Para quem não faz questão de se preocupar mas que gosta de enriquecer o pensamento por meio do debate sincero e sem primados de dominação que prazer seria de se poder assistir ao diálogo entre Carolus Linnaeus e Charles Darwin, Demócrito e Niels Bohr, Descartes e António Damásio, St. Agostinho e K. Marx e mesmo Jesus o Cristo e F. Nietzsche, aliás como o fizeram na actualidade, na BBC, o Zoólogo Evolucionista Richard Dawkins e o ex-Bispo de Oxford Richard Harries em que abordam sem preconceitos a Criação (lê-se Sagrado) e a Evolução (lê-se Ciência).
Serve esta pequena introdução para me debruçar sobre uma das mais velhas, e paradoxalmente, mais recentes controvérsias que resumo como o Sagrado e a Ciência.
Separadas à nascença muitas mentes brilhantes tentaram re-ligá-las (a palavra Religião vem do Latim relligare que significa tornar a juntar) e desde o pensamento de Diderot (que dizia que o homem só será completamente livre no dia em que o último Rei for enforcado com as entranhas do último Padre) até aos infernais actos como sequência do Paulinismo político (como o célebre matem-nos todos, não-crentes, sábios, mulheres e petizes que Deus reconhecerá os seus e a não menos célebre Inquisição) muita água passou debaixo das pontes.
Clássica e tradicionalmente, o Sagrado, está intimamente ligado a todas as Religiões conhecidas, quer as aceites como maioritárias (Judaico-Cristã, Islamismo, Hinduísmo, Budismo ou Taoismo) quer as que, embora de menor expressão e sem as características Major de uma religião, também fizeram da ligação ao Sagrado uma das suas componentes marcantes (Mitologia dos Ameríndios, Africanos, América do Sul, de muitas ilhas espalhadas pelos Oceanos e Confucionismo).
É natural que assim fosse pois nas primevas Eras, onde o conhecimento escasseava eram as artes da divinação (adivinhar na sua etimologia) que estipulavam as regras no reino do desconhecido nascendo assim um forte sentimento de dependência com o poderoso, invisível e inalcançável Criador que a tudo deu vida, forma, volume e demais características, residindo, portanto, o Sagrado no cosmos e no divino revelando um Egocentrismo notável, no sentido em que, para se justificarem a si mesmos, projectavam a sua fraqueza num Ser (ou Seres) marcadamente maior, omnipresente, omnipotente e omniconsciente.
A Ciência, primitivamente a extraordinária Scala Natura de Aristóteles como pináculo dos pequenos/grandes pensamentos dos Pré-Socráticos, começou tímida e subjugadamente na tríade clássica de observar, comparar e classificar e ao longo dos Séculos foi magnânima e pujantemente relançada, após o período da trevas da Idade Média, em revoluções periódicas mas estáveis e demonstráveis que vão desde a reducionista, fixista e mecanicista (Copérnico, Galileu, Buffon, Lamarck) à evolucionista (Darwin e Wallace) que a partiram em mil ramos sempre na tentativa de explicar o Todo esmiuçando e esventrando as Partes num caminho que a estruturou para sempre ao acrescentarem à tríade a reprodutibilidade e a modelização matemática da experiência.
Não vos vou maçar descrevendo o que de admirável se passou em cada uma destas etapas (dou-vos o prazer da leitura em mil e um livros escritos sobre este assunto) em que Sagrado e Ciência de costas voltadas e agredindo-se mutuamente contribuíram, não para um avanço que pareceu notório mas para um atraso inconcebível em que a inteligência malparada grassou e dominou.
Explico melhor, nas origens, quer as Teogonias quer as Cosmogonias procederam de um estádio indefinido e quase caótico e dai a facilidade com que se aproximaram da Metafísica, ora, e à medida que se foram acumulando os novos conhecimentos os modelos, quer do Sagrado quer Científicos, começaram por hipóteses que deveriam ser refutadas ou validadas e modificando-se de acordo com a sua demonstração. Aqui, agudizou-se o mau uso da inteligência pois em vez de integrarem a impossibilidade que o Sagrado tem em ser demonstrável por factos (mas stricto sensu experimentáveis) nas verosímeis experiências (insensíveis por natureza) decidiram cada um correr para o seu lado custando isso, à Humanidade, não só um ror de disparates como também, e sobretudo, uma consciência antropomórfica, falocrática e de exclusão que virou homem contra homem, homem contra a mulher, homem contra animais, vegetais e minerais causando uma destruição incontável a que todos, impunemente, assistimos não sem, por um lado uma raiva a crescer-nos nos dentes, e por outro com a esperança de cada vez que morre um vício ressuscita uma virtude (sim, a ressuscitação simbólica de Hiram é diária e em exercício constante).
Como, perguntarão? E eu respondo nunca como o temos feito até agora, ou seja, sem aporias que no dizer de Aristóteles são igualdades de conclusões contraditórias.
E se, com a entrada em cena dos novos Cientistas (Morfologistas, Evolucionistas, Fisiologistas, Etologistas e Cognitivistas) no Estudo do Ser, eles que não pratiquem o jogo que o Sagrado e a Ciência têm vindo a exibir, isto é, não aceitar que a contingência e não-finalidade da Evolução é um avanço, que a reprodutibilidade da experiência seja uma obrigação temporária, que o microcosmos dos insectos é mil vezes mais maravilhoso que a arrogância antropomórfica, que a definição de Modernidade não seja que mais vale o estudo de uma molécula de água em Marte do que evitar a desflorestação da Amazónia, que a insuspeita criatividade de uma vida sem suporte seja o primado vital, que se aceite que à escala nanoscópica corpuscular não se distingue um livro de um homem sem que isso seja um erro mas uma baliza para atingir a diferença da unidade, que não se faça como Platão que através das Ideias o homem consegue e deve desembaraçar-se da Natureza, que a Filosofia se centre mais nas perguntas que nas respostas não substituindo axiomas velhos por novos (a caverna de Platão agora chama-se Constante Cosmológica e as sombras ecrãs catódicos e de plasma), enfim, uma série de inverdades tornadas autênticas (o Sagrado) e de verdades tornadas inautênticas (a Ciência).
