Transcrito, com a devida vénia, do Blogue «O Ponto Dentro do Círculo». Autor: José Ronaldo Viega Alves, M.’.M.’.
A Herança Grega na Maçonaria – 1ª Parte
(10 de Agosto de 2015)
A Grécia e as suas influências. Qual é a herança grega para a Maçonaria? O que são os Mistérios? As religiões de Mistérios e os Mistérios de Elêusis
“A contribuição da mística, da filosofia e da mitologia dos antigos gregos é de real importância na doutrina e na ciência maçônicas; estilos arquitetônicos, atributos dos deuses, de sua mitologia e o cerne do pensamento filosófico da Grécia antiga são encontrados em toda a extensão dos catecismos maçônicos.” (Passagem extraída do verbete GRÉCIA, que consta no “Vade-Mécum Maçônico” de autoria do Irmão João Ivo Girardi)
Introdução
Vários motivos ensejaram uma vontade minha em escrever sobre a Grécia, e talvez o principal deles resida no fato do bombardeio com o nome Grécia, que vínhamos sofrendo, via meios de comunicação, em virtude de acontecimentos recentes. Uma coisa puxa a outra, e o nome Grécia, que nos últimos tempos tem ocupado as manchetes dos jornais do mundo todo, em vista dos seus problemas de ordem econômica, que, aliás, se arrastam desde o ano de 2010, faz com que, pensemos na Grécia de uma forma solidária, afinal, como não levarmos em conta, ou não pesarmos e sopesarmos tudo o que a civilização grega legou à humanidade. Quem um dia, não estudou, ou no mínimo ouviu falar, quando da nossa passagem pelos bancos escolares e estendendo-se até a faculdade, sobre os feitos e as contribuições dos gregos? Diante dos fatos mais recentes, e dos seus desdobramentos, é até possível detectarmos o velho espírito helênico presente, em virtude da resposta dos gregos aos poderosos, que foi a de um povo que não quis ser submetido aos ditames da austeridade, traduzidas nas imposições da Comissão Europeia.
Mas, em tempos de crise mundial, a Grécia atualmente vive a sua verdadeira tragédia contemporânea.
Há tanto para dizer sobre a Grécia antiga, o “berço da civilização”, pois, a Grécia está presente em nossas vidas desde muito cedo, a mesma Grécia que inventou e viu nascer através de alguns dos seus expoentes máximos como Sófocles e Ésquilo, o gênero tragédia. Sinais dos tempos.
Este trabalho quer ser um pouco diferente somente em sua introdução, não deixar de lado, ao mesmo tempo em que o foco principal reside no passado desse país, comentar ligeiramente os momentos atuais, concomitantemente falar da Grécia e as suas importantes contribuições para a civilização, e também através de alguns “flashs” mostrar sobre a necessidade de ficarmos atentos aos problemas que atingem outros países, até pelo simples fato de que hoje, principalmente no terreno da macroeconomia, tudo acaba, mais cedo ou mais tarde, repercutindo pelo mundo afora. E até nisso, a Grécia ainda pode ensinar-nos alguma coisa.
O objetivo maior seguirá sendo, ao longo do trabalho, falarmos um pouco da civilização grega e daquilo que, sem deixar de levar em consideração os prós e os contras, realmente podemos considerar como contribuição dessa mesma civilização para a Maçonaria.
Antes, como forma de mostrar um panorama geral das contribuições da Grécia à humanidade, passo à reprodução de alguns trechos referentes ao editorial que o filósofo Lúcio Packter escreveu para um número especial da revista “Filosofia”, e que versou sobre a Grécia:
“O Islã não tinha então uma teologia desenvolvida; o aprofundamento veio da mesma fonte onde o cristianismo buscara sua inspiração: o pensamento grego. Já entre as tradições que chegam ao ocidente, o direito ao voto é um dos elementos mais notórios. (…) Também a História nos foi deixada por Heródoto como mais uma contribuição grega. (…) Os gregos inovaram nas ciências e na matemática conferindo um rigorismo pouco usual se os compararmos com a matemática babilônica, por exemplo. A herança grega afeta em diferentes graus desde o modo como hoje pensamos, nosso vestuário, nossas relações com religião e religiosidade, a ciência, a Filosofia, a cultura, as relações sociais, a educação, e avança em direção a elementos como Arquitetura, Física, Biologia. Dificilmente encontraremos uma área das atividades humanas que seja deserta das inclinações gregas.”
