Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)
23 de setembro de 2017
Implicações da Iniciação na Vida do Maçom
Transcrito, com a devida vénia e respectiva autorização, do Blogue «Jakim&Boaz»
I – Introdução
Este texto pretende elencar algumas das principais obrigações e aspectos simbólicos decorrentes do acto iniciático, com o objectivo de salientar a responsabilidade que os Maçons adquirem, após a Iniciação, no que respeita ao comportamento individual e colectivo e ao desenvolvimento da Maçonaria e da Sociedade em geral.
A Maçonaria como tradição intelectual e moral surgida oficialmente em 1717, evoluiu de maneira distinta em diferentes países e contextos sociais, divergindo para posições conflituantes e até mesmo antagónicas em alguns aspectos, razões pelas quais em termos estritos, deveremos falar de Maçonarias em vez de Maçonaria, o que na maior parte das vezes é negligenciado ou até esquecido.
O Maçom, inserido activamente na Sociedade, homem livre e de bons costumes, conforme exige a Augusta Ordem (A:.O:.), tem por dever combater a injustiça, a ignorância e o ódio, na busca constante da verdade, fazendo com que a doutrina e os princípios maçónicos difundidos dentro dos Templos, transcendam o limite estrito da Loja e floresçam no quotidiano profano.
Não adianta acumular conhecimento se não for transmitido aos mais próximos e sobretudo às novas gerações, como testemunho da perenidade dos ensinamentos que fomos colectando ao longo da vida, traduzindo o nosso contributo para a sociedade que nos envolve, projectando no futuro. Isto é particularmente importante no que respeita à Maçonaria. O conhecimento maçónico, se não for transmitido e aplicado, nada mais é, utilizando uma metáfora, do que uma estante cheia de livros, protegida por uma rede elétrica que impede os leitores de os alcançar e ler.
Iniciado, o maçom tem como incumbência permanente cuidar da prática dos bons costumes, da ética e da moral. Durante o ritual de iniciação, questionado por diversas vezes sobre se realmente deseja ingressar na Ordem, o profano ao responder afirmativamente a todas as questões que lhe são colocadas, firma um pacto com a Fraternidade, a partir da qual recai sobre os seus ombros o peso da responsabilidade de fazer com que os princípios maçónicos não passem de simples retórica de ocasião e sejam, efectivamente, colocados quotidianamente em prática.
Em relação a este tema José Castellani (7), afirma: “Ser Maçom especulativo significa ser observador, perceber os princípios morais subjacentes aos símbolos e aplicá-los na construção de relacionamentos humanos confiáveis, sinceros e leais, e, através do estudo e da observação, tentar aprender a melhor forma de construir uma perfeita e harmoniosa fraternidade”.
Como consequência da Iniciação, o Maçom assume diversas responsabilidades, decorrentes da sua livre vontade em ingressar na Ordem Maçónica. Contudo, dada a natureza humana e as suas implicações na sociedade envolvente, à qual a Maçonaria não é estanque, quotidianamente o maçom depara-se com situações que colidem com tudo aquilo a que se comprometeu, quando da sua iniciação.
Em qualquer caso, se comprometido com a Ordem, deverá reflectir e evitar trilhar caminhos tortuosos ou indignos. Tal reflexão é necessária e premente, já que podemos infelizmente vislumbrar, em muitas ocasiões, através duma análise elementar, maçons dissociados (interna e externamente) da filosofia maçónica, transmitida e professada internamente aos Templos. Se pactuar com abusos ou desvios aos princípios ético-morais, com a intolerância e a ignorância, caminhará inevitavelmente para o caminho da imperfeição, marcado pela mácula do pragmatismo quotidiano e da imoralidade profana, sem referências ou princípios.
Ser Maçom não pode, nem deve, ser considerado antecâmara ou rampa de lançamento de promoção social, profissional, de negócio ou outras. Quem assim pensa(ou) engana(ou)-se redondamente e está por certo equivocado quanto ao enquadramento na Nobre e Augusta Ordem Maçónica (N∴ A∴ O∴).
II - Maçonaria e Iniciação
A Maçonaria como associação moderna, celebra precisamente este ano os seus 300 anos de existência oficial. Surgiu em Londres, em 1717, como uma renovação e reelaboração duma tradição associativa operativa e de grémio, anterior.