Infelizmente Freud tinha razão quando afirmou que a Ciência infligiu profundas feridas ao amor-próprio do Homem ao demonstrar que a Terra não era o centro do Universo, na demonstração pela Biologia que o homem não é o topo da criação mas sim mais um elo (o mais elaborado) na Scala Natura e, sobretudo, com a descoberta do inconsciente.
A essência da condição humana é não conseguir viver ou existir sem um sentido de vida mas esta Ontologia decorre num Cosmos sem sentido ou senso, logo, o maior dos desafios lhe é dado pela consciência de si e dos outros. Começando por ser bípede forçado (e não natural como os passeiriformes) o desenho da adaptabilidade não foi um utópico desígnio nem um acto experimental matematicamente modelizado, ambos cravados na frigidez das verdades gravadas em mármore (como referiu o Paleoantropólogo Pascal Picq), como também não foi o uso da técnica ou a emancipação Iluminista do pensamento em relação à Religião nem o contra-senso da imposição dos costumes que programaram geneticamente o homem para, simplesmente aprender (tão bem exemplificado no Mito de Prometeu), muito antes pelo contrário, estas estupendas capacidades são consequência, insuficientemente aproveitadas, da pressão probabilística da liberdade celular com que hoje se define a Humanidade.
Então, a pergunta, será que precisarmos do Sagrado e da Ciência, perde a sua força? Claro que não! Necessitamos muito de ambos fazendo como aqui, na nossa Loja, singela, mas carregada de significado simbólico, em que a construção de si é um percurso íntimo virado para os outros e para o Universo.
Impõem-se mais uma pergunta: Contribui a Ciência para dessacralizar o Sagrado e este para desciencializar a Ciência? Claro que também não! O que se conseguiu foi que se iluminasse a obscuridade e se hoje o Sagrado não é exclusivo das Religiões foi indubitavelmente devido ao contributo da Ciência bem como se hoje a Ciência não é maioritariamente materialista deve-o ao sagrado no sentido estritamente laico e aqui chega-se ao cerne da questão: a Espiritualidade que tanto dá força e substância ao Sagrado e à Ciência, já não o faz de um modo ortodoxo, fixo ou reducionista e vejamos porquê muito resumidamente para não corrermos o risco de ficar aqui a vida inteira a debitar para nós próprios.
Assim: a tão proclamada desconstrução dos valores tradicionais foi enriquecida com formas de natureza cultural e espiritual, mais fortes e mais estáveis, preparando o indivíduo para resistir a um consumo devorador do Sagrado localizado no divino e mesmo no Cosmos, ao invés passou-se a contar com aquilo que podemos chamar a prata da casa, isto é, o Ser Humano que sabe que é mortal e que só pode contar com as exigências da sua lucidez e nunca sem perder o que o liga aos Outros e ao Cosmos, ou seja, o sentido de vida.
Há um velhíssimo ditado Árabe que diz: um homem que não encontrou na sua vida um motivo para a perder é um pobre homem, ou outra maneira de dizer que o Sagrado deve ser entendido como um motivo da saída de si suspendendo o Egocentrismo para que, e na sua lógica etimológica e não religiosa, o Sagrado seja aquilo pelo qual nos podemos sacrificar usando o sentimento, a afectividade e o amor que estão dentro de nós e não no exterior.
Ao apagar-se o pequeno Eu acende-se a verdadeira relação entre o Uno e o Todo seja no Cristianismo, nos Vedas Indianos, nos Upanixadas Persas ou na materialista Ciência, isto é, para mim traduzo, exactamente, como a consciência de mim entrelaçada aos outros e ao Universos sem que use as palavras Deus, Vixnu ou Tao mas outras mais acessíveis como Bom, Justo e Tolerante que simbolicamente encontro nos utensílios que tradicionalmente fazem parte da Franco-Maçonaria ou naquilo que o Espírito se destaca de corpo e mente.
E cada um de nós tem o dever e a exigência de procurar, ser responsável e de realizar esse outro Sagrado que não se resigna com a decadência moral nem com a magnitude da Ciência para destruir o que de mais valioso a natureza exibe: a vida!
Esta Transcendência, agora, não exterior (o Sagrado) não pode nem deve ser conotada senão ao maior sinal da sua existência que é a Liberdade, e aqueloutra evidência (a Ciência) não pode ser aliada senão da primeira para combater a tirania da finalidade esgotada pelos mimos trocados entre eles que dividiram em vez de unirem a Humanidade.
Por fim peço-vos para, comigo, dizerem não ao significado da peça Teatral The King Lear em que são os loucos que conduzem os cegos e nunca esquecendo que aquele que não ama permanece na morte.
Diógenes de Sínope M:.M:.
Setembro de 2014
Bibliografia:
-Jules Boucher – “La Symbolique Maçonnique”, Éditions Devry
-Pascal Picq – « Nouvelle Histoire de L’Homme »
-P. Sonigo et J.J. Kupiec – « Ni Dieu ni Gene »
-J. Delacour – « Le Cerveau et L’Esprit »
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