Se há assunto, ideia, matéria, teoria ou prática onde a Franco-Maçonaria se sente à vontade, por possuir armas e argumentos válidos, é precisamente no terreno dos Contrários. É que desde a tradição Hermética à moderna Instrução, o Maçom é orientado para uma racionalidade espírito/material que o dota particularmente para analisar e colocar em prática a Construção Ideal, daí ter-me lembrado que valia a pena, embora resumidamente, percorrer os caminhos das Correntes Antimaçónicas que, quer queiramos ou não, tiveram uma preciosa influência no nosso percurso enquanto Ordem Universal.
Parecem ter surgido no início do Séc. XVIII em paridade com o crescimento da Maçonaria dita Especulativa, e em várias regiões do globo, cada uma delas apresentando circunstâncias regionais e continentais. Esta dimensão internacional do que se considera o antimaçonismo primário é muito ambígua no sentido em que as suas formas e tendências se apresentaram sob a forma de ultrajes e vinganças com grande simplificação sendo a maior parte delas sem fundamento estruturado, coerente e apenas montadas em campanhas ignominiosas em que o plano escondido é um ataque político-social provocado pelo sentimento de perda do absolutismo, quer temporal quer espiritual da época ou, como diriam os psicanalistas, uma reacção afectiva de origem neurótica, ou seja, o principal factor não é apenas a mudança mas o medo dessa mudança, da distância crítica e da adaptação a novos ideais em que se sentem desenraizados.
Por questão de metodologia abordaremos as origens destas correntes antimaçónicas em França, EUA, Roma Pontifica, Espanha e América Latina de um modo mais substancial que já vão tornar pesado este traçado e mais ligeiramente as que grassaram na Bélgica, Turquia, Inglaterra, Escandinávia, Rússia e tantas outras regiões.
Iniciemos, então pelo que se passou em França. Sabe-se que na primeira metade do Séc. XVIII foram férteis os libelos, panfletos, sátiras e diatribes datando de 1738 a famosa bula de Clemente XII (In Eminenti) como consequência de toda esta contracorrente face a uma Ordem que crescia a olhos vistos em toda a Europa, constando as objecções pontificas exclusivamente sobre algumas práticas dos Francos-maçons, a saber, o pluralismo religioso, filosofia e moral baseados no naturalismo e a estigmatização do segredo e o juramento maçónicos como uma autêntica perversão moral em direcção à heresia.
Detenhamo-nos um pouco sobre o que, na realidade, se passou: à medida que proliferava a Maçonaria Especulativa em terras Gaulesas uma série de obras literárias surgiram com naturalidade a evocar, dissecar e revelar o que se passava nas Lojas e não de modo linear mas bastante fantasista. Imediatamente uma reacção contrária cresceu e as pseudo-revelações maçónicas entusiasmaram o público em geral sobre o que seriam aqueles segredos e juramentos, fizeram-no enganando (com proveito económico pois foram vendidos aos milhares) e tirando partido da ignorância dos profanos em relação à nova Ordem. Vale a pena mencionar uma dessa obras (Revélation des Mystéres des Franc-Maçons) em que o autor relata a história de uma mulher de um franco-maçom que se introduz clandestinamente numa sessão da Loja indo encontrar uma série de costumes ridiculamente inventados (as palavras de passe eram longitudo, latitudo e altitudo e descrevendo os rituais como uma espécie de comunismo rousseísta), enfim, uma quantidade de disparates que vieram contribuir para que o público em geral ficasse com uma ideia completamente diferente do que eram os maçons.
Por outro lado, as obras de revelação pura e verdadeira estavam impregnadas por um olhar filosófico, moral e simbólico onde pontificavam o naturalismo de Alembert e Diderot ou da filantropia desgarrada dos imperativos cristãos. Ora, estes princípios distanciados da igreja católica e da monarquia absoluta vão desencadear os principais fundamentos das correntes antimaçónicas que aqui se podem resumir: exclusividade da amizade entre irmãos, prática de uma moral estranha ao cristianismo, acusação de voluptuosidade nos ritos, objectivo do juramento e a exclusão das mulheres (curioso recordar um dos primeiros documentos de Do Ir.’. Uriot que explica o porquê desta exclusão baseando--se, precisamente, no facto de as poupar à calúnia do deboche que, pretensamente, era praticado nas Lojas durante os seus trabalhos).