A título de ilustração: dois brilhantes comentários, o do professor Roberto S. Kahlmayer–Mertens e do professor Fernando Gay da Fonseca
Conforme havia prenunciado antes, mais motivos se somaram para que eu fosse compelido a escrever sobre a Grécia. A leitura que havia feito a alguns meses, de uma entrevista com o Doutor em Filosofia e Professor Roberto S. Kahlmayer-Mertens, que em uma análise do cenário da filosofia no Brasil, aproveitou para fazer um convite ao estudo dos gregos. Antes, porém, o professor Kahlmeyer-Mertens citou uma passagem folclórica envolvendo o grande filósofo alemão Martin Heidegger. Resumidamente é o caso de um jovem que perguntou a Heidegger o que seria necessário para se fazer filosofia, ao que ele teria respondido: “Leia os gregos e não vá à universidade.” O episódio em si denotaria as críticas pesadas de Heidegger ao academicismo de sua época. Porém, após a sua leitura, o que não me saiu da cabeça é que no conselho dado por parte do grande Heidegger ao jovem aluno, esteve implícita terminantemente a ideia de que ler os gregos é fundamental, e ao que o Prof. Kahlmeyer-Mertens após, reforçou, como sendo um saudável conselho, embora revelasse também possuir dúvidas quanto a parte em que Heidegger desaconselha a ida à universidade. Fica disso tudo, porém, não o que Heidegger teria dito, mas a maneira com que o Prof. Kahlmeyer-Mertens rematou a questão: “Leia os gregos e vá à universidade”.
Comentários
Confesso que sendo Maçom, e sendo apaixonado pela leitura e pelo estudo, não conseguiria visualizar o perfeito entendimento daquilo tudo que até aqui assimilei nessa caminhada (e que falta muito ainda), do conhecimento que julgo ter adquirido, das analogias, principalmente, que pude estabelecer, enfim da própria facilitação do que ouvi e aprendi ao longo da estrada maçônica, sem ter recorrido aos gregos, sem ter contado com a ajuda dos gregos, sem ter lido alguns dos gregos ou não ter bebido das fontes gregas. Quem poderia refutar a assertiva de que somos dependentes dos pensamentos dos filósofos gregos, e em todos os momentos das nossas vidas estamos mergulhados no universo de um ou de outro desses filósofos? O que nos direciona também, para o universo maçônico, pois, são muitos os canais de ligação. Portanto, leiam os gregos, meus Irmãos!
Prosseguindo com os comentários dos professores citados, agora é a vez de outro professor, que escreve eventualmente artigos em jornais, Fernando Gay da Fonseca, em um artigo recente que intitulou “A dívida da Grécia e a dívida com a Grécia”, onde comentou a rejeição do povo grego, na consulta popular que foi realizada para que respondessem sobre se aceitariam ou não as condições a serem impostas pelos seus credores, e do qual destaco essa passagem:
“Na consulta popular, saiu vitorioso o “não” por mais de 60%. Não entendo de microeconomia, quanto mais de uma macroeconomia, mas sei o que é galhardia e independência. Nesta decisão o povo grego honrou essas qualidades. A velha Grécia está sempre jovem pela riqueza da sua história, na qual temos a presença de pensamentos dos seus maiores filósofos, como Anaxímenes, Anaxágoras, Heráclito, seguindo na direção de Sócrates, com sua maiêutica, Platão e o seu mundo das ideias que foi traduzido para o cristianismo por Santo Agostinho. E o grande Aristóteles, preceptor de Alexandre, que foi a luz que iluminou o pensamento de São Tomás de Aquino. Tudo isso reporta a esse povo que disse não a uma limitação que queriam que fosse aceita, limitando a sua liberdade de avaliação. Essa gente é aquela que busca o húmus debaixo das pedras, para plantar suas oliveiras, e dança quebrando pratos, como querendo destruir tudo o que lhe é adverso. Eles continuam fiéis à mensagem de um Paulo de Tarso, que pregou, por todos os cantos do seu território, a história do Deus desconhecido. Atenas, o seu Partenon, Ágora e tantos outros monumentos refletem no povo que fez história e conta histórias, como a do Minotauro, para alimentar firmeza. Os credores buscam elementos para retomar negociações. Como disse inteligentemente um presidente francês, a Europa sem a Grécia não é Europa.”
Esses motivos já valem por si sós, uma viagem no tempo pela Grécia, aquela para rememorarmos o muito que representa da sua contribuição para a humanidade, ainda que, como já disse, o foco maior é tudo aquilo que possa guardar referência ao que a Maçonaria pôde colher, assimilar ao longo da sua existência e reparte hoje com os seus adeptos.
