Autor: Iván Herrera Michel
Recebi um e-mail de uma pessoa que não é me
mbro da Ordem, perguntando-me se a Maçonaria é uma instituição esotérica e pedindo-me que confirmasse a sua forte suspeita de que os maçons são ocultistas.
A este respeito, conheço muitos maçons que se apressariam a contestar categoricamente que a Ordem sem ocultismo não é Maçonaria, e muitos outros que rapidamente afirmariam que a sua doutrina se limita a ser "uma alegoria moral ilustrada por símbolos", que nada tem a ver com as ciências ocultas.
Eu, olhando à minha volta, não vejo as coisas tão preto e branco, e reconheço ao mesmo tempo, numa pluralidade inegável, maçons racionalistas, ocultistas, cristãos, a falar de ética e moral, professando espiritualidades ateístas, a aceitar as anteriores sem problemas de maior, em nome da tolerância, e a um variado etc…
Nem, para ser honesto, vejo coisas ocultas, reservadas, impenetráveis, de difícil acesso, clandestinas ou sómente contadas apenas a um pequeno grupo, que é como se define o"esotérico" em termos gramaticais, filosóficos e até mesmo no esotérico (valha a expressão).
Além disso, atrever-me-ia a assegurar que muito poucas sociedades no mundo foram sujeitas a um maior escrutínio público e à infiltração, por parte daqueles que desejam vê-la desaparecer, dominá-la a partir de dentro ou menosprezá-la, e que na sua ânsia de a desacreditar chegaram ao ponto de a exibir excessivamente, assegurando-se primeiro antes de organizar um espectáculo mediático.
Logo surgiram muitas outras publicações altamente controversas na sua época, como as de Samuel Prichard e Marie Joseph Gabriel Antoine Jogand-Pagès (Leo Taxil), que, paradoxalmente, os maçons consultam hoje ao estudar o simbolismo da Ordem. Em pleno século XXI, também não estão imunes a esta difusão órgãos de comunicação social tão respeitáveis como o Natgeo, o History Channel, a BBC, o YouTube e alguns best-sellers, entre outros, etc. .
Hoje em dia, tudo é acessível ao público, e os maçons e não maçons, ao chegarem a uma cidade, podem consultar o diretório local sobre quantas e quais Grandes Lojas e Lojas que aí operam, sejam elas masculinas, femininas, mistas, Prince Hall, militares, etc
Na internet, no momento em que escrevo estas linhas, pesquisei "Grande Loja" no Google e obtive 358.000 resultados. Quando pesquisei "Grand Lodge" em inglês, os resultados foram 7.380.000, e quando pesquisei "Grande Loge" em francês, os resultados foram 9.190.000. Claramente, nem todos estes sites são maçónicos, mas mostram o número de vezes que a Ordem é mencionada ou discutida pelos internautas nestas três línguas. Surpreende que em conjunto sejam um pouco superiores do que as pesquisas que se referem ao nome de Sócrates, cujo total de resultados online é de 15.300.000 em toda a Rede…
Por outro lado, existe uma forte tendência na Maçonaria para mostrar os seus templos, museus, lojas, etc. Para citar apenas um exemplo, li recentemente da Revista FÉNIX que o blogue francês Google Sightseeing oferece aos seus visitantes um passeio Maçónico pela Internet, via Google Street View, com visitas virtuais aos Templos mais prestigiados dos Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Hong Kong e Noruega. Qualquer pessoa pode seguir o percurso.
É também importante destacar que os ensinamentos maçónicos muito poucas vezes se transmitiram oralmente, de boca a ouvido. Ao que se nos afigura, esta prática limitou-se principalmente às formas de identificação.
Isto faz com que a tradição oral na Maçonaria, na maioria dos casos, seja a excepção e não a regra geral, e a minha experiência pessoal de quase três décadas na Ordem mostrou-me que qualquer pessoa pode aceder ao seu simbolismo e método construtivo se tiver interesse e se dedicar a eles. Não é difícil.
Ou seja, a não ser que estejamos a falar de mecanismos de identificação, que dependem da disciplina construtiva, da discricionariedade pessoal e que também podem ser facilmente encontrados online, pessoalmente não vejo a Maçonaria a esconder nada ou a manter sob reserva de um grande segredo. Pelo contrário, parece interessada em mostrar que não é assim e em assumir um papel social mais proeminente.
