Transcrito do Blogue Jakim&Boaz com a devida vénia.
I – Introdução
Será a procura iniciática estritamente reduzida ao Ritual, na versão que procura reduzir e limitar aquela ao estrito cumprimento das normas ritualísticas ou, pelo contrário, tem alguns graus de liberdade e utiliza-os para alcançar também outros objectivos e vectores, que extravasam aqueles limites?. Entre estes dois polos que balizam as opiniões e práticas de muitos maçons, cremos que a segunda opção, ou seja a de uma via intermédia e múltipla, será a mais adequada à pesquisa e procura iniciáticas, potenciando a via de transmissão. É esta aproximação que iremos tentar desenvolver nos pontos seguintes.
Acreditamos que o Ritual desempenha um papel primordial no desenvolvimento da procura iniciática, mas apesar da sua reconhecida importância, não será o único vector a ter em conta, já que em nosso entender, representa um guia, como que que o fio condutor do trabalho maçónico em Loja, mas ao qual não se deve limitar ou restringir o objectivo essencial da procura iniciática, contrariamente ao que alguns IIr:. preconizam.
Para tentar desenvolver este raciocínio, socorremo-nos sobretudo de dois trabalhos de conhecidos autores, I. Mainguy e Victor Guerra (indicados na bibliografia), já anteriormente publicados neste Blog. Acrescentámos alguns parágrafos, comentários ou pontos adicionais, suprimindo outros, devido a eventuais graus de redundância, por forma a interligar os dois textos (originalmente independentes), tentando construir a continuidade desejável que perspectivámos. Deste modo os erros ou inconsistências que possam existir, serão por certo da nossa inteira responsabilidade.
Enquanto Maçons descendemos de uma longa linhagem de pensadores que trabalharam para criar e expandir a nossa Ordem Iniciática; a noção de Ordem e Tradição incorpora aqui o seu necessário e essencial valor. É através do Rito que a nossa Tradição nos leva a alcançar as imagens simbólicas da Verdade, que se esforça por nos Transmitir. É através dele que a nossa Tradição baliza o nosso caminho. A Tradição é característica duma Ordem que dá primazia ao Conhecimento e que se propõe alcançar a realização do ser humano, fazendo-o escalar graus sucessivos de iniciação.
O caminho que nos é proposto no dia da nossa Iniciação tem por fim fazer-nos passar dum estado considerado "inferior" a um estado "superior “ de consciência. Isto é verdade em todo o Rito, tendente a admitir os seus adeptos a um grau de conhecimento de certos mistérios, pela entrega das chaves que dão acesso aos dados fundamentais, traçando o caminho a seguir para penetrar as etapas progressivas desse mesmo conhecimento.
Sobre este percurso, no limite do pavimento Branco e Negro, as provas são múltiplas e a conversão não é das menores, já que envolve um "retorno" (no sentido grego: uma apóstrofe); exige um caminho que desce até o fundo de nós mesmos, via de Conhecimento, indo de "nós mesmos para nós mesmos”. Daí a importância dos Ritos de iniciação e dos Mitos, que representam os perigos, as armadilhas a evitar para alcançar a visão salvadora do Ser, mas não a do Ter. Daí os perigos dum caminho iniciático, que será necessariamente marcadamente pessoal , pelo acesso único e individual à "compreensão do símbolo", fora de todo o método, de toda a "escola" ...
O Simbolismo macónico é o elemento fundamental do pensamento iniciático, de que não se pode fazer uma intelectualização redutora. Deve ser acima de tudo um processo de conhecimento e o instrumento da transformação interior do homem. Enquanto que a linguagem da razão é necessáriamente limitada, "o Simbolismo, enquanto suporte da intuição transcendente, abre possibilidades verdadeiramente ilimitadas" (René Guénon, «Perspectivas sobre a Iniciação») (2).
II – A Procura Iniciática
A procura iniciática está directamente subjacente a várias questões que se interligam ao nosso compromisso para com a Maçonaria, e que nos levam a questionar:
- Por que entramos?
