I - Introdução
A Maçonaria, uma das mais antigas e enigmáticas instituições fraternais do mundo, carrega consigo séculos de tradição e uma forte conexão com valores como a liberdade, Igualdade, Fraternidade e o aperfeiçoamento individual da pessoa humana. A maçonaria não sendo uma religião, é contudo muitas vezes associada a crenças espirituais, constituindo contudo uma instituição que transmite os seus conhecimentos, membro a membro, através de rituais recorrendo fortemente à simbologia, carregados de alegorias,.
A Maçonaria ao longo da sua história, tem procurado adaptar-se às sucessivas mudanças sociais e culturais, ao mesmo tempo, que tenta preservar os princípios e valores que a definem. No século XXI, o impacto das novas tecnologias e a modernidade dos novos hábitos, costumes e ideias sociais representarão um novo e enorme desafio desafio para a instituição. As reflexões que se seguem procuram explorar / perspectivar a forma como a Maçonaria lidará com a revolução digital e as novas «modas» sociais, integrar e interiorizar as novas tecnologias sem perder a sua essência, enquanto tal.
A Maçonaria sempre foi uma fraternidade que promoveu a convivência num ambiente restrito, seres humanos livres e de bons costumes (na altura sómente homens) devidamente selecionados, em que o Simbolismo e o Rito desempenham um papel fundamental na formação dos membros. O uso de ferramentas tradicionais como o compasso, o esquadro , a régua, o malhete e o cinzel simbolizam o aperfeiçoamento contínuo do ser humano, algo que, à primeira vista, pode parecer distante das inovações tecnológicas actuais. Contudo é através das distintas simbologias e orientações apresentadas que encaminhamos os nossos passos rumo ao aperfeiçoamento humano e, ao de toda a Humanidade. Todavia, o mundo moderno está cada vez mais digital, e a Maçonaria, com o seu histórico de adaptação e evolução, enfrenta também agora o forte desafio de integrar as inúmeras e novas oportunidades decorrentes das novas realidades do mundo moderno, sem perder a tradição que a distingue caracteriza.
Esta transição também traz enormes desafios e preocupações, que devem (e foram) tidos em conta desde o início das respectivas implementações, tais como a necessidade de manter a segurança das informações e garantir que os valores de confidencialidade e discrição da Maçonaria sejam preservados no novo ambiente digital, já que, como costuma dizer-se, «uma vez no digital, no digital para sempre». Ferramentas de criptografia e sistemas de autenticação avançados têm sido adoptados, no entanto dada a proliferação de SWs malignos de intrusão, utilizados pelos «hackers» e pirataria, não é possível garantir que os dados sensíveis permaneçam sempre protegidos a 100%. Este é um dos principais pontos a ter em atenção, quer para as organizações actuais, quer sobretudo e cada vez mais, para as futuras.
Importa igualmente analisar abertamente o papel que a Maçonaria desempenhou e o que pode e deve vir a desempenhar na sociedade e no país, e até globalmente no novo mundo que entrelaça o planeta, agora «digital», em que nos inserimos. Referimo-nos essencialmente (mas não só) à corrente «liberal / adogmática» a que estamos adstritos e que entre nós leva já mais de 2 séculos de existência ininterrupta. Neste tempo registaram-se muitos avanços, que tiveram a nossa dedicada contribuição, como a luta contra contra o absolutismo (a aliança entre o Trono e o Altar), mas também adversidades, consequência dos regimes ditatoriais em que conseguimos sobreviver com dificuldade, em especial durante a Inquisição e as revoltas anti-absolutistas do século XIX, e mais tarde, já no século passado, perante a ditadura salazarista, pela sua violência e duração.
II – Maçonaria versus Democracia
Permitam-me que partilhe convosco, numa breve abordagem, algumas reflexões que sobre este tema tenho vindo a efectuar, com o humilde intuito de tentar correlacionar estas duas forças que mutuamente se alimentam. Também responsáveis pelo avanço civilizacional e humanista dos três últimos séculos, contra quem atentaram os regimes mais ditatoriais e autoritários, culminando nas duas terríveis guerras mundiais do Séc.XX , sobretudo na última.
A evolução civilizacional que tínhamos assumido no mundo ocidental, como conquistada e relativamente estável (ou mesmo irreversível, após a derrota do eixo fascista, em 1945), está cada vez mais ameaçada pelas novas realidades, resultantes da globalização sem regras, desencadeadas pelo progressivo controlo do poder económico, oligárquico e supra-nacional, sobre o poder político nacional e internacional.