Segundo a historiografia inglesa predominante, decorrente da inicial versão «hanoveriana», a Maçonaria especulativa (ou reflexiva) foi criada, a partir da agregação de quatro lojas que se reuniam noutras tantas tabernas da cidade de Londres (“O Ganso e o Espeto” , “A Macieira”, “A Coroa” e “A Caneca e o Vinho”). A Maçonaria moderna tomou emprestada da maçonaria operativa a metáfora da construção, mas em que agora o objectivo já não são as grandes catedrais e monumentos em pedra, mas “o ser humano como construtor de si mesmo e do mundo”.
Os pedreiros e construtores medievais descobriram uma realidade psicológica plena de consequências: a de que, quando actuamos sobre a realidade, a nossa acção não é dirigida sómente para fora de nós próprios, mas de algum modo se reflecte também sobre a nossa própria personalidade, deixando evidências desse conhecimento numa frase que encerra todo o fundamento do método maçónico “Tudo o que fazes, te faz”.
O que é pois a Iniciação? "«Iniciação» é segundo Javier Ataola (4), “qualquer experiência, qualquer conhecimento que tem potencial para nos mover, para nos transformar ... suscitando em nós próprios um processo de mudança. A vida está cheia de iniciações espontâneas que nos transformam: a descoberta da sexualidade na adolescência, o amor, a maternidade ou a paternidade, a fruição artística ....”.
A Maçonaria é uma fraternidade iniciática e uma sociedade de pensamento. Na Maçonaria, o método maçónico não é senão a aplicação programada dum processo de crescimento ou construção pessoal, seguindo um método ritual, fruto duma longa tradição histórica.
A palavra “construção” não é, neste caso, uma simples figura literária, uma vez que o que a Maçonaria nos propõe na Iniciação é precisamente uma "metáfora para a nossa vida pessoal" e essa metáfora não é mais do que a “construção”. A origem do “método maçónico”, encontra-se numa descoberta "avant la page", por parte da Maçonaria, do que em psicologia se denomina actualmente de "crescimento pessoal", psicodrama, dinâmica de grupo, psicologia profunda (4).
Javier Ataola (4), enfatiza que: “Esta proclamação de fraternidade, vai ainda mais longe; significa também o reconhecimento da nossa orfandade radical. É a rejeição de todo o paternalismo ou maternalismo de clã, igreja, partido ou estado. A fraternidade é uma relação bilateral e mútua, onde podem caber diferenças de mérito, experiência ou capacidade, mas nenhuma diferença afectando o relacionamento em si, como o salto ontológico da filiação da paternidade / maternidade. Não há, portanto, nenhum tratamento de «pater» ou «mater» no âmbito do espiritual, do político e do domínio civil, que configure uma hierarquia intransponível, por causa do predomínio paterno / materno. A proclamação da Fraternidade é, portanto, consequência última do mesmo impulso emancipador do Iluminismo, do «Sapere Aude» kantiano e da sua reivindicação da maioridade do homem, em última análise, essa maioridade há-de nos levar num momento do nosso próprio crescimento, a fazermos “irmãos” os nossos próprios pais biológicos”.
Embora a Maçonaria tenha sido na sua origem exclusivamente masculina, desde há mais de cem anos existem em todo o mundo Lojas e Obediências masculinas, femininas e mistas. Por exemplo, uma mulher da Grande Loja Feminina de Portugal (GLFP) pode participar como visitante em lojas masculinas, e como membro de pleno direito nas lojas mistas ou exclusivamente femininas, conforme a sua escolha, do mesmo modo que o homem.
A Maçonaria não se define como uma doutrina ou uma ideologia concreta. A Maçonaria não se propõe como uma via de salvação religiosa, nem como um projecto político, mas como uma actividade de reflexão pessoal e compartilhada, delimitada por um quadro de valores aberto: Liberdade – Igualdade - Fraternidade.