- O que procuramos?
- Por que permanecemos?
Estas perguntas aparentemente simples, são contudo essenciais e devem estar constantemente no centro de nosso pensamento, se pretendermos abrir progressivamente a nossa consciência e compreensão.
Da Instrução do Ritual de Aprendiz (3) recordamos:
P.: - Desde quando és M∴? R.: – desde que recebi a Luz.
P.: - Que significa essa resposta? R.: – Que não nos tornamos realmente maçons senão desde o dia em que o espírito começa a compreender os mistérios maçónicos.
Ou seja, daquelas perguntas captamos o essencial das mensagens da instrução no primeiro grau, correspondendo basicamente à pergunta: - Por que é que te tornaste maçon? R - Para alcançar os segredos da Maçonaria e para sair das trevas.
Uma análise e reflexão regular sobre o conteúdo dos rituais e das respectivas instruções é um dos meios de abrir a nossa consciência ao Essencial. Sendo uma prática prolongada, é muitas vezes difícil e desafiadora, já que de grande exigência, onde segundo I. Mainguy (1): "o esquadro deve regular as nossas acções e o compasso traçar os justos limites que devemos observar na nossa conduta para com nossos semelhantes". O ponto de partida desta provação é o despojamento dos metais, prova anterior à cerimónia de iniciação, correspondendo ao desligamento das contingências e atributos dominantes a nível profano e ao abandono de toda e qualquer forma de possessão, a que cada um está ligado.
Citando ainda I. Mainguy (1): “Desde a primeira parte da instrução, o aprendiz admitido pode perceber que entra numa fase irreversível da sua vida, que o levará a repensar e considerar a existência de um ponto, não de vista, mas de ser diferente. Este início de pesquisa pode ser já chamado de procura. Aos poucos, vai percepcionando que está situado num novo espaço activo estruturado, no qual será capaz de reconstruir a existência, com as ferramentas e elementos de instrução que são dados”. E mais à frente:
“ Podemos considerar-nos como uma "matéria prima" em bruto e, uma vez que somos, tomámos o compromisso diante dos nossos IIr:. e IIra:. de frequentar e servir a nossa Loja, devendo colocar-nos nas melhores condições para estar "disponível" e assíduo às sessões, e em condições de viver a transformação das condições de vida que nos permitirá, talvez um dia distante, aceder à revelação iniciática”.
A procura iniciática é antes e acima de tudo "uma pesquisa do essencial", pois qualquer outra viagem de pesquisa não podendo ser qualificada de iniciática, representará mais um turismo espiritual. Discernimento, vigilância, mas também perseverança e sinceridade devem ser o principal viático da nossa busca.
Vigilância por forma a evitar o fascínio da ilusão; que frequentes vezes toma a forma de actividade muito absorvente no mundo profano, fazendo-nos esquecer de perguntar a nós próprios as razões de ser fundamentais da nossa existência na Terra.
Por este motivo, impõe-se-nos o caminho da iniciação, como um passo necessário, para não dizer essencial, apesar de no nosso tempo, a iniciação ser reduzida a pouco mais do que a conquista de uma linguagem, de sinais universais, que constituem o elo entre o mundo exterior e o interior, pese embora exista uma razoável oportunidade de ficar muito virtual esta aproximação ao nosso nível.
Para ter alguma hipótese de ser eficaz, esta abordagem requer préviamente morrer para o mundo profano, pelo necessário despojamento dos metais. Trata-se para o iniciado duma regressão temporária aos estados inferiores do ser, uma recapitulação necessária para o esgotamento das possibilidades de realização inferior, o que consiste apesar de tudo, uma armadilha que precisa conhecer para melhor saber como evitar. Tal é "o ponto de partida dos ritos de iniciação, que iniciam a viagem ao centro de si mesmo."
