“ Humanismo Maçónico, as crises pandémicas e as consequências sociais”
Poderíamos trazer outras definições às epidemias, no entanto, apesar de diferentes, encontraríamos várias características comuns: o seu caráter temporário, a circunscrição territorial, a morbilidade e a mortalidade acima do usual. Há doenças endémicas, epidémicas e pandémicas.
A designação “pandemia” só começou a ser utilizada no século XX. O uso da palavra “epidemia” não está isenta de uma certa ambiguidade, pois há doenças que marcaram o passado e são difíceis de classificar. Tratam-se de doenças endémicas que acompanham a humanidade desde há séculos, mas que, por razões ambientais ou outras, têm uma maior incidência, atingindo picos que lhes dão uma proporção epidémica. A este propósito, são de mencionar os exemplos do tifo e da tuberculose. A tuberculose é conhecida desde há milhares de anos, tendo sido identificada em múmias egípcias. Ao longo do tempo, a sua denominação foi-se alterando: escrófulas, tísica. Mas foi no século XIX que alcançou uma dimensão pestífera, que justificou a designação que então lhe foi atribuída: “peste branca”. Com a industrialização a incentivar homens e mulheres a partirem para as cidades, estas transformam-se em verdadeiros antros de doenças. Amontados em bairros periféricos e insalubres, junto a fábricas e lixeiras, condenados a sobreviver com magros salários, incapazes de satisfazer necessidades básicas, os operários serão as principais vítimas da enfermidade. O bacilo de Koch tinha, no entanto, a particularidade de não discriminar classes, não distinguindo o casebre do palácio, embora tivesse preferência por corpos debilitados, cansados e consumidos. Tendo como pano de fundo a tuberculose que Thomas Mann em 1924 escreveu um dos romances mais influentes da literatura mundial que o próprio qualificou como a busca da ideia do homem, o conceito de uma humanidade futura que vivenciou o mais profundo conhecimento da doença e da morte. No entanto, as proporções que a tuberculose atingiu em oitocentos exigiu dos estados a tomada de medidas para a combater e Portugal não foi exceção. Assim, em 1853, na cidade do Funchal, surgiu o primeiro sanatório português. Nos finais do século, em 1894, foi instituída a declaração obrigatória da tísica e, no ano seguinte, teve lugar o primeiro grande congresso sobre a doença. Também nesta década foi organizada uma comissão para estudar a melhor resposta hospitalar para os tuberculosos. No âmbito das medidas destinadas a combater a “doença do peito”, Miguel Bombarda propôs a fundação da Liga Nacional contra a Tuberculose, com núcleos espalhados pelo país. Em 1899, por iniciativa da rainha D. Amélia, foi constituída a Assistência Nacional aos Tuberculosos (ANT), tendo como objetivos a criação de instituições para tísicos, a construção de sanatórios para os tuberculosos curáveis e de hospitais marítimos para crianças. A ANT tinha duas sucursais, uma no Porto e outra em Lisboa. Em 1822 a cidade de Lisboa e sobretudo Portugal era dominado pela mortalidade por tuberculose (1ª causa de morte), epidemia crescente de sífilis e uma dívida pública gigantesca que só acabaríamos por pagar alguns meses após o 25 de abril de 1974.
Atualmente o que temos é a mesma dívida publica impagável, uma epidemia de HIV/SIDA (insidiosa) a que se podem juntar a gonorreia, sífilis (escondidas por autoridades de saúde e institutos públicos e privados interessados e resistentes aos antibióticos) e a ancestral tuberculose. O que fizemos em 200 anos para inverter a situação?. Nada.
Assim sendo, a pandemia é caracterizada quando a doença (já em fase de Epidemia) se generaliza pelos indivíduos localizados nas mais diversas regiões geográficas, como num continente ou mesmo em todo o nosso planeta. Nestes casos, existe um contágio epidémico intercontinental, de gigantescas proporções letais, capaz de ocasionar profundas alterações demográficas, políticas e económicas, i.e., doenças como a peste, a varíola, a tuberculose, a malária e agora a Covid-19 tem moldado o comportamento humano durante séculos.
“…A Peste Negra considerada a maior pandemia da história da civilização, iniciou-se em 1347, na Ásia Central. Assolou a Europa (como consequência da falta de saneamento) e foi responsável por dizimar entre um terço (25 milhões) a metade da população (75 milhões). Esta epidemia global de peste bubónica (Peste Negra) foi verdadeiramente devastadora. A Peste Negra provavelmente teve a sua origem na Ásia Central[3] ou na Ásia Oriental, de onde viajou ao longo da Rota da Seda, atingindo a Crimeia em 1343. De lá, era provavelmente transportada por pulgas que viviam nos ratos que viajavam em navios mercantes genoveses, espalhando-se por toda a bacia do Mediterrâneo, atingindo o resto da Europa através da península italiana. Estima-se que a Peste Negra tenha matado entre 30% a 60% da população da Europa. No total, censos dos últimos anos estimam que a peste pode ter reduzido a população mundial de 475 milhões para 350–375 milhões no século XIV. A população da Europa demorou cerca de 200 anos a recuperar o nível anterior e algumas regiões (como Florença) recuperaram apenas no século XIX. A peste retornou várias vezes como surtos até ao início do século XX. Mas MQIs, qual o significado deste flagelo que dizimou os nossos antepassados uma vez que após este período de trevas a luz eterna floresce sob a forma do Renascimento?