Como reação à geral incapacidade (ou falta de vontade) politica em inverter a situação (incapacidade, incompetência e corrupção manifestada por vários actores politico-económicos), movimentos populistas e extremistas de direita - de cariz mais ou menos abertamente fascizante - começaram a ressurgir nas últimas duas décadas. Tendo obtido crescente apoio nos últimos anos (com as eleição de Trump, Victor Orban, Bolsonaro, e agora novamente Trump, entre outros) e aproximando Marine LePen cada vez mais do caminho que lhe abrirá a entrada triunfal no palácio do Eliseu (felizmente frustado até hoje), mas dado como certo nas próximas eleições presidenciais em França.
Como incentivar os governos a trabalhar efectivamente para a resolução dos problemas do país e das pessoas e não maioritáriamente para as oligarquias que, em parte significativa os apoiam e/ou sustentam, e também a incentivar nos cidadãos o espírito cívico e os meios para exercer plenamente a sua soberania, através duma democracia consistente e actuante? Como voltar a fortalecer as Democracias?
Platão escreveu que a democracia inevitavelmente tem a tirania como sua sucessora, por causa dos excessos de liberdade. Sejamos porém mais optimistas e lembremo-nos de Winston Churchill, quando afirmou, numa das suas frases mais divulgadas: “A democracia é a pior forma de governo, com a excepção de todas as demais” ou: “A democracia é o pior dos regimes políticos, mas não há nenhum sistema melhor do que ela!”.. Contudo temos de reconhecer que até se podem considerar optimistas, pois não nos podemos esquecer que bestas imundas (como Hitler & Companhia) chegaram ao poder, por via democrática.
III – No futuro, que desafios?
De um modo geral, não foi fácil a sobrevivência até ao presente (perseguição e proibição pelas ditaduras, Igreja e extremistas de direita) e, no entanto, a Maçonaria adogmática aí está firme, apesar de alguma «balbúrdia» e razoável confusão em que está mergulhada nalguns países. No presente, através do surgimento de cada vez maior número de pequenas «obediências» (fruto de cisões, muitas vezes artificiais, normalmente para satisfazer as vaidades e ambições dos «líderes» que as acabam por dirigir). Continua também presente e sem solução «à vista», a já tradicional, absurda e permanente clivagem da Maçonaria Universal, entre a auto-denominada «regularidade» anglo-saxónica (os «dogmáticos») e a «irregularidade» continental (os «adogmáticos e laicos»). Recorde-se contudo que quem declarou em 1877 a «irregularidade» foram os britânicos, que passando sistemáticamente ao lado das maiores lutas de emancipação e evoluções históricas dos últimos trezentos anos (revolução francesa, revoluções anti-absolutistas na Europa, independências de Itália, América Central e do Sul e a seguir da África), assumiram a cisão por motivos que podemos considerar dignos de uma organização dogmática (associando-se sempre ao Trono e ao Altar...), sendo consequentemente reconhecidos, a partir daí, como tal).
Com as novas tecnologias e a Globalização que se lhe seguiu, desenvolveram-se a robótica, a nanociência, a realidade virtual, a mecatrónica, as neurociências e sobretudo a IA - Inteligência Artificial (entre outras). O mundo mudou e está a mudar a uma velocidade acelerada e a maior parte de nós ainda não percebeu que já entrámos numa nova era, suportada numa evolução tecnológica dificilmente imaginada, há quarenta anos atrás.
No passado a Maçonaria, como a conhecemos e defendemos, de forma mais ou menos estruturada, foi-se expandindo pelo mundo, quase sempre em coincidência com alguma agitação política e/ou nacionalista, que de certa forma alavancou a organização, provocando também cisões, rivalidades e guerrilhas internas de toda a espécie, originadas pela perniciosa prevalência dos valores profanos na mentalidade de vários Irmãos e até responsáveis (vaidade, mentira, carreirismo, ambição desmedida e ganância de poder, etc).
Contudo a maioria dos Irmãos, felizmente, persistem ainda em assimilar os antigos ensinamentos de auto-aperfeiçoamento e evolução espiritual, construindo-se como verdadeiros Maçons. Por outro lado a Ordem também é, de modo geral, substancialmente conservadora. Parece não contarem muito para ela os actuais avanços da ciência e dos novos valores, atrasando normalmente a sua aplicação até não poder evitá-lo, como por exemplo - o acesso às mulheres (que entre nós foi finalmente resolvido este ano, graças às iniciativas do G:.M:. , C:.O:. e restante Ordem, apesar da normal oposição de variados sectores). Reconheçamos contudo que não é fácil juntar Modernidade com Tradição.
