Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

4 de abril de 2017

Lojas de S. João

MM.’.QQ.’.IIr.’. Este não vai ser um traçado de instrução por isso implicar um estudo profundo dos factos históricos, simbólicos e ritualísticos relacionados com o tema que vos vou propor. Vai ser, apenas, uma lasca da pedra bruta a ser burilada com a finalidade de enriquecer a mim próprio e a todos os MM.’.QQ.’.IIr.’. se assim o desejarem.
Tradicionalmente, as Lojas Azuis são chamadas de Lojas de S. João, bem expressas nos trabalhos do Grau de Apr.’. que todos sabem de cor e salteado.
E logo várias perguntas se impõem: por que razão são assim designadas numa época em que a F-M se exibe laica e não enfeudada à religião? Porquê a razão de os F-M celebrarem os dias festivos de 24 de Junho e 27 de Dezembro? Porquê, seguindo a tradição operativa do reconhecimento entre IIr.’. com perguntas e respostas, eles respondem que …vêm de uma Loja de S. João…?
Por questões de metodologia abordarei este assunto, primeiro sob a perspectiva dos factos históricos e de seguida as possíveis interpretações simbólicas e ritualísticas.
 
1-FACTOS HISTÓRICOS
 
Começo por vos dizer que, segundo alguns estudiosos da tradição maçónica, a 1ªLoja, ou Loja Mãe, foi convocada em Jerusalém dedicando-se a S. João, primeiro o Baptista, depois o Evangelista e, posteriormente, a ambos (não há documentos históricos que o comprovem, apenas lendas).
 Sendo esta a convicção dos que afirmam a grande influência da tradição judaico-cristã na tradição maçónica, quero crer que devemos ir mais além (neste caso mais atrás recuando aos factos percursores da referida tradição judaico-cristã) por haver poucas dúvidas que as celebrações de 24 de Junho (o Baptista) e 27 de Dezembro (o Evangelista) têm como base as festas pagãs dos solstícios onde eram celebradas, quer a regeneração (ou um 2ª nascimento) quer o caminho entre os ciclos, sendo mesmo considerados como o Conhecimento em todas as civilizações pré-abraâmicas.
 Zénite e Nadir, afirmavam os que conheciam as Leis dos Astros mas a dinâmica espácio-temporal não se ateve à materialidade prosseguindo o seu correlato (a espiritualidade) numa senda que nos obriga a recordar a história de cada S. João que a F-M adoptou.Primeiro S. João Baptista, filho de Zacarias e Isabel (prima de Maria), ambos estéreis, logo considerado o seu nascimento como um milagre pois não era esperado, atribuíram-lhe o papel de percursor dos caminhos de jesus, o Cristo, baptizava no Rio Jordão, pregava a renúncia, o arrependimento, a fraternidade, justiça e o combate à tirania tornando-se mártir.

A seguir, S. João Evangelista, filho de Zebedeu e Salomé, pescador como Pedro, torna-se apóstolo (íntimo de jesus, o Cristo), autor do 4º Evangelho e Apocalipse transformando o pensamento de deus em imagens literárias criativas como os célebres…no princípio era o Verbo ou a voz do divino é como mugido de muitas águas…
A relação de S. João, Baptista e Evangelista, com a F-M provém dos chamados tempos operativos sendo a mais antiga referência datada de 1427 através de um manuscrito em latim, perdido em Oxford, que diz terem os pedreiros-livres protestado no dia de S. João Baptista contra uma ordem emanada do parlamento inglês a suprimir as assembleias dos maçons. Posteriormente, em 1502 (na ocasião da colocação da primeira pedra da Catedral de Westminster) há um registo de uma reunião de uma Grande Loja, presidida pelo Rei Henrique VII, no dia de S. João Baptista. Em relação a S. João Evangelista há um registo nas Acta Latomorum no dia 27 de Dezembro de 1561 em que os militares enviados pela Rainha Isabel I para dissolver as assembleias de pedreiros-livres foram iniciados por estes informando posteriormente a Rainha das boas práticas e costumes dos maçons, ao ponto de aquela mudar a sua opinião e se tornar protectora dos mesmos.
Mas é no período dito especulativo que documentos e referências proliferam. Encontramos o 1º testemunho na Constituição da Grande Loja de Londres em 1717 que diz ser no dia de S. João Baptista que as 4 lojas de Londres se reúnem em assembleia para eleger o Grão-Mestre. Outro testemunho é, após a eleição de John Montagu (o 1º Aceito a ser eleito Venerável), a constatação das datas de 24 de Junho e 27 de Dezembro no Artigo 22º dos Regulamentos Gerais publicados pelo pastor Anderson como celebrações dos maçons. Há ainda um relato de R. F. Gould em 1704 em que se fixava a data de 24 de Junho para a eleição do Grão-Mestre e a de 27 de Dezembro para os AApr.’. serem admitidos e aceitos. Uma referência ainda aos Templários que escolheram para patrono S. João Evangelista e quando estes foram banidos os seus sucessores, os Hospitaleiros, mantiveram o culto de S. João.
 