“Nós sabemos agora que somos mortais”, escrevia Paul Valéry na: “La Crise de L`esprit” no fim da 1ª Guerra Mundial. Podemos constatar desde lá uma sucessão cíclica da frequência das crises (financeiras, económicas, morais, identitárias, sociais e ainda sanitárias) e do crescente crescimento da divisão do nosso mundo. Estes períodos de crise favorecem e ampliam uma perda de referências, questionando as certezas tidas por adquiridas e mais do que nunca a dúvida surge e o homem perde as suas referências, os valores que os unem aos outros, mergulha no medo do presente e do futuro e fecha-se sobre ele próprio.
Crise sanitária e consequências
Na sua “Histoire de la Folie à L`agê Classique” publicado em 1961, Michel Foucault escreveu que as epidemias pulverizam os nossos sonhos e devaneios modernistas de mestria absoluta. Elas colocam em causa o equilíbrio das nossas sociedades minando insidiosamente, talvez involuntariamente, os valores fundamentais sobre os quais repousam.
● O preço da vida. Neste contexto o preço da vida alterou-se, mesmo se a crise tivesse sublinhado cruelmente que todas as vidas não tem o mesmo preço sobre o planeta. Em 1969, a “Gripe de Hong-Kong” provocou um número não contabilizado de mortes em Portugal e na Europa, sem que esse facto tenha emocionado os responsáveis politicos, os média ou mesmo a população. Hoje, a saúde parece constituir um fim em si mesma. Ela não é um valor, ela é um bem. O aspeto sanitário por si só não parece suficiente para definir o que é vital, quer dizer tudo o que consideramos como fazendo “parte da vida”, das nossas experiências positivas (como um nascimento, um reencontro, uma descoberta…) e assim, a razão do medo coletivo durável e pouco racional é talvez a procurar no fato de que nós vivermos em sociedades “assistenciais”, nas quais os riscos ligados aos fenómenos coletivos (doença, desemprego…) são tratados por mutualização. Ora, a singularidade desta epidemia é que ela fez nascer uma inquietude forte sobre o grau de solidez dos nossos sistemas. Desde há uns anos a esta parte, nós fizemos da saúde o valor supremo, substituindo-a à felicidade, ao amor, à justiça ou a liberdade. Para qualificar um tal fenómeno, falamos de “pan-medicalismo”, que será uma ideologia conduzindo-nos a submeter à medicina a gestão do conjunto de comportamentos das nossas vidas. Acrescentando a este fato o fluxo incessante de informações e das redes sociais, “que nos impede de pensar” e de dar um passo atrás, contribui largamente para manter este medo coletivo que nos tolhe.
● As medidas de confinamento que surgiram com a pandemia COVID-19 realçaram ou sublinharam o isolamento, a promiscuidade, a perda de referências temporais e profissionais, as adições, as violências familiares, os problemas alimentares (principalmente nas crianças) ou de continuidade pedagógica, patologias psiquiátricas (depressão, passagem ao ato…), e/ou a responsabilidade pelos doentes desta pandemia em detrimento de outras patologias como se houvesse doentes de primeira e de segunda. A isto pode ser juntado a dor da separação nos serviços de urgência de doentes e familiares sem nenhuma certeza de se voltarem a ver de novo, acrescido ainda da ausência de rituais marcantes da humanidade, como o acompanhamento dos mortos pelos familiares e amigos. E depois os cuidadores, nos diferentes locais e a que foi colocado à disposição um whatsapp, um zoom, um teams, puderam assistir à felicidade dos reencontros visuais e de uma comunicação perdida. Esta crise sanitária também salientou solidariedade intergeracional e cultural, o voluntariado ao serviço de outros sem nada reclamar para si e sem intervenção do estado.
As medidas ligadas ao COVID-19 ameaçaram dezenas de milhões de empregos no mundo e cavarem desigualdades pré-existentes entre os mais ricos que continuaram a enriquecer e a grande parte da população a empobrecer. Neste contexto, um provento rendimento mínimo universal fez sentido. Se queremos pensar no famoso “mundo de amanhã”, será preciso nós pensarmos nos homens e nas mulheres de hoje.
● A restrição das liberdades.