"Nascer, crescer e produzir" são as três funções necessárias para cumprir o melhor possível a nossa passagem na Terra, com o objectivo de nos preparar para a hora da nossa partida para o Oriente eterno. Estas três fases correspondem aos graus de: Aprendizagem, Companheirismo, Mestria.
O Ir:.Jean Reyor apresenta uma definição muito precisa destas três etapas, que merece reflexão, e que por esse motivo se cita (1): "O trabalho do Aprendiz consistirá em livrar-se de todos os preconceitos, todas as concepções erradas ou incompletas adquiridas do mundo profano e elevar a mente a um estado de "pobreza", de "virgindade”, que é essencial para compreender correctamente os princípios da tradição.
O trabalho do Companheiro é em si mesmo a aquisição do conhecimento teórico, por meio do estudo dos princípios da Tradição, nos livros sagrados e nos textos que herdamos de épocas passadas e por uma meditação longamente prosseguida, que permite apenas uma verdadeira compreensão.
O Mestre é aquele que atingiu a perfeição do conhecimento teórico, que assimilou os princípios da tradição, ao ponto de não conseguir pensar fora dele e que pode formulá-lo por sua vez dum modo original e pessoal, adaptando-o à mentalidade e ao nível intelectual daqueles que ensina".
O objectivo da nossa procura iniciática mostra que a nossa vida está directamente ligada à acção que exercemos sobre nós próprios, à nossa própria transformação, antes de passar à fase de transmissão. Todo o Mestre Maçom que alcança a meta de “reunir o que está disperso”, tem por objectivo transmitir a sua aquisição com discernimento.
Podemos salientar que tradição e transmissão têm quase o mesmo sentido etimológico. Assim, qualquer que seja a tradição, tem intrínseca e implicitamente uma ideia de transmissão, sendo esta o objectivo primordial.
Transmitir tem origem no latim «transmitere» significando: fazer passar, fazer divulgar, comunicar. Trans: nós veiculamos para ... damos a..., através, colocamos nas mãos de ... algo que recebemos deste modo de outros, como a força se propaga aos elos duma cadeia. Temos assim a mesma obrigação do mensageiro, remeter ao destinatário a missiva que lhe foi confiada. Trata-se de um dever, uma Ordem. Reflectir sobre a transmissão maçónica é como tentar decifrar o conjunto dos meios e a metodologia através da qual se perpetua o ensino da nossa tradição. É por isso que três pontos devem ser abordados para levar mais adiante a nossa reflexão:
1) A utilidade e a necessidade de transmitir
2) As ferramentas da transmissão
3) O dever de transmissão do maçon
1) A utilidade e a necessidade de transmitir
A Maçonaria deve permanecer fiel às suas fontes tradicionais para transmitir correctamente. Contudo ela própria também é adicionalmente influenciada pelas mudanças que ocorrem no mundo exterior. Neste definiram-se diferentes correntes que por vezes rivalizam, excomungando-se umas às outras, reivindicando todas representar a pureza do ideal maçónico. Esses tipos de divisões internas exacerbam-se tanto ou mais quanto mais perturbações significativas sacodem a sociedade.
O mundo está em crise, as referências e os marcadores alteram-se e movem-se, as referências mais tradicionais vacilam, as mentes duvidam e muitas vezes deixam-se corromper. Teria sido um milagre que a Maçonaria tivesse conseguido proteger-se totalmente das desordens que persistentemente assolam o mundo profano.
A transmissão sendo antes de tudo um acto de comunicação e intercâmbio entre as pessoas, é também um acto de amor. Transmite-se a vida, transmite-se o conhecimento, transmitimos o amor à arte, transmite-se uma tradição ... . Perpetua-se e organiza-se a continuidade na troca.