Um caso diferente ocorre, por exemplo, com a fórmula da Coca-Cola, as estratégias de defesa militar da Alemanha, os depositantes de paraísos fiscais ou as finanças da ETA, que não há forma de conhecer e permanecem acessíveis apenas a um pequeno círculo interno de informação.
Partindo da premissa de que "esotérico" é aquilo que não é do domínio público, então a Coca-Cola Company, o Estado alemão e a ETA seriam instituições esotéricas. Pelo menos, seriam mais do que a Maçonaria. Mas esta dedução não permitiria que ninguém alegasse que são entidades ocultas, considerando que todo o esoterismo é um ocultismo, o que, como todos sabemos, é falso.
A doutrina maçónica é algo que se vislumbra à medida que se trabalha o seu método simbólico, e nesta ordem de ideias — excepto nas mentes febris de maçons (e não maçons) amantes de teorias da conspiração — não existe nela o que Dan Brawn mostra em "O Símbolo Perdido", como círculos de acção que contêm em si outros círculos mais secretos, que por sua vez têm outros mais íntimos, que escondem outros menores, que não deixam ver outros menores, como se fossem as famosas bonecas matrioska russas, e no final estaria um grande segredo guardado.
Por sua vez, a Iniciação Maçónica tem características muito específicas e distintas das que distinguem os ritos de passagem ou cerimónias de introdução de outras instituições civis, misteriosas, estudantis, místicas, monásticas, etc., e embora tenha em comum com todas elas o facto de iniciar um processo contínuo dividido em etapas, é um erro grave compará-las ou extrapolar elementos de um para outro lado.
Na Maçonaria, não se avança desenvolvendo poderes latentes nem ingressando em círculos de poder. Esta afirmação, que pode ser uma grande decepção para alguns, é muito necessária na prática para distinguir o que diz respeito ao método simbólico construtivo da Maçonaria, do que é domínio de outras correntes filosóficas, ocultistas e de mistério, etc. diferentes da Ordem, que têm estas metas entre os seus objectivos.
Posto isto, não podemos ignorar o facto de que o simbolismo maçónico também se observa desde o século XVIII em França e na Alemanha, adoptado por alguns sectores da Ordem na perspectiva de certas ciências ocultas. Consequentemente foi produzida uma vasta literatura sobre o tema, por escritores de renome. René Guénon, Madame Blavatsky, C. W. Leadbether, Oswald Wirth e Julius Evola são apenas alguns deles.
Neste sentido, as correntes que mais frequentemente se aninharam na Maçonaria são as relacionadas com a Teosofia, a Alquimia, o Tarot, a Astrologia, a Cabala, o Rosacrucianismo, os mistérios egípcios, gregos e pitagóricos e o Martinismo, embora em menor medida praticamente tudo se encontre em nome do esoterismo da Ordem, podendo dar a impressão de que ela tenha sido um recipiente vazio que deveria ser preenchido com conhecimentos alheios e não de um corpo doutrinário autónomo.
Ou seja, o ocultismo no seio da Maçonaria é um fenómeno surgido em alguns sectores da Ordem e não algo geral ou inerente à sua origem, que obrigaria todo o maçon a adoptá-lo.
Uma análise objectiva da Maçonaria especulativa ou moderna, surgida em Londres em 1717 (tomo a data convencionalmente), mostra-nos que, apesar de alguns dos seus fundadores serem estudiosos da astrologia, do rosacrucianismo e da alquimia, não transferiram os seus sistemas de crenças para a Maçonaria, o que somado à influência de um clérigo anglicano e de um presbiteriano gerou uma Ordem deísta, que se diversificaria ao longo do Iluminismo, quer com um carácter católico e trinitário imposto pelos imigrantes escoceses, quer com um carácter racional resultante do enciclopedismo, ou assumindo posições místicas ou ocultistas por contágio daquele mundo mágico herdado da Idade Média.