Como bem questiona o Ir:. H. Spoladore [8]: “Qual a função do Maçom no futuro? Social, cientifica, política, cidadão do universo? Ou será apenas de estudos e auto-aprendizagem e conhecimento? Qual será o conceito de fraternidade entre os maçons do futuro? Haverá potências como as conhecemos hoje? Qual será o conceito avançado do G.A.D.U.? “Como será a Moral e a Ética no futuro? A Moral varia na cronicidade das épocas. O que é bom para a Ordem hoje, poderá ser mau daqui a 100 anos. Sendo a Moral o estudo e aplicação dos costumes da época e a Ética a ciência que estuda as regras pertinentes, cumpre questionar que parâmetros serão seguidos? Tudo será provavelmente bastante diferente.
Acreditamos que talvez daqui a pelo menos cinquenta e cem anos a Maçonaria existirá, mas quase por certo em moldes substancialmente diferentes dos actuais. Poderão existir eventualmente menos potências, suportadas por potentes e inteligentes sistemas computacionais, utilizando as últimas versões de SW e integrando plenamente os últimos desenvolvimentos da Inteligência Artificial (IA). Tudo poderá ocorrer de forma muito diferente da actual ou até do que a nossa imaginação possa alcançar. Surge no entanto um obstáculo primordial, uma vez que a verdadeira Maçonaria só se aprende e pratica nas Lojas, como efectuamos «ab initio», como «desmaterializar» este requisito essencial? Será que poderemos ou iremos ter um robot a ler-nos à distância (ou até em alguns locais) pranchas de simbolismo e ritualística, ou até de ordem geral, à ???
Ou, por outro lado, com a previsível redução da aceitação de algumas práticas maçónicas, nas Sociedades ocidentais, mesmo com a previsibilidade de decréscimo significativo do custo das aplicações e do acesso à «nuvem», poderemos assistir a um maior «definhamento» das maiores Obediências existentes. Esta redução de influência pode levar ao seu eventual enquistamento em micro-seitas, estáticamente voltadas para o passado, olhando para o «umbigo», cada vez mais esotéricas e agregadas por um líder autoritário (após todos os eventuais contestatários, de mentalidade mais aberta, terem sido obrigados a sair), que se irão desligando da sociedade real, desaparecendo gradualmente, vítimas da sua limitação e ineficácia. Temos esperança que tal não venha eventualmente a acontecer.
Os genes humanos continuarão a transmitir os mesmos caracteres programados de há duzentos mil anos atrás, apesar da evolução. As guerras, cada vez com armas mais sofisticadas, com armamentos de destruição massiva, justamente por causa da ambição, vaidade, inveja, mentira e outras qualidades «bestiais» que nos foram legadas através deles (genes), deverão perdurar, a não ser que sejam modificados pela ciência, como já alguns aventureiros pretendem. Perspectivam apagar neles todas as qualidades deploráveis (contribuindo para «re-programar» os genes, podendo levar, em extremo, ao auto-extermínio da raça humana, na luta pela «raça pura»…). A ficção de alguns filmes «clássicos» da série guerra das Estrelas ou do Espaço, a isso «encaminha»… .
O Homem, atendendo à sua natureza intrínseca e ao poder que poderá ser dado a dirigentes radicais e sem escrúpulos, poderá usar a máquina para ter mais poder sobre os seus semelhantes, mas a máquina (de per si) não deverá ser capaz de fazer isso.
O software já está a desactivar a maioria das atividades tradicionais, e nos próximos cinco ou dez anos a aceleração irá acentuar-se. Alguns casos actuais: o Uber é apenas uma ferramenta de software. Não é proprietária de carros, e, no entanto é a maior «companhia de táxis» do mundo. A AirBnb é a maior rede hoteleira do mundo, sem possuir um hotel sequer, a Ali-Babá é a maior cadeia de vendas na China, mas não tem armazéns, para já não falar da Google, Meta, Amazom, Apple, etc... .
Através da capacidade e potência quase ilimitada da Inteligência artificial, os computadores estão a tornar-se exponencialmente melhores no entendimento do mundo.
Nos Estados Unidos, há mais de 10 anos, os advogados jovens começaram a perder o emprego, já que com o Watson (supercomputador da IBM) é possível conseguir aconselhamento legal dentro de segundos, com mais de 90% de exactidão, quando comparados com os actuais 70% de exactidão obtidos pelos advogados, pelos métodos convencionais [9].
