DISRUPÇÃO PRECISA-SE!!
Para melhor conhecer e agir num mundo em rápida mudança
O Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, define “disrupção” como sendo “uma faísca que se solta entre dois corpos eletrificados”.
Mas na literatura económica mais recente, este termo tem sido utilizado para definir um processo inovador, resultante de uma mudança de atitude organizacional que permite transformar um produto ou serviço caro e de mercado limitado, noutro mais acessível e barato, capaz de gerar um mercado muito mais amplo que o anterior.
Um exemplo clássico referido nas aulas de economia é o sucedido com a evolução dos computadores.
De início, grandes máquinas caras e complicadas, só utilizáveis por organizações públicas e privadas com muitos recursos e exigindo a sua operação por pessoal altamente especializado. Depois, a pouco e pouco chegaram os desktops, os laptops e, hoje, os smartphones. A investigação, a acumulação de conhecimento e a criação inovadora, permitiram a sua simplificação e o seu uso generalizado por utilizadores sem qualquer formação específica.
Estes processos disruptivos são a causa frequente do desaparecimento de muitas empresas tradicionais que, não se sentindo imediatamente afectadas pelo aparecimento de concorrentes inovadores, mantêm inalterada a sua actuação ignorando as consequências futuras geradas pelo crescimento de novos mercados que acabam por as absorver ou mesmo forçar a sua extinção. A DEC – Digital Equipment Corporation, uma empresa americana de computadores, é um exemplo e um caso de estudo, porque cresceu consistentemente até ter um volume de vendas de 14.000 milhões de dólares e uma força de trabalho com mais de 130.000 funcionários em todo o mundo, mas acabou por desaparecer por não ter sabido implementar as mudanças necessárias para acompanhar a evolução tecnológica e resistir à concorrência do mercado.
Mas será apenas no tecido económico que se verificam estas situações? É apenas entre as empresas que o imobilismo e a autossatisfação com a manutenção do “status quo” conduz à desgraça?
Recordando um dos mais célebres debates televisivos do século passado, direi: “Olhe que não doutor! Olhe que não!”
De facto, vários estudos já realizados comprovam que nos últimos 50 anos, a maioria das organizações sociais, políticas e religiosas, viram o seu número de membros diminuir significativamente, em muitos casos entre 25% e 50%.
E embora tais números reflitam menos participação e menor compromisso, a verdade é que eles não têm apenas uma dimensão moral, são também o resultado de uma mudança global ocorrida nas nossas sociedades, fortemente influenciada por um acelerado desenvolvimento tecnológico que veio alterar não só os modos de produção e as relações de trabalho, mas ainda as formas de relacionamento social e os tradicionais padrões comportamentais e comunicacionais.
Tudo isto se aplica igualmente à Maçonaria, como bem atestam as estatísticas referentes à evolução do número de membros das mais importantes Obediências mundiais.
É o caso da América do Norte, cujas cerca de 50 Grandes Lojas tinham mais de 4 milhões de membros em 1960 e contabilizavam em 2017 pouco mais de 1 milhão, estimando-se que serão apenas 320.000 os obreiros activos. No Canadá, a redução não foi menos drástica, passando de 250.000 maçons ativos para pouco mais de 35.000 em 2020. A Inglaterra, contava no início dos anos 50 com uma comunidade de cerca de 500.000 maçons, passando para apenas 193.500 em 2020. Uma redução de 46% que também explica o facto de só entre 2010 e 2019 terem sido fechadas 850 Lojas. Outro exemplo do preocupante declínio do número de obreiros é o da Austrália. Em 1980 as suas seis Grandes Lojas tinham 230.000 membros e em 2020 apenas 30.200.
A par com a redução de membros, outro fenómeno se verifica: a fragmentação das Potências Maçónicas, com o aparecimento de novas Obediências e de novos Ritos (em Portugal já são 21!), que nem sempre dão bom exemplo dos princípios e valores da Ordem (como notícias recentes deram conta haver também por cá).
É neste quadro que se tem de encarar a evolução da NAO, vendo o futuro com confiança e determinação, mas também com um límpido olhar sobre o mundo que nos rodeia.
Um mundo em rápida mudança e que está como nunca à beira do abismo.
O acelerado crescimento da população mundial (estima-se que ultrapassaremos os 8.000 milhões antes de 2025 e os 9.000 milhões antes de 2050) , a dramática aproximação do “ponto de não retorno” nas alterações climáticas, o aumento das situações de crise sanitária, temendo-se que depois da pandemia do COVID19, outras pandemias possam sobrevir (a comunidade científica está a estudar com enorme preocupação as milhares de bactérias libertadas pelo degelo dos glaciares e das calotes polares), e o aumento das desigualdades entre pessoas, comunidades e países, impõem a todos aqueles que estão vivos e atentos, como devem estar os Maçons, uma intervenção activa, séria e fundamentada.