Ainda segundo Javier Ataola (5), “Maçonaria como uma sociedade de pensamento não propõe opções religiosas, nem filosóficas, ou políticas específicas: Parece óbvio que, depois de tudo o que se afirmou, a Maçonaria não seja um "ismo", mas sim um método de especulação e de relação pessoal, não existindo "maçonismo", mas tão sómente Maçonaria. Não tem esse sentido de unidade ideológica e, evidentemente, não é organicamente estruturada como um grupo de acção, ou uma militância, que configure slogans ou objectivos políticos, por muito legítimos e louváveis que sejam, para além de aderir ao princípio geral da defesa dos direitos humanos”.
A interpretação e hermenêutica do Rito têm um papel decisivo no trabalho maçónico: Tanto no trabalho reflexivo das lojas, como na sua mera sociabilidade, desempenha um papel nuclear a dramatização de certos rituais que jogam com representações arquétipicas da existência humana: a viagem e o labirinto, a luz e as trevas, a continuidade e transformação, a construção e o trabalho, o conhecimento e a ignorância, a vida e a morte, a palavra e o silêncio, a tristeza e alegria.....
A Maçonaria não é uma sociedade secreta, sendo uma associação de direito privado, já que os seus objectivos e estatutos estão devidamente registados e publicados, os seus dirigentes e representantes são conhecidos e não tem nenhuma agenda oculta (contrariamente ao que os nossos inimigos e detractores tão insidiosamente propagam).
A Maçonaria oferece uma sociabilidade filosófica para todos os tipos de pessoas: A Loja convida-nos através do simbolismo da construção, a uma reflexão existencial, intuitiva, não necessariamente académica, simultaneamente pessoal e compartilhada, sobre nós mesmos e sobre o nosso papel no mundo.
Da Constituição da N:.A:.O:. (9) ( “Da Maçonaria e seus Princípios”), salientamos:
"A Maçonaria é uma Ordem Universal, filosófica e progressiva, fundada na Tradição Iniciática, obedecendo aos princípios da Fraternidade e Tolerância, e constituindo uma aliança de homens livres e de bons costumes, de todas as raças, nacionalidades e crenças” .....
“ A Maçonaria procura a conciliação dos conflitos, unindo os homens na prática de uma Moral Universal e, no respeito da personalidade de cada um, condena as regalias injustas”.....
"A Maçonaria tem por fim o aperfeiçoamento da Humanidade através da elevação moral e espiritual do indivíduo. Não aceita dogmas e combate todas as formas de opressão sobre o homem, na luta contra o terror, a miséria, o sectarismo e a ignorância, combate a corrupção e enaltece o mérito.”....
“A Maçonaria adopta como divisa a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade, e como lema a Justiça, a Verdade, a Honra e o Progresso.” ....
“ A Maçonaria considera o Trabalho um direito e um dever essencial do Homem, honrando igualmente o trabalho intelectual e o trabalho manual”.....
“ Os Maçons, recusando-se a assumir nessa qualidade quaisquer posições de natureza partidária, integram-se no espírito das Constituições de Anderson e respeitam as leis e as autoridades legítimas do país onde vivem e livremente se reunem”.
Segundo José Catellani (7), a criação da Grande Loja de Londres, “fez com que a Maçonaria fosse colocada na vanguarda não só do renascimento cultural e científico, mas também, das lutas pelas grandes reformas sociais, por meio de sua participação nos grandes movimentos de libertação humana, da sua presença nos conflitos de ideias e da sua intervenção, através dos seus membros, na solução dos grandes problemas internacionais”.
Deste modo não pode a Maçonaria ser considerada como algo em si mesmo, sem perspectiva da transcendência aplicacional da sua filosofia, dos seus ensinamentos e doutrina. Pelo contrário, concebida como instrumento transformador da sociedade, a Ordem Maçónica deve fazer dos seus obreiros verdadeiros construtores do edifício social.
Uma vez Iniciado, todo o Maçom assume responsabilidades não somente em relação à Ordem, mas também, em relação à sociedade como um todo. Ninguém é obrigado a aceitar o convite para ingresso na Fraternidade Maçónica. A partir do processo de sindicância, os convidados são diversas vezes testados antes mesmo do acto iniciático, em que o promitente candidato é interpelado constantemente acerca da sua verdadeira vontade de ingressar ou não na Maçonaria e de cumprir com os seus princípios e deveres.