Como saber a real dimensão do que a Maçonaria teria bebido dessas fontes, e o quanto nós Maçons sabemos dos tesouros do conhecimento grego?
A Grécia deixou três legados fundamentais para o mundo, entre outros tantos, conforme o que foi citado anteriormente pelo filósofo Lúcio Packter. Mas, vejamos sob outro ângulo: a Filosofia, a Democracia e o Teatro. Na Filosofia há a liberdade de pensar sem ter de obedecer às imposições de cunho religioso. Na Democracia, podemos conviver socialmente de forma que os opostos se reconheçam e se respeitem. No Teatro, podemos vivenciar os horrores desta vida, com base na representação, sem que haja a culpa ou o risco de sequelas. (Vasconcellos, pág. 3, Jornal ZH, 21.07.2015)
Com certeza, o Teatro exprime a liberdade, e como na Filosofia e na Democracia essa liberdade está implícita, conforme o exposto acima, podemos dizer então, que a Grécia nos deixou áreas bem definidas para que exercitemos as ideias sobre o que seja ou o que se imagine que seja a liberdade.
Há muito para ser avaliado no que se refere às contribuições extraordinárias da civilização grega para o progresso da humanidade, e no que tange aos ensinamentos maçônicos, o Irmão Theobaldo Varoli Filho, já se manifestava escrevendo sobre o cabedal que interessa à Maçonaria e que é proveniente dessa civilização, aliás, isso envolveria assuntos tão variados como: a filosofia, as três ordens arquitetônicas, a mitologia, a iniciática, o desenvolvimento da democracia, o simbolismo e o alegorismo, as artes, os templos e as construções. Frente a isso tudo, a vontade seria mesmo poder abordar cada um dos tópicos que foram elencados acima. De alguns deles já estamos falando desde o começo, seja nas entrelinhas, seja diretamente: democracia, liberdade… O resto virá, durante o desenvolvimento do trabalho, e não necessariamente na ordem disposta.
A Herança Grega na Maçonaria
Muitos dos nossos Irmãos estudiosos se debruçaram sobre o assunto, desenvolvendo pesquisas mais amplas e detalhadas sobre as influências que a Maçonaria recebeu da Grécia antiga, reconhecendo a dimensão disso tudo, e melhor ainda, com as devidas ressalvas, publicaram seus resultados. Disse o Irmão Theobaldo Varoli Filho:
“As boas lojas maçônicas do mundo contemporâneo já não se limitam a recitar para os obreiros as ininteligíveis instruções e não mais ocultam as fontes gregas que os maçons aceitos do passado foram rebuscar, para introduzi-las nos rituais. A maçonaria moderna não engana. Demonstra desde logo a verdade e deixa as conjecturas para quem quiser. Assim, por exemplo, quando os maçons tenham de referir-se aos quatro elementos – ar, água, terra e fogo, que os antigos consideravam corpos simples e fundamentais da formação do universo, não deixarão de mencionar o hilozoísmo e o panteísmo da escola jônica de Tales de Mileto (624-428 a.C.), Anaximandro (611-547 a.C.), Anaxímenes (588-524 a.C.), e a notável evolução para os ensinamentos de Heráclito (535-475 a.C.), Empédocles (495-435 a.C.) e Anaxágoras (500-428 a.C.). Não mais apresentarão certas teorias como segredos, como faziam, por exemplo, com a tétrada pitagórica, figura mencionada em qualquer livro de história da filosofia. O simbolismo maçônico não mais comporta licenciosidade de interpretações e ocultação das origens nas quais se inspirou. Essa verdade pode desagradar a muitos maçons que precisam dormir para sempre, se não quiserem acompanhar a verdadeira maçonaria. A mitologia é relevada pelos maçons, não só como fonte de inspirações alegóricas, simbólicas e éticas, como também pelo fato de representar uma das grandes fases na evolução das crenças e fornecer elementos de comparação entre diversas religiões. Sendo a maçonaria uma ordem a serviço da democracia, nada mais seria preciso dizer em abono da recomendação que se faz aos maçons, no que tange às conquistas populares e democráticas da antiga Hélada.”
