Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades
Há 500 anos, Luis de Camões escreveu que:
Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades.
Há 2500 anos, o filósofo pré-socrático Heraclito de Éfeso, cidade da Jónia, actual Turquia, escreveu que:
- Nada é permanente, excepto a mudança.
- Tudo flui. Tudo está em movimento e nada dura para sempre.
- Ninguém entra em um mesmo rio uma segunda vez, pois quando isso acontece já não se é o mesmo, assim como as águas que já serão outras.
Heraclito é considerado o “pai da dialéctica” e desenvolveu a doutrina da unidade dos contrários, considerando que a “lei secreta do mundo” reside na relação de interdependência entre dois conceitos opostos em luta permanente, mas que, ao mesmo tempo, não podem existir um sem o outro.
Perante estas tomadas de consciência em tempos tão longínquos, resultantes da constatação prática do pulsar da vida ao longo de muitos séculos e das experiências acumuladas por diversas civilizações, parece que nos dias de hoje nada disto está presente para a grande maioria dos cidadãos.
Sendo o mundo composto de mudança, mostra a história que não existem direitos nem conquistas sociais adquiridas.
No nosso país, vivemos em Democracia há 50 anos, mas a Democracia e a Liberdade não são conquistas irreversíveis, necessitando sempre de ser cultivadas, acarinhadas e permanentemente defendidas.
No entanto, há que manter bem viva a memória democrática de que anteriormente existiu uma ditadura que oprimiu a nossa sociedade durante 48 anos.
A história está cheia de exemplos dramáticos de regimes democráticos liquidados.
Hoje, por toda a Europa, assiste-se ao recrudescimento dos movimentos fascistas que numa percentagem apreciável de países já se encontram nos respetivos governos.
Esta situação muito preocupante é o resultado direto da falência do projeto da Europa Social e a sua transformação numa dependência mercantilista de tráfico dos direitos de cidadania.
Já nas décadas de 1920 e 1930, os movimentos fascistas foram adquirindo gradualmente uma maior relevância política e eleitoral, acabando por dominar a grande maioria dos países europeus.
Seguiu-se a II Grande Guerra que constituiu o maior pesadelo da atual civilização, com mais de 50 milhões de mortos e a destruição generalizada de dezenas e dezenas de países.
A progressiva hegemonia politica, económica, ideológica e cultural do chamado neoliberalismo, representou a liquidação do chamado período de ouro do capitalismo internacional, particularmente no continente europeu, e tem provocado um crescimento contínuo das desigualdades sociais e do desemprego, além de criar condições muito claras para este recrudescimento da extrema-direita.
De 1945 a 1975, o chamado período de ouro do capitalismo baseou-se na corrente económica keynesiana.
Este período, marcado por políticas sociais, conduziu à criação do chamando Estado Social, de Bem-Estar ou ainda à designação de alguma forma pejorativa do “Estado Providência “.
Depois da grave crise económica de 1929, grande parte dos liberais, com Keynes à cabeça, consideraram indispensável que o Estado tivesse uma intervenção direta na economia para corrigir os erros do liberalismo económico desregulado.
Aliás, nos Estados Unidos, a resposta encontrada para reerguer a economia deste país e minimizar as dramáticas consequências sociais foi o estabelecimento de um plano de recuperação económica iniciado em 1933, desenvolvido por Franklim Roosevelt com a designação de New Deal.
Este plano visou a ampliação da ação de Estado na economia ao controlar a produção e ao realizar obras públicas para empregar aqueles que tinham perdido o seu trabalho à custa da crise.
As atividades do New Deal seguiam as ideias preconizadas por John Keynes e tinham como principais características a intervenção do Estado na economia, a criação de sindicatos para facilitar as negociações entre trabalhadores e patrões, a construção de obras de infraestruturas para gerar empregos e rendimentos, estimulando o mercado consumidor, e a criação da Previdência Social para garantir um salário mínimo para idosos, inválidos e desempregados.
Em 1938, realizou-se em Paris o chamado colóquio “Walter-Lipman” para definir soluções para a ineficácia das políticas liberais face ao medo de um intervencionismo económico crescente. Foi neste colóquio que Alexander Rustow falou pela primeira vez em “neoliberalismo”.
Em 1942, foi publicado o Relatório Beveridge na Grã-Bretanha que defendeu a ideia de aumentar a intervenção direta do Estado na economia para garantir os direitos sociais mínimos para todos os cidadãos. Estes serviços seriam financiados com impostos proporcionais à riqueza.
Em 1945, Hayek publicou o livro “ O caminho da servidão” para combater as propostas do relatório Beveridge.
No combate intenso contra a política keynesiana criaram-se 3 escolas económicas.
A escola austríaca teve como principais ideólogos Ludwing Mises, Friedrich Hayek e M. Rothbard.
A escola alemã teve como principais ideólogos Wilhelm Ropke, Alexander Rustow, Walter Eucken e Franz Bohm.