Parece que estamos prontos a sacrificar, voluntariamente, aquilo que é a essência da vida democrática ( a restrição das liberdades) e o interesse das nossas existências individuais. Uma tal pandemia não poderá fornecer a termo, um sistema de controlo e vigilância dos indivíduos. Uma sociedade autoritária ou auto-disciplinada, poderia ver o dia e onde o estado de saúde de cada individuo seria vigiado em permanência, com a aceitação das pessoas e comunidades. Comercializamos desde já objetos conectados que as pessoas compram e começam a achar como normal. Num registo diferente, é o que já se passa com generalização da vídeo-vigilância que é aceite e pedida por parte alargada da população. As medidas tomadas em virtude do enquadramento do estado de emergência em Portugal e na Europa atingiram gravemente os direitos e liberdades mais fundamentais. Seria desnecessário de que o controlo destas medidas não deveria deixar quaisquer dúvidas. Não me pareceu ter sido o caso. Por um lado, o controlo pelo parlamento esteve afastado ou praticamente ausente, possibilitando ao governo adotar medidas mais atentatórias das liberdades sem nenhum controlo parlamentar durante um largo período de tempo. A democracia paralisou e aguardou os acontecimentos. A tudo isto acrescentou-se o desgaste da República, dos seus modos de funcionamento, e mesmo os partidos políticos ditos do arco governativo, que deixaram o cidadão sem possibilidade de expressar uma reação antes do próximo escrutínio.
Logo após a crise sanitária pudemos observar que consumo diminui e aquilo que nos faltava mais não era o “último grito” da moda, mas simplesmente o sermos “livres” e de ir ao encontro do outro. O Humanismo faz falta a todos.
A crise do COVID-19 questionou brutalmente o lugar da Humanidade no mundo, as suas responsabilidades, os seus deveres e os seus eventuais direitos na ordem da Natureza. O que ela veio interrogar sem dúvida, foi a legitimidade do Humanismo, este movimento filosófico nascido com a Renascença que pretende fazer do Homem o centro e o valor de todas as coisas. Ao fazer isso, a COVID 19 abala a própria Maçonaria nos seus alicerces. Uma desintegração dos valores Humanistas parece ser uma mancha nas nossas sociedades ocidentais, onde a importância do “Eu” parece sobrepor-se ao “Nós”. Nos nossos dias, a grande paixão não está mais do lado do universal nas o lado do particular. Neste mundo globalizado, a humanização do universalismo é essencial. Por outras palavras, será necessário colocar o humanismo no centro da ação, ao serviço do melhoramento da nossas sociedades. O filosófo Francis Wolff sublinha que: “apenas as ideias universalistas permitem a coexistência de culturas”. E, é a partir da unidade da nossa humanidade que abre o leque de todas as humanidades. Aparecido ao fim do Sec. XVIII, o termo humanismo designa uma corrente de pensamento humanista optimista, que coloca o Homem no centro do mundo e valoriza os valores humanos. O Humanismo ocidental da Renascença que é redescoberto pela cultura Grego-Romana levou-nos ao século das Luzes: os maçons aspiram ainda hoje a voltar aos valores deste humanismo do Iluminismo, sem negar o “Progresso” para o bem estar da Humanidade.
Assim sendo, o aperfeiçoamento da sociedade passa pelo aperfeiçoamento do homem, em termos de educação e de formação. Com efeito se queremos evitar profundas desigualdades desde a infância, a educação não pode ser tarefa apenas da família. A escola deve ser assim ficar o lugar privilegiado onde aprendemos a tornar-nos cidadãos livres e onde o viver e o avançar em conjunto em todos os sentidos será necessário.
Formar o Homem e o cidadão.
Entre outras tarefas, três matérias a promover o empenhamento e o exemplo maçónicos:
Nós devemos ser de novo Maçons utópicos, orgulhosos de o ser e cheios de esperança. Implicados mais facilmente nas comissões nacionais da Obediência. Cheios de coragem para travar os combates…. e, contribuir assim para iluminar o mundo sempre, mostrando-nos conscientes dos perigos, dos riscos e das lutas a travar. Nós devemos manter em debate nas nossas Lojas a noção de compromisso e questionar cada maçon sobre a maneira de se comprometer, de como poderia ele fazer isso no mundo profano, em conformidade com os valores maçónicos. Recordemo-nos que nós estamos empenhados na “propaganda do humanismo” “pelo exemplo”. Várias contribuições propõem que os Maçons tomem as suas partes na instrução cívica e despertar da moral e o trabalho educativo sobre o humanismo, nas escolas, nos colégios, nas prisões, nos hospitais. É importante que eles se empenhem em fazê-lo individualmente enquanto cidadãos. Seria igualmente importante que o GOL criasse um “Observatório do Humanismo”, da Utopia e do “link social”, para fazer conhecer as iniciativas, identificar as dificuldades e os perigos, propor temas de reflexão e valorizar iniciativas virtuosas.
Louis Pasteur, M.'.M.'.
Resp.'. Salvador Allende
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