Os Mistérios Gregos
Não saberia dizer até onde nós Maçons temos isso que poderia ser classificado como um conhecimento razoável sobre o que eram os Mistérios e como funcionavam. A iniciática grega, digamos assim, acho que não é um tema abordado regularmente, e mesmo possibilidades de se fazerem analogias ou referências com as nossas Iniciações, não são aproveitadas, ou pelo menos, não me lembro de haver presenciado qualquer coisa nesse sentido em Loja, sendo assim, tomo a liberdade de dizer que dependendo do Mistério e mesmo no caso dos que guardam supostamente semelhanças com passagens dos rituais maçônicos, não são de domínio dos Irmãos encarregados de ministrarem instruções, e não são mais explorados pelo próprio desconhecimento, onde podem ser incluídos aí, um certo desinteresse e a falta de leituras mais aprofundadas. Então, a título de ilustração, é importante que tenhamos uma noção de como eram, e é importante frisar, dos seus significados maiores, para entendermos as origens das nossas próprias iniciações. No mínimo, devemos abordar aqui, ainda que sucintamente, os mais importantes deles. E sempre com as devidas ressalvas.
Mas, o que são mesmo os Mistérios?
Sempre que me deparei com a palavra “Mistérios”, presente nos títulos de textos, livros ou até mesmo de filmes eu quis desvendá-los. Uma propensão que eu diria é dada a todo ser humano. A palavra por si só, atrai. Quando comecei a me deparar com ela, e não foram poucas as situações, lembro particularmente das pesquisas para os trabalhos maçônicos, por ter me utilizado bastante do “Dicionário Maçônico” do Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo, (era o único que eu possuía tempos atrás) onde seguido dava com a palavra Mistério, já que há quase trinta páginas na obra citada se referindo ao assunto e verbetes desfilando ao longo delas contendo a palavra Mistérios. Há coisa de alguns meses atrás, andei incursionando por ali e, escrevendo sobre os “Mistérios Judaicos’, mas, eu não me detive no trabalho respectivo em fazer maiores esclarecimentos sobre o que significam os Mistérios, isso eu pretendo fazê-lo a partir de agora. Depois, iremos penetrar nos Mistérios Gregos que, me parece, envolvem mais detalhes, assim como parecem ter exercido maiores influências que os outros. Começarei definindo o que são os Mistérios, então.
Do “Dicionário Enciclopédico do Pensamento Esotérico Ocidental”, e do que consta no verbete MISTÉRIOS, retiramos as seguintes passagens:
“Situados entre os mais famosos aspectos da antiga religião grega e romana, os Mistérios eram rituais tradicionais de iniciação, muitos deles transmitidos desde épocas bem mais remotas. O mundo grego tinha uma rica variedade de Mistérios, e no passado alguns estudantes de misticismo tinham por hábito serem iniciados no maior número possível de mistérios. Os Mistérios mais famosos eram os Mistérios Eleusianos, realizados uma vez ao ano na pequena cidade de Elêusis. (…) Estavam associados ao mito da procura de Deméter por sua filha Perséfone. (…) Os ritos de iniciação dos Mistérios eram secretos, e só restaram referências esparsas e imagens para que os estudiosos modernos arrisquem palpites sobre o seu conteúdo. (…) A maioria dos Mistérios estabelecia apenas um estágio de iniciação. Os Mistérios Eleusianos eram diferentes porque tinham duas fases, a Myesis, ou Mistérios menores, e os Teletai, ou Mistérios Maiores. (…) Os Mistérios eram um importante aspecto da religião pagã do mundo antigo, e, como a maioria dos outros aspectos do paganismo clássico, aparentemente se extinguiram quando o cristianismo assumiu o controle do mundo romano e as práticas pagãs tornaram-se ilegais. Certos elementos dos Mistérios foram preservados em círculos mágicos, como atestam os papiros mágicos greco-egípcios. (…) Como muitos dos magos, gregos e romanos mais filosóficos também eram iniciados nos Mistérios, esses empréstimos eram possíveis, e podem ter permitido que fragmentos das práticas dos Mistérios passassem para as tradições mágicas posteriores. Tentativas de identificar os trechos específicos dos Mistérios no ocultismo posterior, porém, tem sido bem problemáticas. Parece que pouca atenção foi dada aos Mistérios durante a Idade Média e o Renascimento, mas o aparecimento da Maçonaria no século XVIII tornou os rituais de iniciação um tema de grande interesse. Tal interesse se manifestou de diversas maneiras. Primeiro, foram feitas tentativas de demonstrar (sem muitas evidências) que a Maçonaria ou alguma outra ordem fraternal seria a descendente direta de uma tradição específica de Mistérios, ou então dos Mistérios como um todo. Em seguida, foram criados novos rituais de lojas baseados nos fragmentos de informação restantes sobre os Mistérios, um projeto que pode ter atingido o zênite com a invenção do Sétimo Grau dos Patrons of Husbandry (The Grange). Uma tentativa vitoriana de reencenar os Mistérios Eleusianos. Em terceiro, os Mistérios foram interpretados com a leitura dos hábitos e tradições das lojas fraternais dos séculos XVIII e XIX nas antigas Grécia e Roma. Esses três elementos tiveram um importante efeito sobre o desenvolvimento da história mítica do ocultismo no período moderno.”