A Câmara de Reflexões, por exemplo, destina-se a provocar no candidato pensamentos profundos acerca de sua verdadeira intenção, ressaltando os motivos da sua candidatura e as consequências dela decorrentes. Albert Mackey, citado por J. Castellani (7), refere do seguinte modo sobre o potencial simbólico da Câmara de Reflexões: “Sómente na solidão podemos reflectir em profundidade sobre os nossos actos presentes e futuros; a escuridão, o negrume e o isolamento sempre foram símbolos da morte. Aquele que empreendeu algo, após madura reflexão, raramente volta atrás”.
É diante da realidade inexorável da morte, tão sensível a todos nós, que o homem consegue enxergar, de maneira plena, o seu potencial de transformação perante a vida, perante o próximo, perante o seu semelhante. A Maçonaria evoca frequentemente a morte, não pelo facto de ser uma doutrina macabra, mas pelo contrário - fá-lo como forma de celebração da vida, a fim de demonstrar a falibilidade, a finitude e a igualdade humana. Que sejamos todos iguais antes que a morte nos faça!
Acerca do ritual de iniciação René Guénon (3), salienta que: “A iniciação visa, essencialmente, a ir além das possibilidades da condição humana individual para desejar alcançar a transição a um estado mais elevado e fazer com que a pessoa ultrapasse quaisquer limitações”.
Nesse sentido, ultrapassando suas próprias limitações, o candidato que passar por todas as provações constantes do acto iniciático, prepara-se para ingressar, definitivamente, na Ordem Maçónica, devendo comprometer-se com os seus princípios, directrizes e filosofia, a bem de uma sociedade mais justa e perfeita.
A Maçonaria, nobre instituição, tem a capacidade de reunir sob o mesmo tecto homens das mais diversas ideologias, religiões e credos. E é nesse ponto que reside a sua maior virtude: a virtude da tolerância. Castellani (7), reafirma que: “A Maçonaria não sendo órgão de nenhum partido político, ou agrupamento social, firmou o seu propósito de estudar e impulsionar todos os problemas referentes à vida humana, com a finalidade de assegurar a paz, a justiça e a fraternidade entre todos os homens e povos, sem dependência de raças, cores, religiões, ou nacionalidades”.
III – O Maçom e a Sociedade
A Ordem Maçónica, enquanto Instituição discreta (só é considerada “secreta” pelos seus detractores e inimigos…) revela-se efectivamente como uma escola do saber, cultivando o pensamento filosófico e espiritual respeitante ao aprimoramento do ser humano, num desbastar permanente da “pedra bruta”.
A Maçonaria não pode admitir que os seus ensinamentos, princípios, directrizes e filosofia se tornem meros artigos de cariz alegórico, sem qualquer validade ou aplicação prática. Muito mais do que internamente aos Templos, a Maçonaria deve “acontecer” em plena vida profana, nas cidades, vilas e aldeias, numa demonstração inequívoca de que a Instituição maçónica procura, permanentemente, o aperfeiçoamento do homem e da sociedade.
Para o Maçom, enquanto tal, é essencial ter uma vivência plena segundo os princípios fundamentais da Maçonaria, de modo a aplicar plenamente a nossa filosofia e práticas humanistas e universalistas. Só desta forma faremos a diferença nas comunidades onde as Lojas se inserem, pelo que é determinante a capacidade e responsabilidade de cada Iniciado em compreender e exercer os seus deveres e as suas responsabilidades, perante a comunidade que o rodeia.
Face à sociedade globalizada que nos envolve e constringe, onde se idolatram os metais, campeia o egoísmo feroz e a competição desenfreada e sem princípios, mas em que temos de nos situar, não é fácil resistir e afirmar os nossos valores de sempre.
É por vezes usual desculpabilizar o estado a que se chegou pela «natureza humana», mas como recorda o Ir:. Leonel de Andrade (8), “….É essencial que as Lojas Maçónicas e os seus Obreiros percebam um facto inquestionável: o de que a sociedade humana vem ao longo dos anos envolvendo-se em inúmeras necessidades banais, criadas por mentes vaidosas e vazias, que perdeu de vista a sua realidade e as suas raízes, para uma assustadora e avassaladora inversão de valores éticos e morais, a ponto de afectar inclusive os valores de instituições consideradas até então “inquestionáveis”, tais como a própria família e a Maçonaria, entre outras”.