O Watson está também a ajudar Enfermeiras técnicas no diagnóstico do cancro da mama, com uma exatidão de quase 100% (e já não referimos as actuais teleconsultas / diagnósticos e ate operações cirúrgicas remotas...).
Com a significativa queda do preço das impressoras 3D nos últimos 10 anos, aliada ao enorme aumento de velocidade (100 vezes mais rápida), muitas fábricas de sapatos começaram a imprimir sapatos em 3D e várias peças de reposição de aviões já são impressas em 3D em aeroportos remotos. Actualmente impressoras 3D gigantes já disponibilizam casas individuais e até blocos de apartamentos. Imagina-se que até o ano 2030, 15% de tudo será impresso em 3D [7].
A partir de 2020/5, a indústria automobilística tradicional começou a ser «demolida». No futuro não haverá provavelmente mais necessidade de carta de condução ou de ser dono de um carro. Isso mudará para melhor as cidades (muito menos carros), além de que cerca de 90 a 95% dos carros estarão completamente desactualizados, sendo até proibidos de circular pela poluição que provocam.
Os grandes fabricantes automobilísticos tradicionais (nomeadamente europeus e japoneses) foram obrigados a adoptar uma técnica evolucionista e fabricam carros cada vez melhores, híbridos e agora já 100% eléctricos, para conseguirem resistir ao enorme confronto, inicialmente com a Tesla e actualmente com as marcas chinesas. Entretanto os fabricantes europeus e japoneses tentam adaptar-se pela vantagem tecnológica do «híbrido», na perspectiva do hidrogénio, de forma a manter a vantagem, pela adaptação evolutiva da sua estrutura base tecnológica analógica, evitando o domínio chinês no mercado eléctrico, quer nas baterias quer no potencial de matérias primas e metais raros que lhe estão inerentes, em que a China é o 1º produtor mundial.
Por outro lado perspectiva-se que a eletricidade se tornará mais barata, especialmente via componentes complementares solar e eólica, que se juntam à hídrica tradicional e os japoneses já experimentam a produção eléctrica a partir da chuva... . Teremos adicionalmente água potável abundante, através da dessalinização da água do mar, a baixo custo.
Quanto à Longevidade humana, possivelmente dentro de 40 anos a sobrevida média estará à volta dos 100 anos. Na Educação, com os tablets e smartphones cada vez mais baratos, cada ser humano dos países mais avançados, poderá ter o mesmo acesso à educação e à informação, em qualquer lugar e a nível mundial, a começar pelas crianças, no pré-escolar. Necessitará, e isso é fundamental, que lhe seja transmitida, previamente ou durante os primeiros percursos, o mínimo de educação / conhecimento «digital», para que ajude a distinguir informação, que gera conhecimento, do «lixo digital» (predominante) que circula nas redes sociais.
Com todas e tantas inovações tecnológicas, com tanto poder económico e riqueza na mão de cada vez menos, a democracia corre o risco de se ir desfigurando em autocracias crescentes. Os políticos são cada vez mais «telecomandados» pelo poder económico, que se sobrepõe a eventuais objectivos individuais ou de grupo. O mesmo acontece com os cidadãos, em geral, via da eficaz «anestesia» que os grandes meios de (des)informação, controlados por aqueles, propiciam. Tudo isto se passa com a aderência complacente da maior parte dos cidadãos, transformados em receptores passivos, sem que disso se apercebam.
Se não surgir uma nova geração de políticos competentes, cultos e éticamente determinados (substancialmente diferentes da maioria actual), o que passará pela inevitável regeneração dos aparelhos partidários actuais e/ou surgimento de novos partidos com ideias democráticas mais «clean», abrangentes e sustentadas (em cuja formação a Maçonaria deverá ter um papel fundamental, pela «inoculação» dos seus valores), representando camadas da população mais mobilizadas e activas, o futuro afigura-se-nos cinzento, para não dizer ainda mais escuro, exceptuando obviamente o universo dos populistas e extremistas de direita e dos seus companheiros, provavelmente na altura, já abertamente neo-nazis.