Esta escola também ficou também conhecida por Escola de Friburgo ou por ordoliberalismo, dado que as suas reuniões se iniciaram em torno da revista Ordo.
Depois da II Guerra Mundial apareceu uma nova corrente: a escola de Chicago com Milton Friedman como seu principal ideólogo.
Desde 1947, Ropke , Hayek e Friedman uniram-se na Sociedade Mont Pelerin , presidida pelo Hayek, que desenvolveu uma intensa conspiração política e económica contra todas as políticas sociais.
Na sua permanente campanha contras políticas keynesianas, um dos argumentos difundidos para denegrir Keynes foi de este economista era um perigoso socialista radical.
Ora, Keynes era ideologicamente um conservador, um elitista, contrário a nacionalizações e a uma excessiva regulação económica.
Esteve sempre vinculado ao Partido Liberal britânico e foi um “produto” da Universidade de Cambridge, com a qual manteve uma estreita relação toda a sua vida.
Tinha um círculo íntimo de reflexão formado pelo grupo Bloomsbury, onde se encontravam também Lytton Strachey, Leonard e Virgina Wolf e o pintor Duncan Grant.
John Keynes liderou a delegação britânica na Conferência Bretton Woods que em 1944 pretendeu estabelecer novas regras de estabilidade das finanças internacionais depois da II Guerra Mundial e que mais tarde deu origem ao FMI e ao Banco Mundial.
Keynes, não só colocou a justificação teórica de que o Estado Social é economicamente sustentável como pôs em evidência a necessidade dele ser criado para poder manter um sistema económico baseado na iniciativa privada e na liberdade de mercado.
Era o princípio de “ proteger o capitalismo de si mesmo “ .
O anti keynesianismo concentrou-se na London School e na Universidade de Chicago.
As últimas 4 décadas, de supremacia neoliberal, têm demonstrado de uma forma marcante que as políticas de austeridade só têm servido para aprofundar as desigualdades sociais e a exclusão social, bem como aumentar o desemprego e o número de seres humanos condenados à pobreza.
Na essência criadora do neoliberalismo estiveram claros pressupostos ideológicos de extrema-direita, desde logo porque os seus mentores eram todos oriundos dessa área política.
No seu livro “O Liberalismo”, em 1927, Mises elogiou o fascismo italiano.
Hayek foi o primeiro a reconhecer a contraposição entre democracia e neoliberalismo no seu livro “ o caminho da Servidão” ( bíblia do neoliberalismo).
Hayek , numa entrevista ao jornal El Mercúrio (12/4/1981) referiu que “ a minha preferência pessoal é uma ditadura liberal e não um governo democrático onde todo o liberalismo está ausente”.
Entretanto, o facto marcante e que Importa, desde logo, ter bem presente é que a experimentação prática das medidas estruturais e ideológicas do neoliberalismo só foi possível num país, como o Chile, que estava submetido a uma feroz ditadura fascista na sequência do golpe sangrento do Pinochet.
Quando Pinochet saiu do poder, em 1990, o índice de pobreza no Chile era de 40%.
Depois deste “teste” no Chile, os expoentes dinamizadores deste modelo no plano internacional foram M. Thatcher e Reagan, desenvolvendo a sua ofensiva político-ideológica violenta em quatro direções principais: completa liberalização do mercado, as múltiplas privatizações, a procura da destruição do papel dos sindicatos e a implantação de uma reforma tributária de escandalosa de proteção aos grandes rendimentos.
Esta política foi desenvolvida na base de uma profusa campanha de propaganda, procurando culpar os cidadãos como os responsáveis pela necessidade de adotar essa política neoliberal ao acusá-los de viverem acima das suas possibilidades e de esbanjarem recursos.
O tão propalado objetivo das forças neoliberais em defender a redução dos impostos , visa aumentar o défice público e com isso dispor de uma justificação aos olhos dos cidadãos para exigirem as privatizações dos serviços sociais de caráter público.
Simultaneamente, a ofensiva ideológica deixou de esconder os seus reais objetivos ao proclamar o seu princípio de pensamento único.
Daí, estarmos hoje confrontados com múltiplas e muito perigosas ameaças à Democracia e à Liberdade.
Com avultadas quantidades de dólares, Steve Bannon, chefe de estratégia da Casa Branca e assessor político especial de Donald Trump andou alguns anos a deambular por diversos países europeus e latino-americanos a organizar os movimentos fascistas e a montar esquemas de financiamento para as suas atividades de sabotagem das instituições democráticas e de descredibilização dos partidos políticos chamados de “tradicionais”.
Steve Bannon é o fundador do “The Movement” que é um agrupamento político cujo objetivo fundamental é criar uma grande aliança de extrema-direita europeia com as ideias chave do eurocepticismo, liberalismo económico e o populismo.
Uma das características dos movimentos fascistas é fazerem múltiplas promessas de vida esplendorosa se chegarem ao poder, aproveitando o desespero das classes trabalhadoras e em particular da classe média.
