca da maçonaria.
Inclusive, no seu discurso existe o objectivo de explorar o tema das cruzadas e de o enxertar no espaço maçónico.
Jean-Emile Daruty considerou que Ramsay se empenhou em estabelecer, cerca de 1728, nas lojas fundadas por Derwentwater, o rito maçónico tal como era praticado em Edimburgo pela Loja de Santo André e atribui-lhe a “importação” de outros graus como o Mestre Escocês, o Noviço, o Cavaleiro do Templo e o Arco Real.
Esta acção organizada de sectores da nobreza em procurar estabelecer uma estrutura maçónica elitista desencadeou reacções muito contundentes em 1737 dos sectores da burguesia em ascenção e que dispunha de uma capacidade económica muito forte perante estratos da nobreza já em clara decadência.
John Coustos, joalheiro, que mais tarde esteve preso em Portugal pela Inquisição devido precisamente às suas actividades maçónicas, foi um dos que encabeçou esse movimento.
Os sectores da nobreza pretendiam restringir a participação nas sessões maçónicas a quem não dispusesse do direito a usar espada e nesse sentido o ritual que Derwentwater procurou introduzir obrigava ao uso da espada.
Coustos contestou energicamente esta pretensão argumentando que a Ordem Maçónica é uma ordem da sociedade e não uma ordem da cavalaria.
Por outro lado, as lojas parisienses dispunham nessa altura da tradição de possuírem veneráveis vitalícios que não eram resultado de eleições, mas que tendo sido os fundadores de uma loja aí permaneciam enquanto fosse essa a sua vontade.
Ora, o escocismo vem distinguir-se dessa visão elitista e cavaleiresca ao defender as eleições para os cargos maçónicos e ao procurar fazer da Maçonaria uma ordem da sociedade.
Face aos factos históricos conhecidos, é legítimo interrogarmo-nos acerca das razões que terão feito Ramsay ceder às determinações do Cardeal Fleury e de lhe ter prometido, e cumprido, afastar-se das actividades maçónicas.
Num período da sociedade francesa, e também nas principais côrtes europeias, onde abundavam as intrigas, os jogos duplos e as conspirações, qual o verdadeiro papel desempenhado por Ramsay ?
Terão alguma razão os seus detractores sobre as suas actividades dúbias?
O que é fácil comprovar é que Ramsay defendeu uma concepção de maçonaria que foi derrotada pelo desenvolvimento impetuoso que ela teve nos séculos XIX e XX.
A génese do Rito Escocês Antigo e Aceito é demasiadamente complexa e com um grau de sofisticação ritual que não têm nada a ver com o conteúdo do discurso proferido por Ramsay.
De facto, são claras as referências de vários autores sobre a existência de ritos praticados por algumas lojas na Escócia e também na Irlanda que já nessa altura possuíam mais de 3 graus.
A Maçonaria nunca viveu imune às convulsões sociais e políticas, antes sofreu delas impactos violentos que determinaram rumos diferentes consoante os momentos históricos que tem atravessado.
A leitura das versões do referido discurso não permite vislumbrar qualquer elemento estruturante do Escocismo e do Rito Escocês Antigo e Aceito.
Basta ler o livro publicado o ano passado sobre os cadernos manuscritos do Conde Clermont, datados de 1768, onde já está estruturado um rito com 33 graus, para verificarmos a completa insignificância daquele discurso junto de documentos deste tipo ou mesmo face ao “Rito da Perfeição”, com os seus 25 graus, elaborado por Etienne Morin e Henry Francken.
Como terão aparecido o mito do discurso e a hipertrofia do papel de Ramsay são duas matérias que deverão ser aprofundadas na perspectiva de, eventualmente, se encontrarem explicações plausíveis.
Os arquitectos do Rito Escocês Antigo e Aceito integraram várias gerações ao longo de quase três séculos, com um labor de elevado nível filosófico, iniciático e intelectual, labor esse insusceptível de se resumir a um discurso supostamente fundador.
Muitos deles estão apagados da história oficial deste rito, mas a persistência em repetir mitos sem margem convincente não honra a memória desses arquitectos que nalguns casos ainda hoje não são susceptíveis de identificação como é o caso dos “Jardineiros da Rosa”.
José Martí, M:.M:.
Bibliografia:
- Claude Guérillot, “La génese du Rite Écossais Ancien et Accepté”.
- Jean-Emile Daruty, “Recherches sur le Rite Écossais Ancien et Accepté”.
- Alain Berheim, “Ramsay et ses deux discours”.
- André Kervella, “Le chevalier Ramsay”.
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