Sendo esta ameaça cada vez mais pertinente na Europa e no mundo, poderá representar no entanto, em nossa opinião, uma oportunidade essencial para a Maçonaria estar mais perto e se entranhar na Sociedade, já que compete aos cidadãos «livres e de bons costumes», desmistificar , combater e anular as ameaças totalitárias e as cada vez mais gritantes desigualdades, em que a falta de solidariedade e apoio aos desempregados, aos mais fracos, aos idosos e porque não, ao meio ambiente, que a todos afecta, se tornou prática corrente para os ideólogos do ultra-liberalismo, cada vez mais totalitário.
IV – E a Maçonaria?
A Loja, além do inesgotável espaço de liberdade que representa, é também um lugar onde se transmite uma Tradição, e onde se espera que os mais velhos a continuem a propagar e representar, interpretando-a e comunicando-a aos mais novos, não esquecendo o ritual.
Sendo a transmissão individual e cada um de nós diferente, ninguém caminha à mesma velocidade, nem no mesmo nível de desenvolvimento. Isto nada tem a ver com o valor dos indivíduos, pois cada um é essencial para a construção do edifício do seu templo indididual. Todos os Maçons são pedras indispensáveis na construção do Templo, e se houver uma pedra fraca ou deficientemente enquadrada, os outros devem consolidá-la. Quando não existe igual acesso ao conhecimento (diferente em cada Irmão), tem de existir respeito e atenção, face ao desejo de progressão individual dos Irmãos, que assim o pretendam.
Manuel Pinto dos Santos [1] considera que, no caso da Maçonaria: “2 - Efectivamente é pensar que existe democracia em Loja, quando os Aprendizes, e os Companheiros são proibidos de votar, quer na escolha dos seus oficiais, quer nas deliberações tomadas, quando se sabe que a maioridade civil é bastante para o acto de votar nas eleições profanas. 3 – Também a escolha dos Adjuntos dos Grão-Mestre por este, e por vezes dos membros que compõem o Conselho da Ordem – conforme as Obediências – ou de alguns ou de todos os oficiais da Loja por parte do Venerável, demonstra que a regra democrática tem que ceder em nome de outros interesses, nomeadamente os ligados à variante iniciática. 4 – Determinado tipo de Maçonaria manteve-se activa em países ditatoriais ou totalitários, sendo legalmente permitida, como por exemplo em Cuba, durante o regime castrista” e até na Rússia actual (óbviamente desde que não coloquem em causa o «sistema»).
Em que momento nós, maçons, evocamos concretamente a democracia republicana?
No R.E.A.A. (e identicamente no Rito Francês) no momento da iniciação, durante a elaboração do testamento filosófico, pede-se ao requerente que trabalhe e identifique os deveres do homem para consigo mesmo, com a sua família, a sociedade e a Humanidade.
Posteriormente, pouco antes de fazer o juramento, o Venerável Mestre alerta: “o compromisso que vai assumir não contém nada que possa ferir a consciência ou prejudicar a obediência às leis”.
No Rito Escocês, por proposta do Venerável, o iniciando promete trabalhar com zelo, constância e regularidade na obra da Maçonaria, procurando a Verdade, respeitar e amar os Irmãos e ajudá-los e também a pôr em prática a lei da Solidariedade humana, doutrina moral da Maçonaria, protegendo os fracos, praticando a justiça para com todos, a dedicação para com a Pátria e para com a Família e a dignidade para consigo próprio.
No ritual de banquete do Rito Escocês – R.E.A.A., cito a segunda saúde: “em honra da Nação Portuguesa, ao povo a quem pertence a soberania e à representação nacional e aos poderes estabelecidos pela Constituição Portuguesa», terminando com “À glória e à prosperidade de Portugal”
E por último, óbviamente, o nosso lema: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
No entanto e apesar do referido anteriormente, a democracia na Loja está, contudo muito presente:
A loja é soberana e orienta-se pelo princípio "um homem livre numa loja livre". Todas as responsabilidades são claramente delimitadas e electivas. Todos os irmãos Mestres são elegíveis para os diferentes cargos. O poder dos oficiais dignatários é muito limitado e as decisões são colegiais. Os estatutos e regulamentos da loja (que não podem contrariar, mas sim complementar, os da Obediência) são votados pela loja e nenhum oficial tem autoridade para os modificar. A liberdade de expressão de todos está no centro do sistema.
Pelo tradicional método de "concessão da palavra", todos têm a oportunidade de se expressar no espaço do Templo. Apenas as ideias podem ser contraditórias, como seria de esperar num conjunto de «homens livres e de bons costumes». O aspecto contraditório destes discursos ilustra um elemento muito importante do aspecto democrático da nossa Ordem: ninguém é obrigado a fazer ou dizer o que a sua consciência lhe nega, ou a defender o ponto de vista da maioria.
