Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)
10 de outubro de 2018
Confúcio e a Arte de Governar
Com a devida vénia se transcreve esta opinião de Gilmar Marcílio na Revista Arte Real, nº102 de Outubro 2018:
Confúcio, o grande pensador chinês do século cinco antes de Cristo, sonhou com um governo ideal. De todos os ensinamentos presentes nos “Analectos”, sua obra mais conhecida, destacam-se os que dão ênfase à questão política. Não como a temos hoje em dia, em que tudo se reduz ao fisiologismo e a alianças espúrias para a aprovação de medidas que interessam, somente, a quem está no poder. Uma triste e patética realidade que deformou os princípios presentes nos grandes tratados, que se debruçam sobre o tema. Direcione a conversa para este assunto e a esmagadora maioria lhe dirá da repulsa que sente diante dos incontáveis escândalos envolvendo os que deveriam nos servir de modelo. Resta-nos louvar, neste tempo espúrio, a possibilidade de se fazer críticas contundentes, transformando a palavra censura, apenas, num eco distante. Embora alguns sonhem em diminuir esse espaço de liberdade tão duramente conquistado.
Confúcio tentou implantar um governo, na província que administrou, baseado em princípios que soariam aos nossos parlamentares, como a mais ingênua das utopias. E, no entanto, a despeito da descrença que, atualmente, grassa em quase todas as pessoas, esse homem conseguiu colocar em prática muitas ideias que, ainda, reverberam hoje em dia. E que todos nós gostaríamos de ver plasmadas como a mais perfeita forma de conduzir um povo.
Ele acreditava que a coerência, a integridade e a honestidade só poderiam ser implantadas numa esfera mais ampla, se tivessem primeiro sido forjadas no âmbito doméstico. Ninguém é capaz de conduzir mil homens se não consegue fazer-se respeitar em sua própria casa. Para ele, o espaço familiar era uma espécie de laboratório, onde os dramas e as pequenas vitórias haveriam de servir como experiência para administrar uma cidade, um estado, uma nação.
Quem não conseguisse dominar a si mesmo e ser admirado pelos que estão mais próximos, jamais, teria a capacidade ou mesmo a autoridade para determinar o caminho justo e reto a ser seguido. Estamos muito longe desse ideal. Basta ver o quanto a educação passou por um processo de terceirização, desobrigando os pais de suas responsabilidades mais elementares. Na medida em que se deixa de lado a condução moral e ética de um filho, pouco se pode esperar de uma pessoa que detenha um cargo de chefia. É tão elementar isso. Tornamo-nos pragmáticos e obsessivos, vendo no outro um empecilho para alcançar rapidamente os nossos propósitos. Que outra palavra poderia definir isso senão egoísmo? O verdadeiro governante, segundo o pensador que nos serve como orientador para essas reflexões, está preocupado, acima de tudo, com o bem comum.
Em seus princípios estava embutida outra verdade: um povo feliz e consciente de suas responsabilidades não precisava esbarrar o tempo todo em plaquetas (visíveis ou não) que dizem “isso é permitido; isso não é”. A proliferação de tantas regras significa que não sabemos mais como agir por conta própria. Quando precisamos de um guia para discernir o certo do errado é porque perdemos o rumo e a capacidade de fazer as escolhas com consciência. A ampliação da vigilância, realizada pela esfera pública sobre a privada, sinaliza tudo o que fomos deixando pelo caminho. É, por isso, que a filosofia, sempre a filosofia, é a melhor bússola para resgatar o que de mais nobre se esqueceu ao longo da história. Grandes líderes mundiais foram ávidos leitores dos tratados que esses sábios nos legaram. Os outros, ah, os outros foram varridos para baixo do tapete, deixando-nos, tão somente, um corolário de mentiras e vaidades, que se apagou assim que foram substituídos em seus cargos.
O modelo de governar que Confúcio apresentou é um precioso alerta. Hoje, nossa postura predominante passou a ser a da omissão. Não vi, não ouvi, não me interessa falar sobre isso, portanto. Mas sabemos que agir assim, apenas, amplia o espaço para os que governam para si mesmos continuem atuando impunemente. Talvez, aqui e agora, as coisas nos pareçam imutáveis. Nunca são quando há interesse genuíno e um sentido forte de comunidade.
Não como a entendamos hoje em dia, quando a palavra pátria passou a ser utilizada, apenas, em
campanhas de marketing. Quem de nós colocaria diante de sua casa a bandeira do Brasil e diria: como eu me orgulho dela! Desconfio que o percentual seja bem pequeno. Eu luto constantemente contra esse desânimo que se abate sobre mim toda vez que me deparo com notícias tão desalentadoras. E, sempre, faço-me essas perguntas: mas onde e quando irão gastar tanto dinheiro? Será pelo prazer de roubar, simplesmente? E os honestos (ainda os há, claro) devem se surpreender falando uma linguagem destinada ao fracasso. Poderíamos começar a educação política afixando esses ensinamentos do Mestre no gabinete de todo aquele que detém algum tipo de poder: “A
virtude não é solitária; ela, sempre, tem vizinhos.” Ou ainda: “Um cavalheiro considera o que é justo;
um homem pequeno considera o que é vantajoso.” Duas frases que nos ensinam a verdadeira arte de
governar.
Revista Arte Real nº 102 - Out/18 - Págs 05-06-07
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