Terminando este resumo do que se passou em França podemos considerar que os antimaçónicos, além de seguirem o adágio popular que diz que tudo o que é secreto é suspeito, também ignoravam o que escreveu o mesmo Ir.’. Uriot… se os responsáveis do Estado e da Igreja tivessem adquirido a sabedoria maçónica não haveria segredos nem exclusões, sendo o segredo uma espécie de cimento sagrado que une os maçons à maneira dos primeiros cristãos das catacumbas e a exclusão uma falsa questão porque os maçons praticam a igualdade e liberdade e aplicam à vida moral as regras da arquitectura…
Vamos, agora, passar ao que se passou nos EUA começando por vos relatar como o affair Morgan deu início ao chamado Partido Antimaçónico. Antes, convém lembrar o que Michel L. Brodsky escreveu: a franco-maçonaria é fenómeno social consistente numa sociedade estruturada na qual grupos fraternos, unidos por cerimónias iniciáticas e rituais, respondem a um ambiente específico pois as suas actividades estão de acordo com as inquietações das populações (onde recrutam os seus membros) e com as suas particularidades económicas, sociais, culturais e religiosas. O Affair Morgan resume-se a uma contenda que aconteceu em Setembro de 1826 numa terra chamada Canandaigua no Estado de Nova Iorque e que consistiu numa queixa feita pelo V.’.M.’. da Loja local sobre um roubo de uma camisa e uma gravata efectuada por William Morgan. Levado o caso à justiça o pretenso infractor foi absolvido e não se sabendo porquê, o mesmo, desapareceu misteriosamente. Os seus vizinhos subentenderam que tinha sido assassinado às escondidas (a velha justiça da noite) pelos maçons queixosos. Esta situação desencadeou uma feroz rivalidade em que um lado e o outro se digladiaram com factos não comprovados e verdades misturadas com inverdades, de tal modo, que, e coincidindo com a crise económica e social no Estado de Nova Iorque, a florescente maçonaria da época começou a decair chegando ao ponto de um quase desaparecimento.
Curioso apontar que foram as mulheres (por não poderem participar nos trabalhos das Lojas) e os habitantes rurais (calvinistas e de fraco nível cultural tendo como único livro de leitura a Bíblia) os mais ferozes opositores, facto aproveitado pela Igreja Baptista (dominante) que se tornou na líder da ofensiva antimaçónica. Nesta ofensiva poder-se-ão distinguir 2 períodos tendo no 1º (aquando do desaparecimento de W. Morgan) havido uma pressão violenta da população que resultou em muitos abandonos das Lojas por parte dos maçons e no 2º um aproveitamento político em que se deu a génese do chamado Partido Antimaçónico alternativo aos dois tradicionalmente existentes. Decorreu isto entre os anos de 1828 e 1848 com a enfâse religiosa a ser nitidamente substituída por uma moral antimaçónica, muito retórica mas eficaz, remarcando que a maçonaria e os seus segredos visavam a subversão de todas as formas de governo e que a afinidade dos maçons com a sabedoria egípcia e judaica era antagónica à política dos Pais Fundadores da Nação.
Um homem, de seu nome Thurlow Weed, destacou-se neste particular conseguindo ser nomeado, na Convenção do Estado de Nova Iorque, como delegado do Comité Central Antimaçónico que viria a ser o embrião do tal 3º Partido que passou mesmo a designar-se como Antimaçónico e se espalhou rapidamente pelos Estados vizinhos dando lugar à 1ª Convenção Nacional do referido Partido realizada em Filadélfia em Setembro de 1830. Os resultados foram desencorajadores pois nas eleições de 1832 só conseguiram eleger um Governador no Estado do Vermont, Estado sem peso nacional e de pequena dimensão.
O que é certo, e em suma, é que a F-M sofreu um rude golpe (só recuperado depois da Guerra da Secessão) em que os ministros dos Cultos e os políticos fizeram questão de desinformar uma população pouco culta e muito crédula de que os maçons queriam repetir os banhos de sangue da Revolução Francesa ou as práticas satânicas mas, não se poderá escamotear, também, a incapacidade da F-M em conciliar as antigas tradições com a vaga religiosa em cuja ética os Norte-Americanos se reviam.