Ou a Maçonaria se empenha em transformar o Maçom num líder capaz de promover mudanças profundas na área Social, socorrendo-se para tal da sua célula base - a Loja, ou tornar-se-á simples espectadora duma realidade adversa, recheada de factos que contrariam os reais interesses dos cidadãos e dos trabalhadores.
É por tudo isto que a nossa participação na sociedade deve estar desejavelmente ligada a todas as situações que apoiam e potenciam o desenvolvimento humano. Tenhamos sempre consciência do enorme potencial da Ordem Maçónica, já que nenhuma outra organização possui a estrutura humana que ela apresenta, abrigando no seu seio uma enorme diversidade de homens e mulheres, credos, raças, profissões, etc., na busca de um objectivo comum – a evolução da humanidade!
Contudo, na medida em que possuímos uma estrutura filosófica invejável, temos vindo a adoptar a nível da A:. O:., enquanto Instituição, uma postura acomodada e isenta de acções concretas e efectivas para melhorar o ambiente social a que pertencemos. Não fomos, por exemplo, suficientemente activos em questionar os graves atentados aos princípios humanistas e de equidade social, praticados pelos governos das «troikas» patrocinados pelos diversos lobies financeiros, nacionais, europeus e internacionais, em nome duma “democracia unidireccional”, que colocou o nosso país (muito por culpa própria) numa câmara de cuidados intensivos. Que nos recordemos, durante todo esse tempo, o silêncio da N:. A:. O:. foi por demais ensurdecedor…
Ou nos adequamos, reagindo, à realidade de um mundo extraordinariamente dinâmico e altamente instável, sem prescindirmos dos nossos princípios filosóficos, éticos e morais, ou estaremos irremediavelmente condenados a desaparecer em poucos anos, menos pelo abatimento antecipado das colunas dos Templos, mas essencialmente devido a falta de credibilidade, primeiro entre nós mesmos e depois perante a sociedade.
IV – O Maçom e a Loja
A base da sociabilidade Maçónica é a Loja, um grupo local composto por um mínimo de sete pessoas, em cujo seio se realizam sessões ou reuniões, representando-se um ritual (segundo um rito específico) e realizando trabalhos de reflexão e debate. Mesmo que uma obediência maçónica seja constituída por muitos membros, a relação de fraternidade mais intensa realiza-se no seio da Loja, ou grupo local, onde nos reunimos regularmente. É no seio da nossa loja mãe que nos iniciamos como aprendizes, elevamo-nos ao companheirismo e, finalmente, somos exaltados à mestria, que corresponde ao grau mais elevado da Maçonaria tradicional.
A Loja une-nos na nossa humanidade comum, já que as lojas estão abertas a trabalhadores manuais e intelectuais, homens e mulheres, crentes e não crentes, a pessoas de esquerda e de direita ..... que aceitem o quadro de referência ética dos valores e direitos humanos. A loja procura quebrar as barreiras da sociabilidade comum e criar um espaço em que os maçons possam reconhecer na nossa comum humanidade, uma humanidade esclarecida pelo diálogo.
A Loja compromete-se a preservar a privacidade dos seus debates e não está autorizada a publicitar a filiação dos seus membros, a não ser que estes expressamente o permitam. É uma regra de respeito, protegida pelas boas maneiras e pelo artigo Artigo 46.º da Constituição da República Portuguesa (“Liberdade de Associação”).
Um Iniciado só se poderá considerar verdadeiramente Maçom livre de uma loja Livre, quando alcançar o conhecimento de si próprio e a partir daí compreenda aqueles que o rodeiam, nas suas fraquezas, tristezas e até falhas, tendo sempre a frontalidade de lhes transmitir o quanto é fundamental que a lealdade e a sinceridade prevaleçam sempre sobre os interesses individuais .
Para sermos Maç∴ coerentes com os valores que defendemos, é preciso perseverar na via da permanente aprendizagem maçónica, tanto mais difícil numa sociedade que nos massacra e formata constantemente com o «pensamento único» global, através dos diversos meios de «(des)informação», cada vez mais ao serviço e propriedade dos grandes meios financeiros especulativos.