No entanto, podemos abordar esta questão de um modo algo diferente, olhando para a fonte das regras (leis) às quais um grupo se submete. Se estas encontrarem a sua origem dentro do próprio grupo («Regulamento Interno»), pode-se qualificar o sistema como democrático (à falta de outra designação). Por outras palavras, um sistema também pode ser qualificado como democrático (no sentido amplo definido acima), desde que um grupo social não imponha as suas regras a outro grupo. Ou por extensão, desde que todos os que o desejem possam candidatar-se à gestão.
No Regulamento Geral da N:.A:.O:., os pilares da organização democrática estão estabelecidos com uma separação clara dos três poderes: legislativo, executivo e judiciário.
Por outro lado, parece-me mais difícil associar democracia e Iniciação, ou seja no fundo democracia com Tradição.
A Iniciação é uma cooptação e, portanto, não é em essência democrática. Porém, é a Loja como um todo que vota sobre a aceitação de novos membros e, neste pormenor, não há diferença entre cooptação e eleição por sufrágio universal.
O único elemento alheio às exigências usuais da democracia é, para o profano, o caráter anónimo dos seus sindicantes. Isso pode ser muito sério quando (pelo menos) um irmão da loja levanta objecções e o profano, na ignorância de quem o acusa e de que é acusado, não se pode defender. O trabalho dos irmãos sindicantes deve esclarecer a Loja para o estabelecimento da verdade e, assim, permitir que todos julguem com consciência e conhecimento de causa.
Então começa para o jovem iniciado, um período de silêncio, e um direito na prática inexistente, o voto. Esse processo não é democrático à primeira vista, mas no entanto a grande maioria dos Aprendizes acaba adquirindo o grau de Companheiro, para posteriormente alcançar a mestria. Portanto, eles não estão, nem como indivíduos, nem como grupo social fixo, privados de acesso ao poder, podendo considerar-se como fazendo parte do mesmo grupo (ainda que por antecipação) do que aqueles que, mais tarde, irão ter acesso à democracia interna.
Outro aspecto significativo das novas tecnologias na Maçonaria é o surgimento das chamadas “Lojas Maçónicas Virtuais”. Estas lojas operam "online", permitindo que maçons de diferentes partes do mundo se conectem em tempo real, independentemente da localização geográfica. A pandemia de COVID-19 acelerou a adopção dessas plataformas, mostrando que a Maçonaria pode, sim, manter a sua fraternidade, mas como resolver a questão essencial dos «rituais» à "distância" ???.
As redes sociais e as suas plataformas, por sua vez, têm sido um campo de tensão para muitas instituições tradicionais e a Maçonaria, por maioria de razão, não é excepção. Enquanto algumas lojas preferem manter uma postura discreta nas redes sociais, outras têm adoptado uma abordagem mais aberta, utilizando plataformas na Google, Microsoft e outras, e ainda o Facebook, Instagram e YouTube para divulgar as suas actividades, adaptando a comunicação em Maçonaria à dos tempos actuais, e ao mesmo tempo desmistificando a imagem da Maçonaria (recordo o exemplo da N:.R:. Loja. ao continuar a funcionar, mínima mas ininterruptamente, durante a pandemia Covid, mantendo o seu Blog e o seu circuito interno actualizado e sobretudo a ligação entre os Irmãos).
O uso de redes sociais tem gerado debates sobre como equilibrar a transparência com o respeito à privacidade e aos mistérios da fraternidade. Se por um lado a presença nas redes pode ajudar a desmistificar mitos e promover a imagem positiva da Maçonaria, por outro lado, existe a preocupação de que a exposição pública excessiva possa enfraquecer o carácter reservado, discreto e exclusivo da instituição. Vejam por exemplo como são propagados sistemáticamente factos falsos sobre a nossa sublime instituição em parte significativa dos meios de comunicação social.
As novas tecnologias têm um papel fundamental na educação e o aprimoramento contínuo, que são valores fundamentais da Maçonaria. Nesse sentido, elas oferecem oportunidades excepcionais para o crescimento pessoal e intelectual dos maçons. Plataformas de ensino a distância, webinars e cursos online permitem que os membros se aprofundem em áreas como tecnologia, ciências, filosofia, história, moralidade, e ética, sem as limitações físicas de encontros presenciais, proporcionando um aperfeiçoamento continuo.