Cada um de nós começando por receber primeiro, aprende pouco a pouco, tal como uma esponja que absorve o líquido do conhecimento. Depois, enriquecido pelas contribuições dos seus IIr:. e IIra:., em conjugação com o seu trabalho pessoal o maçom, ao alcançar a Mestria, deve considerar transmitir por sua vez o que recebeu às novas gerações, fruto da sua pesquisa, da sua experiência, da sua vivência. É por isso que fazemos perdurar a cadeia de transmissão, em que cada um de nós é um “elo”, esculpindo e burilando a sua pedra em loja, para progredir. Representa uma evolução constante da humanidade através da progressão, da evolução individual e da transmissão do conhecimento, por estes "pequenos elos” que são os maçons, ligações sólidas que se posicionam pelo seu ideal solidário, numa gestão coerente que acompanha a marcha do universo.
Cada ser é, portanto, semelhante a um fio condutor, a um relé e a um elo com os outros. Os homens são solidários entre si. Desde cedo, estão em contacto com outros de quem recebem uma série de coisas: a palavra, o conhecimento da história, do mundo, do meio social, etc. É assim que esta transmissão fará cada um ser relé que, por sua vez, deverá transmitir a outros, aos seguintes, etc ...
Para a transmissão, a raça humana tenta desafiar o tempo e a morte através de sucessivas gerações, é a sua forma de querer viver para sempre sobre a terra. Durante o tempo de vida que nos é reservado, nunca paramos de aprender com os outros, para nos aperfeiçoarmos, e depois transmitirmos.
Assim, logo que tivermos desaparecido, outros irão perpetuar este ciclo infinito, transportando todos a sua pedra para trabalhar no aperfeiçoamento da humanidade. Pode-se considerar que a Humanidade é em parte responsável pelo seu destino , que sente na obrigação de transmitir ao longo da sua existência.
Dado o pouco tempo que temos para passar em terra, pode-se pensar que o essencial está no que aprendemos, mas também sobretudo e sempre no que vamos saber transmitir ; é o que nos permitirá perdurar, projectando-nos para o futuro.
Podemos acumular riqueza e títulos de prestígio, mas de que nos servirão quando passarmos ao Oriente Eterno? O que irá realmente perdurar é o que tivermos conseguido transmitir: os valores, conhecimento, ética, filosofia de vida, um exemplo de comportamento, frutos que colherá a geração seguinte.
Transmitir, é igualmente aperfeiçoar, aperfeiçoar e restituir o que recebemos, enriquecido naquilo em que se tornou. É como deixar a marca numa herança. O homem dotado de razão tem a capacidade de reflectir, analisar, discernir.
Só os fundamentalistas desejariam que nada acontecesse, que o mundo permanecesse congelado nos valores, costumes, até mesmo erros ou impasses. O verdadeiro homem, livre e esclarecido, é um agente de mudança para quem a transmissão é uma ferramenta básica, uma vez que qualquer parte do que foi recebido é apreendido.
Neste particular, a Maçonaria é comparável a uma colmeia laboriosa, mas também a uma orquestra onde cada um tenta tocar a sua partição, sem produzir notas falsas, onde cada um no seu lugar se esforça para formar um todo, um colectivo que trabalha em concórdia e harmonia sob a batuta, ou melhor, o malhete do seu condutor, o Venerável Mestre.
2) As ferramentas da transmissão
É essencialmente o ritual que nos permite tornar viva essa tradição. É também o mesmo ritual que participa e finalmente organiza a criação da Loja. Estabelece uma ordem que nos permite transcender o espaço e o tempo. É portador duma linguagem que nos relaciona com o sagrado. É sempre o mesmo, devendo ser transmitido com seriedade e rigor, o que não significa rigidez, é um guia que cada um pode animar. É transportado e vivido pelos membros da Loja, ocupando cada um uma função diferente. Como os operários levantam-se e substituem-se anualmente, evita-se a esclerose personalizada.
O elemento fundamental da transmissão é a incorporação na cadeia iniciática, na qual cada um tem o seu papel a desempenhar para assegurar a continuação da obra. Pode-se considerar que é comparável com um despertar gradual da consciência.
Esta transmissão é feita através da palavra, trata-se antes de tudo de uma uma transmissão oral.