É verdade que o PIB mundial registou um aumento exponencial nos últimos 70 anos. Em 1981, 44% da população mundial vivia em pobreza extrema. E em 2015 esse número tinha já descido para 10%.
Mas esse crescimento económico exponencial, acompanhado pela aceleração do crescimento demográfico, causaram um tremendo impacto sobre o planeta e sobre a vida humana.
Em resultado das atividades humanas, a emissão de gases com efeito de estufa e a concentração de CO2 na atmosfera está 80% acima do normal (416 ppm).
As perdas económicas resultantes de fenómenos meteorológicos extremos a nível mundial aumentaram 86% entre 2007 e 2016 (117 mil milhões de EUR em 2016) e as últimas projeções tornadas públicas no âmbito da COP27, confirmam uma inesperada aceleração e multiplicação desses fenómenos.
Na Europa, a progressão da seca – na Península Ibérica, mas também em países do norte como a Alemanha ou a Roménia – está a desertificar vastos territórios e a arruinar a sua agricultura. Isso deve-se sem dúvida às alterações climáticas, mas também a erradas políticas agrícolas, de ordenamento do território e de gestão dos recursos.
Usa-se hoje no mundo, a cada 3 minutos, o metal equivalente a uma torre Eiffel. E as estimativas de extinção (ou impossibilidade de extração e utilização) de alguns recursos não renováveis são dramáticas: Prata – 2029 / Cobre – 2044 / Gás – 2047 / Petróleo – 2049 / Carvão – 2054.
No plano da saúde global, a pandemia do COVID19, considerada por muitos como um efeito secundário da degradação planetária, traduziu-se numa tragédia também global. Não só pelos seus milhões de infetados e mortos, mas também pelos mais de 3000 milhões de pessoas com acesso insuficiente a saneamento básico e pela pressão inédita nos sistemas de saúde que provocou a interrupção no combate a doenças endógenas crónicas, como é o caso de África em que a suspensão do combate à Malária causou um aumento de mais de 100% da mortalidade com esta doença.
O combate aos efeitos sociais e económicos da pandemia, e mais recentemente da guerra na Europa, obrigaram a alterações profundas nas prioridades orçamentais da maioria dos países. Mas apesar disso, quase metade da população mundial continua a viver com menos de US$ 5,5 por dia, enquanto os 10% mais ricos se apropriam de 52% da riqueza mundial. Apenas 62 bilionários acumulam hoje tanta riqueza como os 3,6 mil milhões mais pobres do planeta. Não espanta por isso que a fome mate anualmente mais de dois milhões de pessoas!
Assoberbado com a vertiginosa circulação de informação e desinformação, individualista e fragmentado, o mundo de hoje requer, para melhor o compreendermos e nele agirmos bem, um olhar diferente e uma atitude inovadora, disruptiva.
Um olhar atento sobre o mundo profano que impõe a cada um que intervenha com os meios de que dispõe, da base ao topo, para reduzir as crescentes e gritantes desigualdades sociais, o impacto negativo da acção humana sobre o ambiente, ou o desamparo das populações atingidas por grandes desastres ambientais ou conflitos militares.
Pode reclamar-se, e justamente, que a Ordem, e o GOL em particular, estude e se pronuncie publicamente sobre estes e muitos outros temas (como a defesa da democracia e os projetos de revisão constitucional, realçados na última Prancha apresentada na nossa Oficina).
Mas isso não deve servir de desculpa ou consolo para a omissão e a inação no plano individual, antes exigindo uma forte preocupação de que a intervenção dos Maçons no mundo profano reflita o seu lema de liberdade, igualdade e fraternidade e os seus princípios de justiça e solidariedade. Porque nem a Maçonaria nem os Maçons podem ser meros espectadores ou até agentes coniventes com a ganância, o egoísmo e a maldade que avassalam o mundo.
E será também imperativo que olhemos para dentro e sejamos capazes de aliar a tradição à modernidade, com uma atitude disruptiva, inovadora, que nos coloque sem hesitações no pelotão da frente das Obediências liberais, acompanhando as práticas mais progressistas dos Grandes Orientes da Bélgica e de França ou das correntes adogmáticas da América do Sul e do Norte, como a George Washington Union, uma Obediência mista com quem o GOL irá firmar um Tratado de amizade, cooperação e intercâmbio.
Porque, como nos diz Cipriano de Oliveira, “os desafios que neste século XXI se colocam à Maçonaria, são aqueles que se colocam à sociedade em geral”, justificando que esta se empenhe em “encontrar respostas, se possível de forma pioneira” e isso “não significa o renegar das tradições nem a história, mas ter em mente que a mudança faz parte dos ciclos sociais e políticos” . E como escreve Peter Drucker, uma das mentes mais ilustres da gestão corporativa, com e sem fins lucrativos, “a organização que não inova, inevitavelmente declina e desaparece”.
Cândido, M:.M:.
Resp.'. Salvador Allende
Muito interessante e inteligente o artigo... estou repassando-o aos meus contatos aqui no Brasil..GRATO pelo compartilhamento !
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