Primeiro de tudo, quero agradecer o convite especial para participar nesta reunião da
, como um estudioso da Maçonaria - pois parece que é assim que sou considerado com certa indulgência por algumas pessoas - e, em seguida, sim como estudioso da Maçonaria, é conhecido o meu i
Do estudo de todos esses documentos, retirei a maior conclusão - ou pelo menos a que me pareceu da maior importância e significado para um estudioso francês da Maçonaria: a Maçonaria britânica não só era fascinante, mas fundamentalmente ... British !. Não é uma piada, mas realmente a chave fundamental para entender como se foi desenvolvendo a Maçonaria ao longo do tempo.
E não o digo por estar hoje na Inglaterra, falando perante um auditório Inglês, como que a fazer esquecer ao público que os franceses não são pessoas sérias ....
O ponto de partida da minha reflexão é o de que a Maçonaria, quando se instalou na Europa continental e especialmente na França, aproximadamente nos anos de 1720, fê-lo por acidente.
Não estava no esquema normal ou quotidiano das coisas, não era uma questão planeada. O primeiro Maçom em França, inglês, escocês ou irlandês não tinha decidido cruzar o Canal por si próprio, mas fê-lo sob a pressão de razões políticas e religiosas bem conhecidas, localizadas no seu país de origem.
E mesmo depois das primeiras lojas se terem estabelecido em Paris, sabemos que Derwentwater se opunha à admissão de membros franceses.
Infelizmente - ou pela graça de Deus, quem sabe? - poucos anos depois os irmãos franceses já eram maioritários nas lojas francesas: algo aparentemente normal, mas absolutamente inesperado.
Devo insistir neste ponto que é o centro da minha hipótese: a primeira Maçonaria, a Maçonaria da primeira Grande Loja não era universal no sentido lato do termo, era "localmente" universal.
"Universal" na Grã-Bretanha, onde foi, entre outras coisas, uma resposta social e intelectual aos problemas religiosos e políticos do país. Mas foi transferida para a França que era uma nação completamente diferente, especialmente do ponto de vista político e religioso.
Durante a Era da Razão, a Era das Luzes (“Age of Enlightenment”), a maçonaria francesa vivia na realidade numa ambiguidade contínua. Ambiguidade antes de mais pelo seu estatuto oficial.
O Grão-Mestre durante cerca de trinta anos, o conde de Clermont, era um membro proeminente da Família Real, e o seu sucessor em 1771 foi o Duque de Orleáns, oficialmente "o primeiro príncipe de sangue real ...", contudo durante todo esse tempo , a Maçonaria não tinha o direito legal de existir, e nunca teve nessa época um reconhecimento oficial das suas autoridades. Além disso, tinha sido condenada e proibida pelo papa, pela primeira vez em 1738 e novamente em 1751.
É verdade que as bulas papais nunca tiveram força de lei em França, porque o Rei apoiado pela Igreja Francesa, mantinha zelosamente o seu poder absoluto, embora fosse um "rei muito cristão" e da fidelidade ao trono da Igreja Católica provinha a maior parte de sua legitimidade.
Assim, após a Revolução Francesa de 1789 e a queda do Primeiro Império, em 1815, quando a dinastia Bourbon foi restaurada, a Maçonaria foi gradualmente considerada pelas autoridades e, especialmente pela ala direita da sociedade francesa, como um ninho de radicais - ou pelo menos homens progressistas e perigosos - tanto na política como na religião.
Durante o século XIX, para aqueles que tinham muito apreço pelos ideais de tolerância, liberdade de consciência e fraternidade universal, a Maçonaria era o único lugar em França, onde os poderiam pôr em prática e, no final do século, envolver-se na política. A velha monarquia francesa tomou o caminho aberto durante décadas e muito antes, pela Inglesa; portanto, a maçonaria francesa desenvolveu-se de uma maneira diferente. É claro que não podemos ter certeza de que foi a melhor, já que um historiador não é um romancista ... ..
O mal-entendido fundamental entre a Maçonaria britânica e francesa, desde aquela época, não é puramente maçónico mas originado pelas muitas diferenças entre os nossos dois países, cultural e civilizacionalmente.