Podemos definir a palavra como um processo concreto de comunicação humana com a ajuda de sinais consensuais, codificados em vibrações sonoras; é o suporte material, o principal modo de expressão da ideia e a actualização da linguagem pronunciada entre os seres humanos.
A língua é um sistema abstracto que potencialmente contém os vários significados e modalidades articuladas da fala. O discurso é um dos veículos , o mais importante, do ensinamento maçónico; no entanto a aprendizagem pela palavra permanece localizada no espaço e no tempo:
a) no espaço, porque está limitada à distância da portabilidade da voz
b) no tempo, porque o momento de expressão é único e irreversível.
Permite uma troca simultânea entre quem fala e quem ouve. O discurso é o único meio de comunicação que é directo, no sentido da ressonância pela qual podemos expressar o que queremos transmitir.
Sem o ritual, a Maçonaria seria um mero clube, uma associação de pessoas que gostam de conviver e que têm prazer em reúnir-se duas vezes por mês. O ritual é, em essência, o suporte, o veículo de transmissão e, por extensão um elo e um cimento que une os maçons entre eles.
O facto dos operários levantarem-se e substituirem-se, é um ponto forte da transmissão de funções e da vitalidade de funcionamento duma Loja. Se um Venerável permanecesse no cargo dez, vinte, trinta ou quarenta anos, como poderia acontecer no passado (p. ex. antes da Segunda Guerra Mundial em várias lojas do GOdF), seria difícil antever serenamente um processo dinâmico de transmissão.
Todos poderão progredir na sua procura iniciática desde que a transmissão seja efectuada numa loja regularmente constituida, com os trabalhos ritualmente abertos. O Venerável Mestre que confere a iniciação, assistido pelos seus oficiais, tem na verdade uma função de transmissão. Ele não age enquanto indivíduo, em seu nome próprio, mas cumpre uma função de catalizador duma força que o ultrapassa.
No início dum ritual de abertura, o Venerável duma loja dirige-se aos Vigilantes para ver se o templo está a coberto. É através duma troca de perguntas e respostas que a loja se constitui e se torna um espaço sagrado. O Presidente duma loja vê e age num campo luminoso que recebe e transmite luz. Tem uma função de despertar e de transmitir. Se cada frase do ritual agiu para despertar o ser dos assistentes, esta transmissão permite a qualquer um iluminar a chama do seu ser à chama eterna do conhecimento.
Outro factor da transmissão é a linguagem simbólica a que apela a Maçonaria, associada à linguagem analógica. Não foi Maçonaria que inventou o simbolismo. Ela herdou-o de várias tradições antigas, por vezes desaparecidas. As representações simbólicas são menos estreitamente limitadas do que a linguagem vulgar.
O simbolismo é visto como uma linguagem universal, um conjunto de sinais e códigos que cada um apercebe de acordo com seu entendimento, a sua capacidade de raciocínio analógico e o estado de vigilância da sua consciência. Coloca a ênfase em algo que não é nem representado nem do domínio sensível, mas que está acima do que o simbolismo representa.
Se pretender definir um símbolo, percebe-se muito rapidamente que isso é práticamente impossível, porque as palavras não podem expressar o seu conteúdo, nem eles podem exprimir toda a arte pictórica ou a arte musical. Definir um símbolo, é limitá-lo e dar-lhe um significado redutor.
Um símbolo está, portanto, para além de qualquer definição. Revela escondendo e esconde revelando (1). A percepção do símbolo tem uma parte subjectiva, pois depende do conhecimento que se tem de alguma coisa, com uma compreensível tendência para se não querer polarizar numa das suas interpretações.
O símbolo não impõe nada, é uma janela aberta sobre o universo oferecendo um aspecto pluridimensional sobre a realidade. É uma combinação de imagens, cada um vê o que as suas capacidades visuais e de entendimento lhe permite perceber.