2-SÍMBOLOS E RITUAL
 
Para lá dos acontecimentos históricos, a interpretação simbólica que a F-M seguiu parece ser muito mais rica e extensa, valendo a pena aqui focar algumas pistas para, mais tarde, serem estudadas em pormenor.
Assim, parece evidente que o nascimento inesperado de S. João Baptista é interpretado como o testemunho da Luz (a de jesus, o Cristo) logo engajado com o Sol que brilha no solstício de Verão e, é claro que a tradição cristã ligou este facto ao envio do fogo e da água divinos para purificar (analogia aproveitada na Câmara de Reflexão) o neófito e aquele que quer renascer para uma nova Luz. Também a retirada de S. João Baptista para o deserto foi aproveitada por nele reinar o silêncio e assim no grau de Apr.’. não se fala e apenas se escuta. Após a sua decapitação por Herodes a sua cabeça foi enterrada longe do corpo aproveitando os monges do séc. XIII para a relacionar como símbolo solar no seu Zénite anual simbolizando assim a vitória da Luz sobre as trevas.
Quanto a S. João Evangelista é-lhe atribuído, no seu Evangelho, a descrição e desenvolvimento do nascimento da Luz no seio das trevas (concretamente no 4º verseto do Prólogo que diz…Nele está a vida, e a vida será a Luz dos homens…), luz esta diferente do 1º S. João (anúncio da vinda de Cristo), pois os estudiosos remarcam a distinção em que a do Evangelista seria o mistério da aparição da Luz dentro das trevas (o solstício de Inverno apresenta a noite mais longa do ano). Muito ligado à recente maçonaria (em certos ritos abrem-se os trabalhos com uma oração de S. João Evangelista) é considerado o criador do evangelho do espirito, ou seja, simboliza a igreja interior (esotérica) e portanto um mestre da Iniciação.
Em resumo, não se pode esquecer que o Simbolismo Solar (nas grutas de Lascaux existem gravuras datadas de há 15.000 anos) é Universal, não sendo senão a simbologia dos dois S. João uma adaptação (judaico-cristã) desse fenómeno. Se a S. João Baptista se atribui a incarnação do velho testamento e o anúncio do novo, a S. João Evangelista dá-se-lhe a criação da interioridade da mensagem cristã.
 Afinal, não serão apenas dois braços da mesma Luz numa dialéctica infinita? Exactamente como as duas cabeças do Caduceu ou, aqui a nossos pés o branco e o preto do pavimento mosaico!
 S. João Baptista foi simbolizado como o grande Iniciado e o Evangelista como Iniciador (o silêncio e as viagens no deserto do primeiro e a reflexão interior no segundo). Foram correspondidos às duas Colunas na entrada do Templo (no Evangelho…eu sou a porta por onde entram os crentes…), são ambos os extremos do ciclo revelador do Verbo na terra, são também associados a Janus (primeiro Rei mítico de Roma) que era um deus de duas faces, patrão dos mistérios e guardião das portas do céu e do Templo (a título de curiosidade encontra-se num vitral da Igreja de S. Rémy em Reims uma imagem única que congrega os dois santos) e, sobretudo, simbolizam o anúncio da Luz (Baptista) e a explicação dela (Evangelista) com os consequentes ciclos de morte e renascimento.
No manuscrito de Graham de 1726 vem escrito…Donde vens tu? Eu venho de uma justa e respeitável Loja de mestres e companheiros pertencentes a deus e a S. João, que saúdam todos os verdadeiros e perfeitos irmãos dos nossos santos secretos
Termino, desejando aos MM.’.QQ.’.IIr.’. que o interesse que este traçado vos possa ter despertado nos una no propósito simbolizado em S. João, Baptista ou Evangelista, vale dizer, na procura da Luz que nos conduzirá à perfeição e mestria.
Diógenes de Sínope M.’.M.’.
 

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