Passemos, agora, à velha Itália e a sua Roma do Sumo Pontífice onde tudo se controlava sob o bom nome de Deus. Aqui, antimaçónico conjuga-se como excomunhão e logo muito cedo Papas e as suas coortes trataram de o evidenciar promulgando bulas, realizando encíclicas e criando outros éditos a confirmarem uma condenação espiritual total. São extensos e complexos os meandros com que se digladiaram maçons e antimaçons nesta bela Nação, e assim, impõem-se resumir o que, de facto, aconteceu. Podemos começar lembrando a Época em que a unificação da Itália correspondeu à perda do poder temporal dos Papas com Pio IX e Leão XIII a serem os primeiros a organizar, com ferocidade virulenta, a chamada Liga Antimaçónica (Encíclicas Qui Pluribus e Humanum Genus). A dita Liga foi proposta em 1885 pelo Belga Arthur Verhaegen ao Papa como consequência da laicização dos bens económicos e patrimoniais eclesiásticos insinuando que a F-M seria a testa de ferro dos revolucionários e do modernismo e, inteligente e paradoxalmente, aproveitou-se da luta nacionalista para se atirar aos maçons, considerados como a raiz do mal e comparando-os aos socialistas, comunistas e anarquistas com a diferença de que eram muito piores por serem seguidores do culto do naturalismo. Por outro lado, e baseados nas Encíclicas referidas, uma série de livros, panfletos, revistas e jornais deram à estampa desatando a construir um ódio sustentado na ignorância e, rapidamente, vários autores (o Padre Regnault como autor do Manual da Liga Antimaçónica merece referência) desencadearam uma campanha em que a condenação dos maçons (as leis civis e os costumes impediam que fossem mortos) se baseou em preconceitos pois os seus crimes não eram senão o desejo de imporem o progresso social através da igualdade e da liberdade.
Aquela campanha desenvolveu-se em 3 níveis: político, económico e cultural culminando todos numa dicotomização da sociedade italiana em que de um lado estavam os homens de bem (clérigos e realeza), e do outro, os do mal (maçons e republicanos). A igreja católica mobilizou todos os seus instrumentos e instituições conseguindo introduzir falsos conceitos (como o da maçonaria ter origem no judaísmo e com quem queriam formar uma espécie de Internacional Maçónica) indo ao encontro dos desejos de uma burguesia conservadora em relação às reformas sociais e impondo na consciência do cidadão comum a ideia que, de um lado estavam a Itália liberal e maçónica (logo satânica) e do outro todos os que apoiavam a igreja católica na demanda entre o arcaísmo e a modernização, ou seja, entre a retoma do poder temporal pelo Vaticano e os que procuravam as verdades baseados na razão, os que lutavam contra a guerra, os que estimulavam a educação das classes populares ou a emancipação da mulher e mesmo os que queriam desapegar a moral das superstições e vaidades, numa palavra, dos que queriam a laicização da vida social. Enfim, e concluindo, pode afirmar-se que a Liga Antimaçónica conseguiu, apenas, lançar a primeira pedra dos totalitarismos que surgiram no Séc. XX.
Vamos passar ao resumo do que se passou em Espanha e na América Latina começando por vos apontar uma diferença marcante em relação às outras correntes antimaçónicas, a saber, tratou-se de um antimaçonismo institucional contrariamente ao antimaçonismo sociopolítico das outras correntes. Em Espanha tudo começou em 1738, data da primeira condenação do sumo Pontífice à maçonaria sob uma dupla orientação político-religiosa (o rei e o papa). O Monarca, servindo-se do Tribunal da Inquisição, publica uma série de Decretos-Reais a interditar a F-M, nomeia inquisidores-gerais, premeia a delação e a denúncia dos maçons e proíbe a divulgação da literatura maçónica. Depois do fim da Inquisição (1830) serão as pastorais dos bispos que recomendam a todo o clero que cumpram as leis reais juntando-se também a imprensa católica publicando meias-verdades (com a particularidade de só serem escritas as meias-mentiras). Um episódio fulcral foi o deputado Carlista (Vasquez de Mella) ter apresentado nas Cortes de Madrid uma proposta de Lei que considerava a F-M ilegal, traidora à pátria e obrigando os maçons a serem expulsos dos cargos públicos (para recordar que a 1ª interdição aos maçons datava de 1751 no reinado de Fernando VI). Entre este monarca e passando por Carlos III e IV, Fernando VII e Isabel II foram publicados dezenas e dezenas de decretos a interditar a F-M, ora, estes decretos reais levaram a que a polícia, governadores civis e comandantes das colónias tornassem institucional o antimaçonismo.
Já no Séc. XIX foram os Carlistas a promoverem estas acções tendo sido substituídas, no Séc. XX pelos fascistas de Franco que agudizaram ainda mais a repressão tornando-a tão feroz que culminou com a criação do Tribunal da Repressão da Franco-Maçonaria no ano de 1940 e que ficou em actividade até 1965 (uma curiosidade é que pela acção desta repressão ficou em arquivo uma das maiores bases de dados dos trabalhos da lojas maçónicas que foram apreendidas pela polícia). Como consequência deste antimaçonismo institucional surgiu um ainda pior que foi o chamado antimaçonismo popular, ainda hoje grassando em terras espanholas, considerando os maçons como libertinos, ladrões e heréticos, e pior ainda, associando-os aos comunistas, separatistas, judeus, anarquistas e outros revolucionários.