Hitler prometeu um carro para cada alemão e até criou uma marca própria de automóveis e Pinochet assegurou que ia fazer de cada chileno um empresário.
Os dramáticos resultados finais são bem conhecidos.
A manipulação informativa conduz à atomização da sociedade, convertendo-a numa massa amorfa. E este amorfismo misturado com crescentes níveis de ignorância cria uma vulnerabilidade extrema nos cidadãos, tornando-os facilmente recetivos a todas as formas de propaganda.
Esses movimentos fascistas procuram seduzir sectores das forças militares, militarizadas e do sistema judicial na perspetiva de poderem usufruir no futuro de algum grau de impunidade relativamente às suas ações de terrorismo ou de afronta à ordem legal.
Um dos seus métodos característicos para ganhar simpatias é colocar-se contra os partidos políticos e contra a política em geral.
Nesse sentido, o fascismo procura criar organizações com currículo limpo de tarefas governativas, criando a imagem de um substituto desejável dos velhos partidos.
Cria novos partidos para não ter um passado igual aos outros.
O fascismo é o resultado do fracasso do sistema democrático para resolver os problemas políticos, sociais e económicos e surge também da acumulação do desespero pessoal e social.
A desilusão geral com as políticas seguidas leva à falta de resistência por parte das várias classes sociais.
A incerteza económica, social e a insegurança são condimentos para a progressão do fascismo.
Nessa sua intervenção, as suas táticas fundamentais são desumanizar e exorcizar o inimigo, recorrer à mentira sistemática, criar de si próprios a imagem de justiceiros, desenvolver a teoria dos bons e dos maus e mais recentemente a utilização do “lawfare” como forma de instrumentalização do direito para fins de perseguição política.
Por exemplo, actuais “fake news “ tiveram a sua origem nos 11 princípios da propaganda nazi desenvolvidos pelo sinistro Goebbels.
Perante este horizonte tão sombrio, coloca-se uma questão nuclear: que ações devem desenvolver os democratas e concretamente os livre pensadores e as livre pensadoras para impedir as forças de extrema-direita de concretizarem o cerceamento das liberdades democráticas e o retorno a um regime repressivo e obscurantista?
Existem perspetivas de que onde estiver um maçom ou uma maçona está a Maçonaria.
Tal conceito é uma enorme mistificação!
Como muito bem diz a sabedoria popular: não é uma andorinha que faz a Primavera.
No mundo tão complexo e contraditório como aquele em que vivemos é forçoso ter bem a noção que qualquer obra implica trabalho pensado, articulado e devidamente organizado.
No sítio onde está um maçon tem de estar um exemplo de cidadão.
Para prestigiar a Maçonaria junto da opinião pública tem de haver obra feita que seja claramente identificada connosco e não com uma pessoa em particular porque em último caso é ela que se prestigia individualmente.
A mesma mistificação acontece quando alguns persistem em considerarem que primeiro houve a maçonaria operativa e despois a maçonaria especulativa.
Ora, qualquer atividade operativa é sempre precedida do exercício especulativo, porque é da vida humana que o pensamento precede a ação.
Quando os arquitetos eram incumbidos da construção de catedrais, verificava-se, com larga antecedência, por vezes anos, febris discussões de engenharia, arquitetura, simbologia e escolha de materiais para iniciar a construção do edifício.
Por outro lado, quem fazia tais discussões eram indivíduos já altamente intelectualizados e com conhecimentos técnicos e científicos só ao alcance das classes mais abastadas.
Na chamada maçonaria operativa não havia um local permanente, as lojas instalavam-se em redor dos locais das grandes construções, o que aí se veiculava era a nível oral e os arquivos eram destruídos todos os anos.
Precisamos de maçons que plantem acácias no exterior e que não venham plantar intrigas no interior, precisamos de maçons que construam “catedrais” e não capelinhas.
Torna-se urgente desencadear amplas reflexões em torno de problemas determinantes no futuro imediato que já está aqui à nossa frente.
Temos de discutir nas sessões Política com P, excluindo problemas partidários
Importa, com a máxima urgência, contrapor uma política humanista de fortalecimento do Estado Social, da coesão social e de proteção da dignidade de vida dos cidadãos que vivem do seu trabalho.
A construção europeia e a sua refundação noutras bases viradas para uma Europa Social, com políticas públicas fortes, com Estados centrados no aprofundamento da coesão social, além de mais democracia e mais participação dos cidadãos.
Temos de estruturar um pensamento contra todos os fundamentalismos.
E temos de nos assumir como os principais arautos da Paz, contra todas as guerras e pela coexistência pacífica entre os povos e países.
Simultaneamente, colocam-se hoje desafios de enormes implicações civilizacionais como, por exemplo, a inteligência artificial, que exigem a nossa participação e reflexão.
Arregacemos as mangas e coloquemos mãos à obra porque o futuro já é presente.
José Martí, M.'.M.'.
Resp.'. L.'. Salvador Allende a Or.'. de Lisboa
Conferência proferida na celebração do aniversário de uma loja da GLFP
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