Uma verdadeira introdução ao assunto Mistérios, e ainda, sobre as possíveis conexões com a Maçonaria, usando do equilíbrio que o assunto requer, consta no “Grande Dicionário Enciclopédico…” do Irmão Nicola Aslan, de onde extraio o seguinte:
“Segundo Frau Abrines, os mistérios da antiguidade consistiam em uma série de símbolos, de parábolas e de sentenças obscuras, cujo conhecimento era reservado às classes sacerdotais e que se transmitiam por tradição e através de uma série de iniciações. A iniciação era uma escola na qual eram ensinadas as verdades da religião primitiva, a existência e os atributos de um Deus único, a imortalidade da alma, os castigos e as recompensas de uma vida futura, os fenômenos da natureza, as artes, as ciências, a moral, a legislação, a filosofia, a beneficência, o magnetismo animal, etc. Em todos os mistérios eram apresentados ao iniciado, por meio de imagens, a felicidade do justo e a desgraça do mal, depois da morte; as provas a que era submetido impressionavam o seu espírito temperando-o, para que fosse capaz de compreender as grandes verdades.
Grande parte do Cerimonial Maçônico de Iniciação tira a sua origem dos mistérios da antiguidade. Este Cerimonial foi adaptado às circunstâncias e exigências modernas. Na Maçonaria, dá-se o nome de mistérios às Cerimônias, figuras alegóricas e emblemas da Maçonaria, como também aos Sinais, aos Toques, e às Palavras por serem coisas que não devem ser divulgadas. Não existe porém, qualquer conexão histórica entre os mistérios antigos e a Maçonaria. Como todas as corporações medievais ou operativas tinham um cerimonial de recepção, diferente da Iniciação Maçônica moderna.”
O Irmão João Anatalino Rodrigues em seu livro “O Tesouro Arcano” escreveu o seguinte:
“Sabemos que, como estrutura arquetípica, a Maçonaria é contemporânea das primeiras civilizações. Desde os tempos mais antigos, os povos que alcançaram os mais altos estágios civilizatórios cultivam a tradição de preservar sua cultura, seus conhecimentos e suas conquistas mediante a reunião de grupos específicos de indivíduos que comungam de interesses mútuos. Esses grupos se formam por cooptação, procurando aglutinar, na forma mais nivelada possível, os ‘iguais’ dentro de uma sociedade, fundamentados na crença de que aqueles que estão mais envolvidos com determinado sistema é que tem maior interesse em preservar seus valores. É nesse amplo espectro, que funde religião, política, mitologia e história, que iremos encontrar, por exemplo, as antigas manifestações culturais conhecidas como Mistérios, que vários autores maçons costumam invocar como sendo as estruturas mais antigas da Maçonaria.”
Comentários
Como podemos ver, ainda que subentendida, e após a leitura dos textos acima, a herança dos Mistérios Gregos pode ser bem maior sobre as ciências ocultas do que mais diretamente sobre a própria Maçonaria. Sem dúvida, seria o caso de discutir, quais os ritos que absorveram ou tiveram maiores adaptações em seus rituais se utilizando daquilo que teria sobrevivido dos tempos em que eram praticados, e que pelo que pudemos ver, não foi muito não. É um terreno perigoso, sem dúvidas, para apontar com certeza as dimensões dessas influências, e como sabemos alguns autores fazem questão de ver isso tudo com uma clareza que uma maioria não vê.
Os Mistérios Gregos e a Maçonaria: o dicionário de Joaquim Gervásio de Figueiredo
Do clássico “Dicionário de Maçonaria” do Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo, extraímos a primeira parte, digamos assim, da sua definição, e que vem ajudar em nossos propósitos:
“MISTÉRIOS. Termo genericamente aplicado a antigas religiões e escolas ocultas pré-cristãs, dos egípcios, persas, gregos, judeus, romanos, celtas e escandinavos. Homens e mulheres de qualquer posição e cultura podiam solicitar sua iniciação nos diversos mistérios, que se dividiam em Menores (exotéricos) e Maiores (esotéricos).”
