Almada Negreiros é uma figura ímpar no panorama artístico português do século XX. Essencialmente autodidata, a sua precocidade levou-o a dedicar-se desde muito jovem ao desenho de humor. Mas a notoriedade que adquiriu no início da sua carreira prende-se acima de tudo com a escrita interventiva ou literária.
Almada teve um papel particularmente ativo na primeira vanguarda modernista, com importante contribuição para a dinâmica do grupo ligado à Revista Orpheu. Sendo a sua ação determinante para que essa publicação não se restringisse à área das letras.
O seu espírito inconformado, e até mesmo de revolta, em relação ao que o rodeia, deve-se em grande parte à sua história. Perde a mãe ainda muito novo e é internado num colégio pelo pai.
Almada põe em tudo aquilo que faz a força da vida, as suas obras são vibrantes, polémicas, mas nunca banais ou capazes de passar despercebidas. A escrita, é a sua arma de arremesso, põe nas palavras a força que as transformam em verdadeiras lanças, capazes de ferir os demais poderes instituídos, os vícios da sociedade e as figuras burguesas, pelas quais, nutre um especial desrespeito e ódio.
Na sua obra escrita, podem encontrar-se alguns exemplos desta sua atitude, trabalhos como a Cena do Ódio, escrita durante os 3 dias e 3 noites nas quais se desenrolou, a revolta de 14 Maio de 1915, ou no Manifesto Anti-Dantas. Onde desenvolve uma feroz crítica à sociedade de então, personalizando, os vícios, a hipocrisia e a decadência existente, na figura do Dantas. Um destacado membro da sociedade intelectual, que para Almada, representava o poder instituído e a clara resistência e bloqueio aos valores Modernistas.
O impacto deste Manifesto foi de tal ordem, que foi o próprio Dantas, a comprar toda a tiragem impressa e a destrui-la de imediato.
Na pintura, o seu trabalho mais conhecido é sem dúvida o quadro, em que representa o amigo, Fernando Pessoa, sentado a uma mesa, com papel e caneta, fumando um cigarro, acompanhado pelo Número 2 da revista Orpheu.
Em todo o seu percurso as duas orientações de busca e criação de Almada Negreiros foram a beleza e a sabedoria.
Para ele "a beleza não podia ser ignorante ou idiota tal como a sabedoria não podia ser feia ou triste"
Almada Negreiros foi um pintor-pensador. Foi praticante de uma arte elaborada, que pressupõe uma aprendizagem que não se esgota nas escolas de arte; bem pelo contrário, uma aprendizagem que implica um percurso introspectivo e universal.
O tema principal de Almada foi o número, a geometria (sagrada) e os seus significados, declarando que a sabedoria poética e a sabedoria reflectida têm entre elas a fronteira irredutível do número.
Almada revela-se assim um neopitagórico sendo este seu lado a fonte mais profunda da sua inspiração e da sua criatividade. Segundo Lima de Freitas, esta é a sua “loucura” central.
Busca durante anos a fio o enigmático Ponto de Bauhütte. sobre o qual escreve um dia:
Um ponto que está no círculo
E que se põe no quadrado e no triângulo.
Conheces o ponto? tudo vai bem.
Não o conheces? tudo está perdido.
Bauhutte era uma associação que reunia o conhecimento dos colégios de construtores, anteriores à queda do Império Romano do Ocidente.
Fundada na época das cruzadas, por arquitectos, construtores e pedreiros do Santo Império Germânico, Suíça e países limítrofes de língua germânica.
Estes núcleos de mestres de obra, artesãos e pedreiros, reagruparam e conservaram os textos e documentos da ciência da proporção da Antiguidade grega e Alexandrina e transmitiram a mística pitagórica dos números.
Embora mantendo íntimos laços com a igreja, este grupo passa a organizar-se em sociedades semi-secretas inteiramente laicas
O interesse, estudo e procura de Almada Negreiros, por este tema, ficou registada por vários textos, por numerosos traçados geométricos e por algumas pinturas a preto e branco que Almada foi acumulando, mas sem tornar público o fundo do seu pensamento.
Almada foi escritor, bailarino, dramaturgo e pintor. Foi um marco incontornável da historia da arte em Portugal. Na sua evolução como pintor, passou do figurativismo e da representação convencional dos primeiros tempos, para a abstracção geométrica, matemática e numérica que caracteriza as suas últimas obras.
Mas mais, muito mais, foi um espírito sempre inconformado, um lutador contra a banalidade, contra os poderes instituídos a mediocridade e a ignorância.
Fez da arte o seu campo de batalha, das telas e das letras as suas armas.
Oferecendo o génio às balas na luta pela elevação do espírito e condição humana.
E quando lhe perguntavam quem era, respondia tão somente:
Meu nome é José de Almada Negreiros, futurista e tudo.
Almada Negreiros M:.M:.
janeiro de 2013
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