Assim, ritos e símbolos constituem os elementos essenciais de qualquer transmissão iniciática. Todo o rito tem um significado simbólico e todo o símbolo produz efeitos comparáveis aos do rito. Os ritos são símbolos em acção e todo gesto ritual é um símbolo actuante. Eles não são, no fundo mais do que dois aspectos duma mesma realidade.
3) O dever de transmissão do maçom
Podemos considerar que transmitir é a essência da vida. Transmitir a cadeia iniciática é o triplo ideal da Verdade, da Beleza e do Amor, sobre o qual Pitágoras fundou a sua doutrina da harmonia.
Ressalta do dever Maçónico não guardar egoisticamente o que recebemos, mas compartilhá-lo com aqueles que estão aptos a recebê-lo. Recusar transmitir o que foi recebido é uma forma de egoísmo.
Amelie Gédalge dirigente e fundadora da Federação do Direito Humano (“Le Droit Humain”) disse justamente : "Precisamos de criar um altruísmo intelectual com o qual tenhamos a força para combater e vencer o egoísmo, o interesse próprio, esse verdadeiro e terrível micróbio mental que ameaça sempre infectar a humanidade; Sim, a vida existe para a comunidade e ai daquele que viole as leis da natureza, como uma folha que, querendo isolar e capturar uma parcela de seiva, corte os vasos que lhe permitem participar na circulação geral; semelhantemente a esta folha que cairá logo que seque, o egoísta não pode viver no universo e a grande lei da causalidade, de que ninguém pode evitar os efeitos, destruiu aquele que se recusa a ajudar seus irmãos. Assim se comprova a necessidade vital de Igualdade, Fraternidade e Solidariedade" (1).
Daí o dever de cada Maçon em transmitir segundo as regras requeridas, os ritos e símbolos da tradição maçónica com tudo o que ela implica de dinâmica, nas suas múltiplas facetas, permitindo a cada Ir:. e Ira:. dizer como St. Exupery: «Se diferes de mim meu Ir:. longe de me prejudicares enriqueces-me».
Como ter a certeza de transmitir uma tradição viva, passando-a sem trair o seu receptor? A melhor maneira não é transmitir exactamente o que recebemos, evitando qualquer modificação, qualquer invenção, o que requer um grande esforço de humildade, compreensão e respeito.
Portanto, devemos trabalhar para garantir e manter a transmissão do método ritualístico a salvo de contaminações ou variações, e isso requer e exige a lealdade de cada Maçom para com a integridade e a riqueza do "tesouro” maçónico recebido, ou seja: mantendo os mitos, símbolos, rituais, costumes e as virtudes morais e intelectuais sobre as quais tradicionalmente se baseia a nossa tradição maçónica.
III – O Ritual como Método de Transmissão
Podemos caracterizar o Ritual como um conjunto de cerimónias veiculando uma linguagem, gestos, um ritmo e ordenamento simbólicos, desenvolvidos em torno de um mito, permitindo aos participantes consciente ou inconscientemente, progredir na sua busca espiritual e fazer avançá-los no caminho da Sabedoria e do Conhecimento.
A maçonaria, segundo as nossas Constituicões é um método de especulação filosófico que nos permite ou facilita a “pesquisa da Verdade, o estudo da moral e a prática da Solidariedade "
Trabalhamos pois com especulação como ferramenta para alcançar a "melhoria material e moral e o aperfeiçoamento intelectual e social" em torno de nós, e que esta posição e conceptualização obriga-nos a reflectir, de acordo com o sentido etimológico da palavra “especulim”: espelho. Olhar-se "reflectido" no espelho é "reflectir-se”, como fazemos quando na nossa iniciação somos confrontados com a nossa própria imagem no espelho, com ele começa um acto de "reflectir-se", de repensar-se.
O nosso trabalho em Loja é um método de relação pessoal entre homens livres que colaboram para que a loja se converta num centro de união entre pessoas de diferentes idades, biografias, horizontes espirituais, ideológicos e filosóficos, que se reconhecem entre si, no seu grau e qualidade, que cooperam e se unem também entre si na chamada Cadeia de União, que pretende chegar a ser o Centro da União Universal.