Se tentarmos compreender isto por cada um de nós, cada um por seu lado, abordando a natureza exacta dessas diferenças, seremos capazes de avaliar melhor a verdadeira distância entre as duas variantes da maçonaria que existem hoje, em ambos os lados do Canal da Mancha e, provávelmente, chegaremos à conclusão de que a realidade é verdadeiramente diferente de tudo o que foi dito ao longo dos anos, ou pelo menos muito mais complexa.
Quero brevemente tentar desvendar algo que, infelizmente, continua a ocorrer, a questão do GADU, que ilustrará perfeitamente o problema.
A França é um antigo país católico, não dessa "primitiva religião católica" a que se refere o primeiro Livro das Constituições compilado em 1723, é claro: A França foi a primeira grande nação inteiramente dedicada à Igreja Católica Romana - no século XIX um prelado romano denominou-a de "filha predilecta da Igreja".
Isto era verdade desde o baptismo de Clovis no século V, até à Revolução Francesa de 1789; e continua a ser verdade mesmo no século XIX, mesmo quando outras revoluções foram com frequência hostis à Igreja; e mesmo após a separação entre a Igreja e o Estado; e ainda o é hoje em dia, mas num sentido especial: é verdade que a nossa nação é a mais antiga do mundo católico, embora e de acordo com análises a inquéritos recentes (Le Monde des Religions, janeiro de 2007), somente 51% dos franceses se consideram católicos, e apenas 15% frequenta uma igreja, pelo menos uma vez por mês.
Mas, mais impressionante e tipicamente francês: é que só 50% dos católicos franceses acreditam em Deus e 80% dos restantes vê Deus como uma força, não um ser pessoal, e 60% acreditam na ressurreição de Cristo e 40% na natureza trinitária de Deus.
Finalmente, de todos eles, 60% acreditam na virgindade de Maria ... ..
Quais eram as verdadeiras opiniões religiosas dos católicos franceses do passado?
Não poderemos saber, mas suspeito que não eram muito diferentes das da actualidade. A única diferença era a de que antes da Revolução Francesa, qualquer pessoa era proibida de declarar-se como "livre-pensador", e que em 1776 - não na Idade Média !, um jovem aristocrata, o cavaleiro de Barre, foi queimado vivo porque recusou descobrir a cabeça à passagem duma procissão religiosa.
A cultura francesa, a arquitectura, a estrutura social, as instituições políticas foram profundamente influenciadas pela Igreja, desde o começo da França. A Igreja foi um dos pilares do Rei, mas em troca era a única religião permitida.
Recorde-se a trágica Revogação do Édito de Nantes em 1685 pelo rei Louis XIV: todos os ministros protestantes foram obrigados a abandonar o reino e todos os crentes na fé reformada obrigados a converter-se ao catolicismo.
Os filhos de ministros abaixo dos 15 anos de idade, foram forçados a permanecer em França, cruelmente separados dos seus pais, com o objectivo de serem educados por famílias católicas.
Um deles escapou escondido num barril: o seu nome era Jean Theophile Desaguliers ....
Sabiam que em 1877, quando o GODF ( Grande Oriente de França) decidiu eliminar das sua Constituição, não a menção ao GADU , mas tão somente a compulsiva "crença em Deus e na imortalidade da alma," o Grão-Mestre, que naquela época se designava por "Presidente do Conselho da Ordem" - Frederic Desmons, era um pastor protestante.
Isto é realmente surpreendente ? Não creio que seja.
Por algum motivo curioso que provavelmente possam compreender, mesmo para um pastor protestante na França, o significado da palavra "Deus" era católico !
Isso demonstra o poder da Igreja, a submissão à mesma e, a rejeição da liberdade de consciência em matéria religiosa. Séculos de dominação intelectual e também, com frequência, de perseguição em nome de ... "Deus".
Podem imaginar? .
Mesmo no dias de hoje, 50% dos chamados católicos franceses não crêm realmente em Deus, mas não o podem admitir publicamente pois, na verdade, não poderiam ser considerados católicos!
Deixem-me recordar-lhes que em 1877, nem o GODF nem qualquer outra Grande Loja da França, tinha suprimido a menção ao GADU. Claro que provávelmente sabem que hoje em dia, na maioria das lojas do GODF, não se faz nenhuma referência ao Grande Arquitecto, mas a grande maioria dos maçons franceses - incluindo muitos membros do Grande Oriente (de França - GOdF) - talvez 80%, quando abrem ou encerram as suas lojas, invocam o Grande Arquitecto.
