Com a devida vénia se transcreve da Revista Tempo Livre-Inatel este artigo de opinião de António Valdemar
AS INTERROGAÇÕES NOS ANOS DO MEDO
Caminhamos para um outro mundo diferente e que vai nascer depois da tragédia que estamos a viver. Será melhor ou será pior? A propagação do vírus pode demorar alguns anos ou algumas décadas. Tudo dependerá das escolhas e das apostas que hoje fazemos ou que não fazemos.
A época de enorme complexidade e angústia que estamos a viver, em consequência da multiplicação de uma pandemia que se disseminou através do mundo e que também se encontra agravada por duas fatalidades: o ressurgimento dos nacionalismos populistas que conduzem aos regimes totalitários; e a ambição ilimitada de aprofundar a cooperação global para garantir, em liberdade e democracia, o pluralismo de opinião, a estabilidade e a confiança.
O princípio da tragédia terá começado na cidade de Wuhan, na China. Pouco depois, o terror invadiu as grandes cidades e disseminou-se até nas aldeias mais longínquas que dir-se-iam à margem da civilização. Os primeiros sinais da pandemia, e a avaliação das suas consequências, exigiram respostas perante a evolução do processo. Houve que reformular a política do Serviço Nacional de Saúde, intensificar os cuidados médicos e hospitalares, introduzir uma rede de serviços a funcionar em todo o País; as autarquias reestruturaram o acompanhamento dos doentes, as intervenções de solidariedade junto das vítimas e das famílias. Não é altura para cantar vitória, mas temos de reconhecer que, em Portugal, podemos registar contributos significativos para impulsionar a investigação, identificar os surtos e restringir os contágios.
É mais do que evidente que as incertezas geram ansiedade e causam as maiores preocupações. Mas a adversidade também obriga a ultrapassar a rotina e a sair do marasmo. Estimula a energia para enfrentar o medo, vencer a insegurança e ultrapassar indecisões. Dá-nos coragem para lutar, para assumir decisões inovadoras e capacidade de imaginação para agir e escolher soluções adequadas.
Um dos pensadores contemporâneos de renome universal, Yuval Noah Harari, o consagrado autor de obras como Sapiens, uma Breve Historia da Humanidade e Homo Deus considera indispensável apostar nos investigadores da ciência e investir no equipamento dos laboratórios. É, ainda, essencial a construção e remodelação de hospitais, a formação de médicos, de enfermeiros, de assistentes operacionais e a mobilização de todos os outros recursos capazes de proteger a vida humana. «Os nossos super-heróis – acentua Yuval Noah Harari – são os cientistas nos laboratórios».
Também Elvira Fortunato, uma das cientistas portuguesas com repercussão internacional e que tem sido indicada para o Nobel é da opinião que «se o futuro não se prevê inventa-se; o seu percurso pode bem ser o exemplo, que se torna cada vez mais premente, perante os desafios que enfrentamos». E acrescenta: «A palavra impossível não entra no laboratório, porque os materiais, às vezes, podem surpreender-nos. Não há maus materiais. Todos são bons. Depende da aplicação. O nosso caixote do lixo está sempre vazio.»
Qual o ponto da situação? É um momento para refletir questões primordiais, rever interpretações e controvérsias a fim de articular a construção do futuro. A multiplicação do número de infetados e de mortos que prossegue não se sabe até quando e nem se sabe até onde, requer – numa hierarquia de prioridades – a operacionalidade e a eficácia nas áreas da saúde, da economia, da educação, da cultura e da justiça.
Perante situações de catástrofe – e está mais do que provado que estamos envolvidos numa das catástrofes que atingiram o mundo – Goethe advertiu: «Não se cumpre/ amanhã o que hoje não foi feito. / E nem um só dia se deve perder». O tempo que vivemos não se compadece com adiamentos. Houve, até agora, um morticínio que já excedeu o número de vítimas da II Guerra Mundial. Muitos cientistas admitem que esta pandemia só se vai atenuar quando a maioria da população estiver vacinada. A velocidade com que o vírus se propaga e os acidentes de percurso associados à aplicação das vacinas, tornam necessário, manter as medidas recomendadas para conter a propagação até que o processo de imunização fique concluído.
Mas este é um cenário que – segundo as previsões científicas mais autorizadas – só deverá ocorrer dentro de alguns anos ou de algumas décadas. Até lá o vírus vai estar sempre presente. E, ainda, não se sabe se a vacinação impede a transmissão, nem quanto tempo dura a imunidade introduzida através da infeção da vacina?
Entre tantas dúvidas e sucessivas interrogações restam-nos algumas certezas: ainda não saímos do «olho do furacão». Se for daqui a dois ou a quatro anos estaremos mais preparados. Se for daqui a vinte anos, possivelmente, já ninguém se lembra. Caminhamos – é outra certeza mais do que óbvia – para um outro mundo bastante diferente. Será melhor ou será pior? Dependerá das escolhas e das apostas que hoje fazemos ou não fazemos. Mas para concretizar, em tempo útil, os objetivos fundamentais que as circunstâncias reclamam. Terá de haver uma ativa participação de todos nós. Um compromisso integral, uma batalha feroz, cruel e arrasadora, para conseguir erradicar um inimigo comum e invisível.
António Valdemar
Grato prezado Senhor António Valdemar e ao RL SalvadorAllende" ...
ResponderEliminarA luz de alguns, clarearão esses tempos obscuros...