Retornamos ao Dicionário de Aslan, para utilizarmo-nos de uma descrição utilizada por ele, creditada a Albert Pike, que diz assim:
“Onde começaram os Mistérios? Ninguém o sabe. Supõe-se que vieram da Índia, passaram para a Caldeia, o Egito, de onde foram transportados para a Grécia. Qualquer que seja o lugar das suas origens foram praticados em todas as nações da antiguidade, e, como era o comum, os habitantes da Trácia, os cretenses, os atenienses disputaram a honra de tê-los inventado e cada um desses povos pretendeu nada ter tirado do outro. (p.159)”
Já no tocante, especificamente, aos Mistérios Gregos, também extraímos algumas passagens do “Dicionário de Maçonaria”, do Irmão Joaquim Gervásio de Figueiredo, com ênfase para aquelas onde o autor estabelece as presumidas ligações com a Maçonaria:
MISTÉRIOS GREGOS
1 – Origens – Atribui-se sua origem a Orfeu, que se calcula haver vivido uns sete mil anos antes de Cristo. Os mais importantes e conhecidos foram os Eleusinos, cuja influência e excelência foram sempre proclamadas não só por seus iniciados como pelos maiores homens da era clássica, como Píndaro, Sófocles, Isócrates, Plutarco, Heródoto, Platão, Cícero e muitos outros. Todavia, muito escasso é o conhecimento do mundo moderno sobre seus sistemas, métodos e doutrinas, pois sempre foram mantidos sob rigoroso e juramentado sigilo, a ponto de a opinião pública, que os respeitava e reverenciava, infligir terríveis penalidades a quem os violasse. Reduzidas são, pois, as informações obtidas diretamente das fontes chamadas pagãs; a sua maioria nos chegou através de antigos escritores cristãos, como Hipólito, Clemente de Alexandria, Orígenes, Arnóbio e outros.(…) Além do mais, tudo quanto a seu respeito (Mistérios Eleusinos, grifo meu) que se conhece hoje, restringe-se à cerimônias e provas externas então aplicadas aos candidatos, e às instruções administradas ao público através de vários mitos, parábolas e alegorias. E quando os profanos de então insistiam por informações que os oficiais não desejavam adiantar, só lhes prestavam as estritamente permitidas e necessárias.
2 – Mistérios Menores. Estes eram celebrados no Templo de Deméter e Coré ou Kore (Virgem), em Agra, perto de Atenas, no mês de março, pelo equinócio da primavera. Os ensinamentos que ali se davam, giravam em torno da vida póstuma no mundo intermediário ou astral, o Hades, e neste sentido se pode equiparar estes mistérios ao 1º Grau maçônico, enquanto difiram as respectivas cerimônias. (…)
3 – Mistérios Maiores – Celebravam-se estes no mês de setembro (Boedromion), pelo equinócio do outono, tendo por centro a cidade de Elêusis, distante de Atenas cerca de 20 quilômetros. Nessa época toda a Grécia entrava em férias, e realizavam-se pomposas procissões públicas, com a participação dos iniciados de todas as classes sociais. Estas procissões foram detalhadamente descritas por escritores seus contemporâneos, mas afora estas descrições exotéricas, nada se sabe dos Mistérios Maiores no mundo externo, a não ser através de poucas e obscuras insinuações. Tais procissões duravam toda uma semana, partindo de Elêusis dia 13 de setembro até o Eleusinion no sopé da Acrópole, cidadela cercada de altos muros, como a matriz de Elêusis, e aonde só os iniciados podiam entrar. No dia 19, completadas todas as cerimônias, a procissão retornava a Elêusis, sempre com grande imponência. Os Mistérios Maiores, cujas instruções sobre a vida depois da morte abrangiam o mundo-céu, os Campos Elíseos, correspondiam, de certo modo, ao atual 2º Grau maçônico.