Por isso falamos de um método maçónico que foi construindo e reelaborando, enquanto preservado ao longo do tempo, mediante uma tradição, transmitida de geração em geração, que é o nosso maior e melhor tesouro.
A compreensão deste método supõe a aquisição e a interiorização de uma série de conhecimentos que temos de ir incorporando gradualmente à nossa prática maçónica dentro da Loja, e que obtemos em complemento à via ritualista praticada em Loja, através de estudo, trabalho e pesquisa, que conduzem e potenciam o desenvolvimento individual.
A união e a intensidade da relação fraterna existente numa Loja, funda-se na participação de todos os irmãos na linguagem comum dos símbolos, e do rito como símbolo dramatizado que deve ser interiorizado por todos os membros, já que ele nos permite a todos comunicar, apesar das nossas diferenças, espirituais, geracionais ou filosóficas; e não podemos nem devemos fugir dele, por banal que nos pareça, ou por interessantes que nos possam parecer outros debates ou âmbitos conceptuais e filosóficos.
Recordando António Arnauth (4): “o Rito maçónico é, do mesmo modo, um conjunto de signos apenas compreensível para os iniciados, conforme os graus. Tem um significado histórico-moral e constituiu um instrumento de acesso à sabedoria, pois é o fio condutor da verdade inicial e dos valores eternos. Compreende um acervo e sinais, toques , palavras, símbolos e elementos decorativos de grande riqueza alegórica. Remonta aos arcanos do tempo, embora tenha estabilizado a partir do século XVIII”.
O Rito cria o momento da unidade e estabelece além do mais, a distância justa entre os Irmãos para poder sentir o calor do outro, sem invadir ou violentar o espaço vital do outro.
Dado que são referências que devemos passar de uma geração para outra, sem alterar o conteúdo, pese embora que os veículos de transmissão possam ter uma incrível “patine” de modernidade. Na verdade, esta forma de transmissão alterou-se em conformidade com a mudança de estilo do "discurso intelectual", que se foi conformando em cada momento às ideias, conceitos, correntes de pensamento, tipos de cultura profana, línguagem, vocabulário, etc.
Hoje este discurso é que o que corresponde a "este tempo", porque essa é a linguagem de hoje, aquela que podem compreender os homens e as mulheres da actualidade, podendo-se afirmar que: "o espírito permanece, mas a letra altera sem atraiçoar o espírito". Esse deve ser o nosso caminho como projecto que caminha em direcção à Universalidade.
O ritual deve ser realizado por via da transmissão oral, e isso deve garantir a sua autenticidade, devendo repousar nessa oralidade como um meio de comunicação pessoal por excelência, e como garantia do contacto humano e do segredo maçónico.
Motivo pelo qual a palavra deve ser pautada pelo Rito, dita de irmão para irmão, de frente para o Oriente, não como uma arma de arremesso ou como bola que se lance ao Irmão para debater interminavelmente, ou para que o Mestre engula e digira as suas próprias contradições ou ignorâncias, ou evidencie as suas sapiências.
A palavra ritualizada tem uma força e um calor que multiplica a sua eficácia de comunicação, portanto as nossas pranchas devem cingir-se ao conceito de ajuda, de superação, dando à transmissão maçónica a intensidade que lhe corresponde, no sentido do consenso, não só como aquisição de Conhecimento, mas também como incorporação duma cadeia de Irmãos numa Tradição, de que fazemos parte como mais um anel em aprendizagem contínua.
IV – Conclusões
Para respeitar e garantir o melhor retorno dos valores da Maçonaria, é necessário trabalhar em consciência, com confiança e firmeza, continuando o trabalho como construtores de hoje e arquitectos do futuro, o que requer reagrupar-nos em torno dos nossos princípios e regras que nos conectam ao universal, os iniciados do futuro, que enriquecerão a nossa cadeia de união espiritual e fraternal.