O simbolismo de nos despojamos dos metais à entrada em Templo, significa que não devemos transportar para dentro os ressentimentos e vícios da vida profana, as questiúnculas ou desagravos que nos separam, a atracção pelo vil metal, mas sim a compreensão, o respeito, a tolerância e a fraternidade que devem prevalecer no nosso convívio, apesar das naturais diferenças de opinião que salutarmente nos possam fazer divergir. É participando activamente nos trabalhos em Loja, estudando os clássicos, elaborando ou analisando pranchas, discutindo ou comentando intervenções, apoiando os IIr:. mais necessitados, que o Maç:. constroi progressivamente o seu edifício interior, ao mesmo tempo que contribui para consolidar o exterior, ou seja a A∴ O∴. e a sociedade em que nos inserimos.
Contudo para adquirir essa Consciência para agir, é também preciso dedicação, estudo e compreensão dos ensinamentos contidos na Simbologia e na prática Ritualística que a maçonaria nos fornece, enquanto base da aprendizagem. É sobretudo responsabilidade da Loja, para além de Iniciar o Homem ou Mulher, instruí-los e prepará-los para a nova etapa na sua vida.
Há contudo a necessidade de manter alguma prudência, assegurando alguma distância face às especulações esotéricas e simbolistas, já que segundo Daniel Béresniak (5) “.....O simbolismo, do mesmo modo que a linguagem, é ao mesmo tempo a melhor e a pior das coisas. Pode despertar e estimular ou embrutecer. Pode libertar ou alienar. ..... A Loj:. deveria ser o lugar privilegiado para o estudo do simbolismo. O clima que lá se encontra é o mais propício e estimulante para explorar esta ciência. Lamentávelmente não é assim, já que muitas Loj:. desprezam o simbolismo e outras confundem simbolismo com ocultismo, interpretando à letra as analogias simbólicas, como se fossem verdades eternas em si mesmas.” (f.c.).
Por outro lado, alguns IIr:., talvez por uma visão demasiado «inócua» ou «purista» da Maçonaria e do seus princípios, cristalizaram no tempo original e não aceitam que se discuta dentro das Lojas assuntos de interesse geral para os Maçons e para a Sociedade em geral, inclusive da Ordem, como as questões Políticas, Económicas e Sociais. Defendemos que a nossa falta de posicionamento político actual(não confundir com partidário), comparativamente ao auge do período após 1ª República, muito tem contribuído para o estado de coisas a que assistimos no país – onde a N.A.O:. não aparece fortemente empenhada no combate à falta de Ética, Corrupção e Impunida de , em que até alguns «Irmãos» aparecem episodicamente associados.… .
Por outro lado e sob o pretexto de sermos um pequeno número, se comparados a outras organizações, alguns podem ser tentados a defender e a promover abertamente uma iniciação pouco selectiva de profanos, propiciando o acesso aos nossos Templos, a pessoas que em nada contribuirão para o fortalecimento das nossas colunas. Como bem foi apontado como principal linha geral do nosso penúltimo Congresso, é imperioso evitar que possam ser propostos candidatos sem os menores critérios ou cuidados, por simples amiguismo ou conivência (partidária ou outra), permitindo assim que indivíduos sem princípios utilizem a Maçonaria, unicamente para a conquista de benefícios pessoais ou profissionais. Estas ocorrências, quando vindas a público, desencadeiam e potenciam campanhas anti-maçónicas, que nos enfraquecem, ou não bastassem os quase 50 anos da ditadura e o tão arreigado espantalho da conspiração «judaico-maçónica-comunista» que, convenhamos, não temos conseguido desmontar eficazmente.
Tendo a Maçonaria por objectivo último a formação e aperfeiçoamento do homem, transforma-o não só como maçom, mas também como elemento da sociedade em que se insere. Este processo não se opera por milagre, nem se improvisa, pelo simples facto de constar no quadro da Oficina, por mais excelentes que nos julguemos.
É quanto a nós essencial que periodicamente nos interroguemos (recordando o célebre discurso do Presidente John Kennedy), «não no que a Maçonaria poderá fazer por mim, mas no que poderei eu fazer pela Maçonaria?»