(…) A Maçonaria não herdou diretamente a sucessão eleusina, porém algo de sua inspiração e influência foi transmitido às escolas místicas da Idade Média. Todavia, seus ritos visam a mesma finalidade, relacionam-se com os mesmos mundos invisíveis e prepararam Almas para a mesma augusta realidade oculta por trás de todos os verdadeiros sistemas de Mistérios. ”
As influências dos Mistérios na Maçonaria na visão do estudioso Hervé Masson
Corroborando, a importância desses Mistérios como um todo, vejamos um trecho do “Manual-diccionário de Esoterismo” de Hervé Masson:
“Las ‘religiones de misterios’ de la antiguedad se han extinguido. Privadas de su soporte esotérico, perdieron su carácter de necesidad iniciática. Pero el mensaje que habián recibido y que constituía su contenido primordial, ha pasado a otras manos. Hoy como hace miles de años, la via inicática discurre por los mismos sítios, con variantes, claro está, pero inspirada por el mismo espíritu y persiguiendo un propósito idêntico. Mitos parecidos (como la leyenda de Hiram en la Masonería), ritos análogos y un proceso palingenésico semejante caracterizan a la iniciación de hoy y a la del pasado. No ha existido una verdadera fractura entre una y outra. En primerísimo lugar, el esoterismo de las ‘religiones de misterios’ se prolongó en las asociaciones de oficio, tanto en Grecia como en Roma. Se sacralizaba el trabajo por la afiliación a este o aquél rito, por la práctica de una iniciación. En estrecho paralelismo com la obra divina de la creación, la labor humana se elevaba al plano demiúrgico. Se convertia, también ella, en una ‘creación’. Hemos visto que ciertas confraternidades y corporaciones estaban afiliadas a los ‘misterios’ de Dionysos. Los metalúrgicos fueron particularmente dionisíacos.Acaso los ocultos ritos de las Cabirias legendarias, ancestros de la alquimia guardaban relación con el culto de Dionysos, o del Zagreo órfico? Más tarde, en Roma, las corporaciones de talladores de piedra y obreros de la construcción, invocaban el patronazgo de Jano bifronte. La afiliación a los ‘collegia’ presentaba un carácter eminentemente iniciático, que será transmitido hasta nuestros días mediante el Compagnonnage y la Masonería. (Grifo meu) Es evidente que las formas esotéricas, el soporte religioso, e incluso cultural, han cambiado profundamente. Pero el mismo esoterismo, los mismos temas iniciáticos, han resistido a la prueba del tiempo con una simple y transparente transposición. Intangibles, reaparecen en pleno siglo XX en el seno de las sociedades iniciáticas modernas especulativas y operativas. La leyenda de Hiram que resumimos en su capítulo, es un ejemplo de esta vocación iniciática del mito palingenésico.”
Os Mistérios de Elêusis – Existe uma herança na Maçonaria? A opinião do irmãos e estudioso Theobaldo Varoli Filho.
Em primeira instância, tendo tomado conhecimento do que eram propriamente os Mistérios de Elêusis, já é possível a partir desta leitura, perceber as analogias decorrentes que poderão ser feitas com relação à Iniciação Maçônica. Para isso, transcrevo o trecho referente a estes mistérios em particular, constante no verbete MISTÉRIOS GREGOS do “Vade-Mécum Maçônico” da autoria do irmão João Ivo Girardi:
“Nos Mistérios de Elêusis encontramos: o culto agrário da deusa Deméter, que ensina o cultivo do trigo, e o culto de sua filha Perséfone, ou Core (Prosérpina, para os romanos). Deméter, deusa das colheitas amava, de maneira intensa, sua filha Perséfone, que foi raptada certo dia, enquanto colhia flores no campo, por Hades, (Plutão para os romanos), deus dos infernos. Após procurá-la pelo mundo interior, Deméter se encontra com Apolo (o Sol), que a informa de tudo. Deméter, tomada de cólera contra a Terra, não permite que nela, cresçam os grãos e os frutos. Diante de tal situação, Zeus resolve interferir junto a Hades, afim de que devolva Perséfone. Estabelece, entretanto, uma condição: a de que poderia voltar ao Olimpo, caso não houvesse ingerido nenhum alimento. Como ela havia ingerido os grãos de uma romã, não pode voltar, sendo-lhe permitido, somente, que passasse seis meses do ano com sua mãe e os outros seis meses no inferno. A lenda nos mostra, assim, Perséfone simbolizando as sementes, que, sob a terra, permanecem durante a metade do ano, frutificando depois sobre a mesma. Representa, esotericamente, a eternidade e a imortalidade, segredos que os Mistérios de Elêusis transmitiam aos iniciados e que, sem dúvida vieram a influenciar o 3º Grau maçônico, quando apresenta a lenda da morte e da ressurreição de Hiram-Abif. Os Mistérios de Elêusis dividiam-se em dois Graus: os Mistos – onde eram dados ensinamentos relativos à vida depois da morte, no mundo astral, como que intermediário entre o material e o espiritual. Os Epoptas – representava um Grau mais elevado – recebiam instruções mais profundas sobre a origem do homem e do Universo, e mais sobre o domínio da mente. O símbolo do Grau era uma espiga de trigo. Nos Mistérios de Elêusis encontramos algumas analogias com a Iniciação Maçônica. Nesta, as provas, que representam a morte física do Iniciado e o seu renascimento num plano superior, são iguais aos ensinamentos ministrados aos Iniciados no culto de Deméter sobre os mistérios da morte e da ressurreição. No 1º Grau – Mistos – deparamos com uma grande relação com o 1º Grau Maçônico – Aprendiz. Em ambos, por exemplo, o Iniciado se dedica ao estudo da evolução racional da espécie humana e da formação do universo, de acordo com as Doutrinas Iniciáticas. No 2º Grau – Epoptas – dos Mistérios de Elêusis , bem como o 2º Grau Maçônico – Companheiro – o símbolo é o mesmo: a renovação constante da vida, através da imortalidade da alma, tão difundidos na Doutrina Mística da Maçonaria.”