Contudo para adquirir essa Consciência para agir, é preciso dedicação, estudo e compreensão dos ensinamentos contidos na Simbologia e na prática Ritualística que a maçonaria nos fornece, enquanto base da aprendizagem. É sobretudo responsabilidade da Loja, para além de Iniciar o Homem ou Mulher, instruí-los e prepará-los para a nova etapa na sua vida.
A procura iniciática pode ser definida segundo I. Mainguy (1), como “o estado itinerante dum «pesquisador». É pelo desejo de sair da escravatura do poder, do ter, das limitações mentais de toda a espécie, que a nossa procura nos levou a seguir a via da realização maçónica, que leva progressivamente e à medida dos anos, a superar outras provas simbólicas, com a esperança de saber conciliar as nossas oposições internas o mais harmoniosamente possível.
Podemos assinalar que a Maçonaria, ou seja a nossa forma peculiar de trabalhar, é uma forma complexa de interagir num meio ou num ambiente, não de uma forma sistemática mas a partir da diversidade que é a nossa riqueza e o nosso valor, porque diversas e multifuncionais são as nossas próprias ferramentas.
Não se vive plenamente sem trazer em si a certeza de uma luz que nos ilumina a partir de dentro. A nossa vida é acção, a nossa missão e o curso de nossa existência devem ser transmissão. A transmissão destes valores será sempre do domínio do compromisso individual.
É essencial saber que apesar dos grandes avanços tecnológicos, não se pode transmitir o nosso peculiar método maçónico à distância, porque não representa apenas um conhecimento intelectual, mas uma vivência num âmbito espacial muito particular, donde esse "thesaurus" nos diz muito sobre o ser e essência, convidando-nos a um determinado comportamento. Sabemos por experiência própria que quando tentamos trabalhar à distância, sem o contacto e a vivência ritual, o que aconteceu foram más interpretações, vazios do sentimento sobre a razão, ou a sobreposição da razão ao sentimento.
O trabalho maçónico que praticamos e que deixaremos como legado – transmitindo - aos nossos Irmãos mais novos, actuais e futuros, teve muitas reelaborações antes, durante e depois de 1717. O resultado chega às nossas mãos através de muitos autores, em que estiveram envolvidos muitos actores e muitas estruturas até aos nossos dias, mas apesar de tudo o núcleo, a espinha dorsal da tradição maçónica continua a ser a transmissão oral, directa, de pessoa a pessoa, através dum Ritual. Mas não é única, como vimos ….
Só a participação consciente no ritual do Rito nos pode fornecer a profundidade comunicativa que permite fazer Maçonaria. Sem essa profundidade dificilmente existe trabalho maçónico.
Contudo se o trabalho iniciático se suporta no Rito, a procura iniciática apoia-se, mas não se esgota nele, pela prossecussão das investigações e aquisição progressiva de Conhecimento, essenciais ao desenvolvimento consistente do percurso maçónico, que só ao Iniciado e à sua vontade diz respeito. Suportando-se, em primeira mão, no micro-universo do quadro da Loja e nos seus rituais, a par dos ensinamentos dos Irmãos mais sábios e experientes, tem o seu acréscimo de valor reforçado pela complementaridade conseguida com o estudo de obras e textos de autores consagrados, assim se concretizando o “estado itinerante dum «pesquisador», afortunadamente definido por I. Mainguy.
Salvador Allen:. M:. M:..
Jul.2017 (e:. v:.)
Bibliografia
1 – “Procura Iniciática e Transmissão” - Irène Mainguy - (Conferência realizada em 2011 - Aniversário da Loj:. Acácia / tradução do original por «Jakim & Boaz»)
2 – “O Ritual como método de Transmissão” – Victor Guerra (“victorguerra.net”, Abril.2013)
3 – “Ritual do Grau de Aprendiz” (N:. A:. O:.)
4 – “Introdução à Maçonaria” – António Arnauth – Coimbra Editora, 2006
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