V – Dos Deveres e Obrigações
1 - Da Assiduidade
Alguns IIr∴ relativizam a assiduidade às sessões em Loj∴, tendo sempre presentes desculpas como: “um dia muito cansativo”, “falta de disponibilidade temporal”, “acompanhamento familiar”, “compromissos profissionais ou de negócios” e até por vezes o facto de “de estarem pouco disponíveis para rituais ultrapassados” .....
Como manter, prosseguir e elevar o funcionamento regular duma Loj∴, se a maior parte dos membros ou não comparece regularmente aos trabalhos, ou estando presentes, comportam-se por vezes como se estivessem num liberal e profano convívio?
Apesar de ser o menos exigente dos deveres exigidos ao Maç∴, o cumprimento da Assiduidade é essencial para o Iniciado, já que dela depende fortemente a sobrevivência da loja. É também o que mais se adequa aos seus próprios interesses, o progresso individual, suportado nos conhecimentos que a Loj∴ e a A:. Ord.´.lhe proporciona.
Segundo Oswald Wirth (3) : «o verdadeiro Maçom, que uma inflexível determinação impede, salvo caso de força maior, de faltar a alguma reunião da sua Oficina, fornece aos seus IIr∴ por cada presença, uma inapreciável ajuda de energia psíquica. Contribui para carregar esta pilha de dinamismo humano de que os membros activos duma loja são os elementos constitutivos».
Como é possível conciliar o absentismo sistemático aos trabalhos em Loj∴ com um «profundo» espírito maçónico? Se todos os Maç∴ de uma Loj∴ partilhassem dos mesmo “princípios”, a curto prazo a Oficina abateria colunas, óbviamente sempre dentro dum “profundo” espírito maçónico.
Para Irène Mainguy (2): «A assiduidade é um elemento fundamental do percurso iniciático. É indispensável a toda a progressão…. A assiduidade favorece o trabalho interior da compreensão e da integração e faz parte do comprometimento maçónico inicialmente contratado. Assegura uma continuidade no tempo. Solicita esforço e boa vontade. É um factor de realização desde que que não seja nem um passa-tempo, nem a rotina ou passividade. A assiduidade exige a regularidade, a constância e muita vigilância».
O sistema moral e filosófico em que a A∴ O∴ nos envolve, "protegido pelo mistério e embelezado pelos símbolos" (1), é sem dúvida, o sistema mais perfeito que o homem criou para a convivência e aprendizagem. Não funciona com devaneios, intelectualismos sobranceiros ou inacessíveis, ou meras “inscrições” no quadro da Loja. Funciona com seres humanos de carne e osso, que são simultaneamente o seu instrumento, arma e triunfo. Mas para que um tal sistema funcione é necessário frequentar regularmente a Loja e trabalhar em prol dos objectivos traçados.
2 - Da Postura ao Nível dos metais na Tesouraria
Outro item frequentemente negligenciado, é a da postura em Loja, onde por vezes assistimos a posicionamentos desrespeitosos de IIr:. que mais parecem estar num descontraído encontro profano, conversando assiduamente com os IIr:. do lado e/ou consultando as mensagens do telemóvel ou tablet.
Num sentido mais abrangente e não físico, a postura significa atitude, conceito principalmente de cunho moral, de que deve estar revestido o Maç∴. A simbiose mais ou menos intencional, do discurso eloquente, da palavra fácil ou da nobre intenção, por mais arrebatadora que seja, não elimina nem se substitui ao filtro da prática diária, como homem livre e de bons costumes, com todas as implicações e consequências daí decorrentes.
Outra obrigação, muitas vezes descuidada (sem que exista situação de carência) é da quotização, crucial para permitir assegurar os compromissos financeiros da Loja. O Ir∴ cumpridor dos seus deveres e obrigações não deve esperar que o Ir∴ Tes∴ o procure para saldar as suas contribuições. Atempadamente e antes de ser procurado, ajustará o nível dos metais junto ao responsável pela tesouraria.
VI - Em conclusão
Tendo a Maçonaria por objectivo último a formação e aperfeiçoamento do homem, transforma-o não só como maçon, mas também como elemento da sociedade em que se insere. Este processo não se opera por milagre, nem se improvisa, pelo simples facto de constar no quadro da Oficina, por mais excelentes que nos julguemos.