À página 164, do seu “Curso de Maçonaria Simbólica”, escreveu o Irmão Theobaldo Varoli Filho:
“Certos escritores ditos ‘ocultistas’ encarecem os mistérios de Elêusis, como outros, e fazem conjecturas, as quais, apresentadas com uma certa magnificência literária, parecem exprimir a verdade. Nas bibliotecas maçônicas sobejam livros dessa espécie. Muitos deles chegam a afirmar que os próprios maçons não entendem a Maçonaria. Acautelem-se os Aprendizes contra essa literatura que a Maçonaria repele. A Sublime Instituição abomina o obscurantismo e a superstição. Quanto a pretender que a Maçonaria derive também dos ‘Mistérios de Elêusis’, constitui um atestado de crassa ignorância ou um propósito de mistificação. O culto a Elêusis foi duradouro, mas instável, como todos os anteriores ao do Grande Arquiteto do Universo.”
O Irmão Theobaldo Varoli Filho tece suas considerações, sem se deixar levar por simples influências. Uma pergunta que ele formula sobre os Mistérios de Elêusis e que ele mesmo responde, é digna de figurar aqui pelo seu teor. Vejamos:
“Os cultos de Elêusis estariam para Ceres ou Deméter assim como o culto da atual Maçonaria mística estaria para o Grande Arquiteto do Universo?
Assim entendem muitos maçons místicos. Essa comparação, entretanto, não passa de exagero. Ceres era uma divindade especialíssima, conforme veremos, e o G.’.A.’.D.’.U.’. é a denominação dada pelo maçons a Deus, Criador Supremo, conhecido e venerado por vários nomes em diversas religiões. A diferença é tão grande que não se pode estabelecer comparação. Além disso, a iniciática maçônica consiste em integrar o iniciado na ética universal e não em preparar o maçom para alcançar o céu. Este mister a maçonaria deixa aos cuidados dos próprios crentes das diversas religiões, todas elas respeitadas pela Sublime Instituição.”
Para fechar este bloco, voltamos a recorrer ao Irmão João Anatalino Rodrigues, com suas sábias considerações sobre o assunto:
“A Influência na Maçonaria – Eis por que tanto os Antigos Mistérios egípcios quanto os Mistérios de Elêusis são constantemente invocados nos rito maçônicos, pois ambos evocam a necessidade de uma morte ritual e uma regeneração do recipiendário, como condição essencial a sua passagem de um estado de consciência profana para uma consciência superior de iniciado. A cerimônia de iniciação na Maçonaria tem sido comparada à recepção do neófito nos Pequenos Mistérios e a cerimônia de elevação ao Grau de Mestre na Maçonaria Simbólica é, para muitos autores maçônicos, numa corruptela da iniciação nos Grandes Mistérios. Há inclusive autores que acreditam que a lenda de Hiram tenha sido diretamente adaptada dessa fonte, pois que o arquiteto do Templo de Salomão, assassinado por três companheiros traidores, cumpre idêntico papel ao de Osíris nos Mistérios Egípcios e de Perséfone nos Mistérios Eleusinos. Essas comparações e analogias são, a nosso ver, um tanto licenciosas. Todavia a instituição que existia por trás dessas práticas iniciáticas se assemelha bastante ao que hoje praticamos na Maçonaria Moderna.”
José Ronaldo Viega Alves, M.’.M.’.
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