Trata-se, portanto de uma corrente antimaçónica, nos primeiros anos defensiva, ou seja, luta contra uma Ordem de características difíceis de compreender (o segredo e o juramento) e que no fim se tornou ofensiva engendrando-se uma autêntica guerra contra a F-M, à vez, jurídica e ideológica, e desde as bulas à introdução no Código de Direito Canónico e culminando com a expressividade nas Constituições, não só se excomungavam os maçons como também os puniam de acordo com a Lei, ou seja, fizeram do antimaçonismo a união entre a religião, pátria e harmonia social (vale a pena recordar que durante a Inquisição nenhum maçon foi condenado à morte e à prisão mas em pleno Séc. XX foram muitos os banidos, os assassinados e os condenados a prisão perpétua).
Na América Latina o antimaçonismo religioso e eclesiástico seguiu as pegadas da mãe Espanha tendo a componente política cessada com a independência das respectivas colónias mas não completamente pois só atenuou tendo o próprio Simão Bolívar, em 1828, assinado um decreto a proibir toda a associação secreta qualquer que fosse a sua denominação. Os casos particulares do México e Cuba merecem referência pois a F-M foi bem aceite a nível popular. Hoje, poder-se-á afirmar que as correntes antimaçónicas praticamente desapareceram neste subcontinente sul-americano pois, após ter sido legalizada, desenvolveu um trabalho social e filantrópico de enaltecer não esquecendo algumas questões, sobretudo a nível religioso e ideológico, que ensombram o verdadeiro papel da N.’.A.’.O.’., e se os famosos segredos e juramentos já pouco inquietam, o facto de a F-M ser oposta à igreja e associado ao judaísmo e correntes revolucionárias ainda permanece na mente daqueles que julgam estar a F-M por detrás da Independência das Américas.
Não gostaria de terminar sem referir que em muitas regiões do Planeta estas correntes antimaçónicas grassaram de acordo com as características de cada Nação, e desde o affair Imianitoff na Bélgica (em que um falso médico, que foi o criador da medicina social e preventiva, foi acusado e condenado pelos seus ideais maçónicos) passando pela Turquia (onde se caracterizou pela catalogação do maçom como ateu e irreligioso) ou pela Escandinávia (onde o carácter cristão da F-M amenizou a polémica mas com uma oposição filosófica marcada e com a curiosidade de na Suécia ter sido o próprio Rei a defender a F-M aquando do antimaçonismo lançado pelos nazis da Alemanha) ou ainda pela Inglaterra (onde pode parecer paradoxal mas o antimaçonismo existiu quase sempre ligado a pessoas mas nunca estruturado ou generalizado e, nos tempos actuais por estar intimamente ligado ao chamado Establishment, ou seja, igreja, monarquia e partidos políticos, que estão em nítida decadência).
Mesmo no Irão (onde a F-M é recente mas considerada como o catalisador da modernização tendo, inclusivamente, redigido a Constituição de 1905 que cessou a monarquia absoluta, mas não sem ser reprimida pela revolução de 1978) ou na Grécia, Rússia, Hungria e Alemanha muito haveria a relatar mas já vai longo o traçado e à guisa de conclusão podemos afirmar que as correntes antimaçónicas podem ser analisadas sob duas formas, desiguais pelas suas intenções: por um lado o fundamento doutrinal que visa limitar a influência da F-M na vida política, cultural ou social, e por outro, na sua versão mais radical, a anatemização pura e simples da Ordem Maçónica.
Na minha opinião valeu a pena ter elaborado este Traçado pois ele incita-nos a uma reflexão profunda num momento onde a perda de determinados valores universais fazem com que medrem nacionalismos e xenofobias que outrora só as sociedades desprovidas de cultura democrática promoveram. E se desde os primórdios as correntes antimaçónicas se iniciaram pela zombaria, comparando maçons a filósofos e ateus, logo cresceram no seu antagonismo. As sociedades humanas, periodicamente, necessitam de catalisar as suas frustrações em bodes expiatórios (os judeus foram os primeiros e agora são os maçons) havendo, pois, que resumir, racionalmente, nos dois grandes inimigos naturais da F-M (ignorância e fanatismo) a solução do problema, vale dizer, procurar a Luz construindo-nos na virtude, tolerância, liberdade, igualdade, justiça e fraternidade.
Diógenes de Sínope M.’.M.’.
(Resp:. Loj:. Salvador Allende)
Val.’. de Lisboa
Bibliographia
-Edités par Alain Dierkens – « Les Courants Antimaçonniques Hier et Aujourd’hui », Editions de L’Université de Bruxelles
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