Além disso, a Maçonaria tem aproveitado os recursos das tecnologias para promover o debate e a reflexão. Ferramentas como fóruns, grupos de discussão e podcasts têm servido como meios para que os maçons compartilhem as suas ideias e discutam temas relevantes, mantendo viva a tradição da aprendizagem colectiva.
Num mundo cada vez mais globalizado e interconectado, as novas tecnologias também podem representar uma oportunidade para a Maçonaria expandir os seus horizontes, ampliar a sua fraternidade e continuar o seu trabalho de transformação pessoal e colectiva. No entanto, é essencial que a instituição não se perca de vista no meio de tanta inovação tecnológica. Os valores essenciais da Maçonaria, como a busca pelo conhecimento, a prática da moralidade, e o aperfeiçoamento do carácter, precisam ser preservados em qualquer adaptação às novas ferramentas digitais.
Parece-nos pois existirem motivos essenciais para que a «velha» Maçonaria adogmática e liberal se reforce e una cada vez mais, continuando o trabalho do passado, em vez de se dispersar, pois tem aqui um campo primordial de intervenção, para que a Liberdade, Igualdade e a Fraternidade subsistam e a Humanidade progrida, tirando também partido eficiente e livre dos novos meios e desenvolvimentos tecnológicos de que irão dispor.
Uma Força de baixo para cima tem de emergir ainda mais, o que poucos Grão-Mestres ainda perceberam, e será sómente pela união e parceria que a Maçonaria poderá exercer uma acção bastante maior, como lhe compete, a nível da Sociedade, já que no passado andou «sempre à frente do seu tempo».
Será com trabalho e realizações em prol da sociedade, valorizadas e reconhecidas pelos cidadãos, que os Grão-Mestres e demais corpos dirigentes (bem como toda a Maçonaria em geral) serão obrigados a enquadrar-se, pensando menos na utilização e exibição das suas ricas alfaias e mais nos Homens e Mulheres que terão de enquadrar, na contribuição possível para a resolução dos problemas mais graves que afectam as sociedades e a humanidade em geral.
Haverá templos maçónicos como os conhecemos hoje? Terminarão as guerras? Haverá paz e compreensão entre os homens? O ser humano vencerá a «besta» que tem dentro de si? Vencerá a agressividade, a vaidade e a vã ganância de poder? [14]
Os cientistas admitem que o potencial mental do homem esteja em 10% ou até menos, do total e que a capacidade mental poderá chegar até 40 a 50%. E quando o homem tiver todo este poder mental não se julgará Deus ou o G.A D.U? Ou será o contrário? Quando o homem tiver esta capacidade mental ele tornar-se-à melhor, compreendendo que as guerras são inúteis. Vencerá a ancestralidade animal que tem dentro de si? [8] e [14]Todavia, isto é apenas especulação, pois até lá ainda muita água irá correr…
Deste modo, a Maçonaria coloca-se diante da questão fundamental: como conciliar a sua rica tradição com os avanços tecnológicos? A resposta a essa pergunta será, sem dúvida, um dos maiores desafios da fraternidade no futuro. O mais importante, no entanto, é que, como sempre, os maçons continuarão a buscar o equilíbrio entre o antigo e o novo, entre o passado e o futuro, mantendo viva a chama da fraternidade e do saber.
V - Concluindo
Não é apenas um mero conceito abstracto toda a ritualística e presença física em loja, mas sim, um guia concreto para alcançar o bem-estar interno e virtuoso. As práticas compartilhadas têm o poder de revolucionar a sua perspectiva e abordagem perante os desafios do dia a dia. Não podemos ceder diante dos dilemas e problemas da vida, não sejamos tão inflexíveis como uma pedra bruta a eventos que estão além do nosso controle, em vez de dissipar energia e preocupação desnecessária com factores externos e incontroláveis. Devemos ser maleáveis e aprender a concentrar a nossa atenção naquilo que de facto influenciamos, as nossas atitudes e acções, num mundo imprevisível e em constante mutação, frequentemente com circunstâncias incontroláveis como eventos naturais, acções de terceiros ou decisões alheias. Os meios de comunicação são ferramentas fundamentais, a forma como serão utilizadas é a grande questão.
Uma Força de baixo para cima tem de emergir ainda mais, o que poucos Grão-Mestres ainda não perceberam, e será somente pela união e parceria que a Maçonaria poderá exercer uma acção bastante maior, como lhe compete, a nível da Sociedade. Tão essencial quando se registam cada vez mais o crescimento dos diferentes extremismos, que as actuais situações críticas da Guerra entre Rússia- Ucrânia, Israel e Palestina / Irão, Iraque, Líbano e as restantes em África e Oriente e os seus profundos efeitos a nível económico e social, irão agravar, se nada for feito para os isolar, resolver e atacar correctamente.