Hoje vemos nos países escandinavos como a Maçonaria tradicional possui um carácter luterano e é proibida aos não protestantes, em França prevalece o positivismo e o racionalismo, nos Estados Unidos da América a razão de ser maçon é a filantropia, os que praticam o Rito Escocês Rectificado são cristãos, o REAA em Itália é visto como tendo um perfil cabalístico, o REAA maioritário em França é humanista, o dos EUA desde que foi reinventado por Albert Pike é ocultista, na América do Sul no século XIX a Maçonaria é sociopolítica, em Espanha hoje parece ser assumida duma perspectiva filosófica, noutros lugares duma perspectiva ética e moral, aqui e ali de vários sincretismos, e por sua vez o Grande Oriente de França numa declaração pública datada de 19 de Agosto de 2010 recorda que “associa uma implicação social à Iniciação tradicional”.
Ou seja, a pluralidade de concepções é a realidade existente na Maçonaria, tanto no seu âmbito simbólico como no filosófico. Não existe um único e verdadeiro caminho. E isto deve ser respeitado, pois representa, nem mais nem menos, o caminho que cada um considera melhor para si, na difícil tarefa de polir individual e colectivamente a Pedra Bruta, ao mesmo tempo que constrói autónomamente a sua própria biografia pessoal. Não é coisa de pouca monta.
O que é inerente à Maçonaria é o polimento simbólico de pedras brutas, utilizando as ferramentas da construção civil, para as colocar horizontal e verticalmente nas paredes de um templo que vamos levantando colectivamente, tarefa para a qual todos somos pedreiros remunerados. E a verdade é que isso tem sido feito — e tem sido feito há quase três séculos — numa perspectiva esclarecida, racionalista, ocultista, ética, cristã, mística, progressista, liberal, etc.
O panorama real da Maçonaria actual é diverso e rico em caminhos. O problema é tentar transformar as nossas convicções e estilo preferido em fundamentalismo, fingindo que esta é a única forma — ou a verdadeira — de polir a Pedra Bruta.
Na Maçonaria Liberal, por exemplo, todos são livres de reconhecer um significado nos símbolos maçónicos ou de oferecer uma definição, sem que lhes seja permitido adicioná-los ou substituí-los por elementos estranhos provenientes de diferentes instituições, antigas ou modernas, sob pena de distorcerem a natureza da Ordem.
Sobre este e outros temas, costumo lembrar aos meus interlocutores que a Maçonaria actual é um fenómeno plural, que contém áreas conceptuais distintas e que prosseguem objectivos distintos.
A este propósito, até Alec Mellor, citado por Eduardo Callaey no seu livro "O Mito da Revolução Maçónica", afirma que a Maçonaria "... ao contrário das ilusões profanas, não é um bloco homogéneo e monolítico. Poucos círculos estão tão divididos. A Ordem Maçónica não é mais do que um ideal, senão um conceito."
Ou seja, não há unanimidade nem uma única forma de conceber e praticar o mesmo método construtivo que nos é oferecido, nem sequer os mesmos graus ou, pelo menos, o mesmo Rito
Uma forma progressista de compreender a Maçonaria reconhece a cada Grande Loja ou corpo filosófico a liberdade de decidir a variedade que deseja praticar e de permitir que os seus membros moldem a Pedra Bruta de acordo com o seu sistema particular de compreensão do método simbólico que tem à sua frente. Não defende a entronização de pensamentos únicos, verdades absolutas ou ideologias dominantes, como é considerado obrigatório noutras formas de compreender a Maçonaria, onde a liberdade de consciência é limitada de forma parcial ou severa.
Pessoalmente, inclino-me para o pluralismo. Ou seja, considero a discussão entre diferentes perspectivas muito construtiva, procurando sempre vivenciar valores diferentes dos nossos numa experiência que permita uma compreensão mais ampla, independentemente dos sistemas de crenças e/ou convicções do outro.
Naturalmente, desde que isto seja apresentado sob a plataforma do respeito mútuo e do reconhecimento da dignidade de todos os seres humanos, sem distinção. Não pode haver concessões quanto a isso.
Iván Herrera Michel
(selecionado a partir do Blog «Pido la Palavra» de 31 de agosto de 2010, por «Comp&Esq»/ tradução de Salvador Allen:. M:.M:. / Blog «Comp&Esq» / Blog «R:.L:. Salvador Allende» - GOL:. , Lisboa)
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