O Maçom deve ter consciência de que é um elemento que se colocou a favor do equilíbrio entre o Homem e a Sociedade e, consequentemente, da evolução da sociedade humana e de tudo que a cerca, antes de ser um homem envolvido em relações de âmbito estritamente material.
Por contraponto à enfase quase exclusiva em detalhes exotérico-ritualísticos, que apesar de importantes no seu contexto, tendem a impedir-nos de olhar para além do umbigo, se tornados dominantes, a Maç∴ tem de sair para a rua e ligar-se à sociedade. Caso contrário definhará, ou pelo menos não evoluirá, esgotando a força e energia em questiúnculas intestinas de egos e ambições mal resolvidos, esquecendo o essencial dos seus objectivos e o papel a desempenhar na Sociedade.
Esta postura é razão mais do que suficiente para o dever de se discutirem os rumos de nossa Augusta Ordem conjuntamente com todos os IIr:., e em especial na Loja. Na nossa base existem homens e mulheres que certamente podem contribuir para o engrandecimento da Maçonaria, sendo necessário, por vezes, despertar-lhes a vontade e a necessidade do enorme trabalho (nunca finalizado) para que as nossas marcas indeléveis sejam semeadas e frutifiquem no caminho que percorremos, na perspectiva na renovada esperança dum amanhã melhor.
Não basta proclamar alto e bom som que “eu sou Maçom” ou “eu pertenço à Maçonaria” se ao mesmo tempo se aligeiram ou negligenciam as obrigações que jurámos respeitar aquando da Iniciação.
No final das sessões, a cadeia de união humaniza-nos e faz-nos vibrar, libertando-nos e unindo-nos simultaneamente. Liberta-nos do lastro da vida profana, das forças negativas que agem em nós e une-nos num nível mais elevado de tolerância e auto-superação, isto é interliga-nos maçónicamente. Essa emoção profunda só se pode sentir estando presente nas sessões.
Irmanados na busca permanente pelo desenvolvimento do edifício social, os maçons devem agir como construtores de uma sociedade mais digna, mais justa e mais igualitária. Porém, para que isso aconteça, é necessário que o maçom reflicta, periódicamente, sobre o dia em que foi iniciado. Sómente assim fará com que a sua consciência actue e realize o homem livre e de bons costumes, conforme foi considerado, ainda de olhos vendados pela escuridão profana, quando bateu à porta do Templo, para o início da sua vida maçónica, rumo à luz da sabedoria.
Em jeito de conclusão podemos afirmar que o Ritual de Iniciação revela-se como um acto extremamente importante na formação maçónica. Os seus ensinamentos devem incidir, quotidianamente, no modo de viver e de agir do Maçom, seja ele Aprendiz, Companheiro ou Mestre, esteja ele dentro ou fora do Templo. Uma vez Iniciado, será Maçom para sempre!
Salvador Allen∴ M∴ M∴
(Setembro, 2017, e:. v:.)
Bibliografia:
(1) – Mourges, Jean - “La Pensée Maçonnique – Une Sagesse pour L’Occident”, Éditions P.U.F., 1989
(2) – Mainguy, Irène - “À la Suite de Oswald Wirth - La Franc-Maçonnerie Clarifiée pour ses Initiès -– Le Compagnon”, Ed. Dervy, 2012
(3) – Wirth, Oswald - “La Franc-Maçonnerie Rendue Intelligible à ses Adepts – Le Maître”, 2005.
(4) - Ataola , Javier – “Unhas questions à propôs de la Masoneria”, publicado em “El Masòn Aprendiz”, 20.Nov. 2012
(5) – Béresniak, Daniel – “Los Oficios y Los Oficiales de La Logia”
(6) - Camiño, Rizzardo da – “Maçonaria Além dos Véus”. São Paulo: Madras, 2011.
(7) - Castellani, José – “A Ação Secreta da Maçonaria na Política Mundial”. 2ª Ed. Rev. São Paulo: Landmark, 2007.
(8)....Editado a pedido do Autor...
(9) – Constituição da N.A.O. (2005)
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