Será com trabalho e realizações em prol da sociedade, valorizadas pelos cidadãos, que os Grão-Mestres e demais corpos dirigentes (bem como toda a Maçonaria em geral) serão obrigados a enquadrar-se, pensando menos na utilização e exibição das suas ricas alfaias e mais nos Homens e Mulheres, e na contribuição possível para a resolução dos problemas mais graves que afectam as sociedades e a humanidade em geral.
Haverá templos maçónicos como os conhecemos hoje? Terminarão as guerras? Haverá paz e compreensão entre os homens? O ser humano vencerá a fera bestial que tem dentro de si? Vencerá a agressividade, a vaidade e a vã ganância de poder?
Sendo certo que apenas perspectivamos o nosso futuro, podemos através dos dados que temos no presente, e analisando o fantástico avanço da ciência (praticamente já fora da nossa imaginação), fazer uma pálida projeção de ideias baseadas naqueles dados, de como poderá ser o porvir. Todavia, não passará de simples especulação, pois até lá ainda muito irá acontecer.
Como referido anteriormente, acreditamos que a Maçonaria continuará a existir no futuro, mas quase por certo em moldes substancialmente diferentes dos actuais. A feroz globalização desenfreada e os desiquilíbrios que colocou às sociedades ocidentais, cadinho dos avanços da extrema-direita, são uma ameaça cada vez mais pertinente na Europa e no mundo. Contudo poderão representar, em nossa opinião, uma oportunidade essencial para a Maçonaria se "actualizar" no sentido que indicámos anteriormente, estando sobretudo "mais perto", entranhando-se nas organizações e instituições da Sociedade (à semelhança, com as devidas diferenças, do caminho encetado para a nossa 1ª República), «inoculando» os seus valores e princípios. Compete aos cidadãos «livres e de bons costumes», desmistificar , combater e anular as ameaças totalitárias e as cada vez mais gritantes desigualdades, em que a falta de solidariedade e apoio aos desempregados, aos mais fracos, aos idosos e porque não, ao meio ambiente, que todos afecta, se tornou prática corrente para os ideólogos da exploração desenfreada e do ultra-liberalismo.
Parecem-nos pois um motivos essenciais para que a «velha» Maçonaria adogmática e liberal, prosseguindo na senda do seu passado, se reforce e una cada vez mais, em vez de se dispersar, pois tem aqui um campo primordial de intervenção, para que a Liberdade, Igualdade e a Fraternidade subsistam e a Humanidade progrida, tirando partido eficiente e livre dos novos meios e desenvolvimentos tecnológicos de que irão dispor.
A Loja, além do formidável espaço de liberdade que representa, é também um lugar onde se transmite uma Tradição, e onde se espera que os mais velhos a representem, interpretem e comuniquem aos mais novos.
Sendo a transmissão individual e cada um de nós sendo diferente, ninguém caminha à mesma velocidade, nem no mesmo nível de desenvolvimento. Isto nada tem a ver com o valor dos indivíduos, pois cada um é essencial para a construção do edifício. Todos os Maçons são pedras indispensáveis na construção do Templo, e se houver uma pedra fraca ou deficientemente enquadrada, os outros devem consolidá-la. Aqui não existe igual acesso ao conhecimento, mas respeito e atenção, face ao desejo de progressão individual dos Irmãos, que assim o pretendam.
Ainda com Churchill: “É inútil dizer que estamos a fazer o possível. Precisamos de fazer o necessário”, e também: “Qual o valor de viver, se não for lutar por causas nobres e tornar este mundo confuso um lugar melhor para aqueles que viverão nele depois de termos partido?”. Esperemos sinceramente que estas afirmações se ajustem ainda mais ao futuro, ou no mínimo, que continuemos a construir nos nossos Templos os traçados que as permitirão ajudar a redesenhar, ajustar e construir (ou reconstruir…. ).
Será que iremos a tempo?
Salvador Allen:. M:. M:.
R:.L:. Salvador Allende, a oriente de Lisboa - G:.O:.L:.
Bibliografia
3 – Mainguy, Irène - “La Symbolique Maçonnique du Troisième Millénaire” - Éditions Dervy, 2006, Paris










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