Assim, a pergunta final é: Qual é a dificuldade especial para um maçom francês declarar que o GADU é Deus?
Não é porque sejam maçons especiais maus ou bons. Sómente porque são Franceses E («AND») Maçons, e só por isso.
E têm de suportar interiormente a tradição maçónica, tanto quanto a história intelectual francesa.
E mais uma pergunta: Por que é tão difícil para um inglês entender isso?
Posso sugerir que as duas perguntas têm uma resposta comum - tentar esclarecer esta questão também é uma tarefa comum para os estudiosos maçónicos, franceses e ingleses.
Por alguns minutos, tentem penetrar na mente francesa. Sim, eu sei que é uma complicação e que pode ser perigoso, mas acho que esta experiência pode ser interessante....
Imaginem que, desde a infância, tinham sido educados num país católico, onde em cada vila existe uma igreja, muitas vezes apenas a Católica, e onde o 15 de Agosto - a Festa da Assunção da Virgem - é feriado para a República e imaginem, ao mesmo tempo que apenas há um século atrás, a Igreja e o Estado foram separados.
Imaginem que não há lugar oficial para a religião no Estado, e ainda assim a cada ano é celebrada uma missa no início das sessões parlamentares; nenhum lugar oficial para a religião nas escolas, mas um capelão para catecismo, na maioria delas. Um país onde existe uma palavra mágica "laicidade", considerada como um dos pilares da República, mas uma palavra francesa praticamente impossível de traduzir para outro idioma, especialmente para o Inglês; uma palavra que não significa liberdade para todas as religiões, nem o contrário, mas algo entre as duas. Imaginem tudo isso - não estão no país das maravilhas de Alice ou num mundo esquizofrénico - estão em França.
Um país onde a preocupação mais importante de todos é ter opinião acerca de tudo e em que há alguém que se opõe àqueles que concordam, e concorda quando há alguém que se opõe; um país onde a filosofia é ensinada nas escolas.
Um país, finalmente, onde 50% dos católicos não acreditam em Deus, sem problema. E agora voltemos ao maçons franceses. Pensam que vêm da lua ?
Não, vêm de um velho país velho, onde as palavras são como brinquedos e um dos prazeres da vida é jogar com elas.
Não como um gato com um novelo de lã, mas como um gato com um rato; porque esse jogo é aparentemente vão ou cruel, mas é muito sério. É o jogo da vida.
Para os maçons franceses, a Maçonaria não é apenas uma sociedade fraterna, onde se podem fazer bons amigos e exercer a caridade para com as pessoas em perigo.
Para eles, ser um membro do Ofício não é apenas um sinal de respeitabilidade social ou de uma espécie de estado religioso. Para alguns, claro, a maçonaria pode ser qualquer uma dessas coisas mas, fundamentalmente, a Maçonaria é um compromisso intelectual.
Portanto, para eles, o GADU não pode ser "simplesmente" Deus; porque "Deus" não é uma simples palavra ou não é tão simples como uma palavra. Para a maioria deles, mais uma vez, há uma "pedra de toque" moral, intelectual e espiritual no edifício maçónico e apelam-no de GADU ...
E agora .. . Exponho-lhes o meu sonho:
Será possível para os Maçons de ambos os lados do Canal da Mancha, esqueçer cada um a sua visão estreita e limitada do outro?
Para muitos maçons franceses, a Loja Inglesa é a fachada duma igreja paroquial, às vezes obscura, seca e sem brilho. E sabemos que não é verdade.
Então, quando alguém lhe diz que uma Loja francesa é a fachada de um partido político ou duma sociedade de livres-pensadores radicais, não acreditem.
Tenho um sonho: O Meu sonho é que todos os maçons possam construir o Centro de União, não porque sejam semelhantes em todos os aspectos – não o são claramente - mas precisamente porque todos são seres humanos imperfeitos, partilhando uma natureza – a Humanidade e um sentimento - Esperança.
Portanto, Irmãos, tenhamos essa esperança, juntos.
Roger Dachez
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