Pão, Paz, Saúde, Habitação! O estribilho da canção de um abril pleno de Esperança era cantado, de pé e com um vigor paradoxal, por um grupo de velhinhos e gastos ácidos aminados. Mais à esquerda, e sentados apesar de mais jovens, outros aminoácidos trauteavam: Qual é, a tua, ó meu? Para esse peditório já dei, de outra velha canção já não de um abril esperançoso (e com uma raiva a crescer-nos nos dentes) mas de um abril meio contaminado a prenunciar a ditadura do pensamento amorfo e da sua sequela major – não pensar pura e simplesmente.
Esta, estabeleceu-se sem darmos conta e baseado numa atrofia metódica, estudada e premeditada que as novas moléculas orgânicas sentadas à direita daquele anfiteatro labiríntico que na célula foi descoberto no fim do séc. XIX pelo cientista Camilo Golgi e que tem como missão armazenar, transformar e eliminar a trampa produzida pelo fascinante trabalho celular.
Todo este trabalho celular, inconsciente e homeostático, isto é, auto-controlado, possui uma característica ímpar: é completamente livre, e mais, adapta-se a qualquer circunstância ou ambiente num jogo de probabilidades em que a única pressão é a da Selecção Natural, quer dizer, vive, amadurece e morre sem se aborrecer, sem pensar mal ou bem e sem saber se é bonito ou feio ou, como diriam os críticos mais subtis, sem dialéctica. Mas enganam-se aqueles pois todo este complexo processo é feito por oposição em que à esquerda e à direita os sinais contrários são mediados por um centro que não é neutro nem amorfo.
O maior fascínio é que este trabalho, hercúleo e épico, selecciona e solidifica o que de mais nobre pode haver – a vida! Escalonada, diversa, antagónica, dividida em Reinos, Famílias, Ordens e Espécies, cada uma com a sua missão (desde a completa inconsciência à quase perfeita consciência) para que o Todo funcione num caos harmónico e cada vez mais ordenado.
Modernamente, na célula, antes da adaptação descobriu-se a exaptação que é uma característica que não exibe vantagens adaptativas mas, embora adormecida, e por causa da sua liberdade pura e imune a influências de qualquer género, quando invectivada (mudanças de ambientes ou comportamentos sociais) acorda e evolui de acordo com os novos cenários. É uma das mais extraordinárias características da Evolução, o ser capaz de utilizar um poço de inutilidades mas cheio de potencialidades. Uma espécie de pensamento inconsciente mas nunca amorfo, sossegado ou inútil acontecendo à frente dos nossos olhos humanos desesperados por tanta grandeza.
Lá ao fundo (nem ao centro, nem à esquerda nem à direita) do Anfiteatro Golgiano um pequeno grupo acompanhava vocalmente as venturas de Sarastro, Pamina, Tamino e Papagueno para que o Bom e o Belo se sobrepusessem ao Mau e ao Feio, e conhecidos eram pelos que não pensavam, por serem secretos, satânicos e interesseiros. O que custa ser julgado por não pensantes sendo pensadores, o que custa ser inconsciente sistematizado por conscientes – paradoxo que deve ser descascado na claridade, sob o Sol, A Lua e o Delta Luminoso (ou pelos seus representantes simbolizados) que, com a Flauta Mágica e no fundo do Aparelho de Golgi, cavam masmorras ao vício para que o pensamento se exiba com o fulgor para o qual foi treinado e se não extinga o que, na hecatombe, será o núcleo de resistência de um humanismo Livre, Justo e Tolerante que erguerá a vida custe o que custar e sempre olhando de frente em vez de passar ao lado dos que organicamente mais novos, dotados e soberbos têm a vaidade de serem os digníssimos representantes dos não pensadores no seu estado mais puro.
Novos cenários e velhos métodos de oposição não resultam como se constata neste cenário fantasioso que aqui vos exponho. Os velhos aminoácidos e os mais novos à sua esquerda (por pensarem pouco) agarravam-se ao método que lhes foi útil e seguro numa determinada Época em que os padrões e valores eram visíveis e de limites definidos e deixaram medrar os da direita, proponentes de um materialismo (por nada pensarem) dogmático (mas todos crentes fervorosos de um desígnio invisível) onde pensar é proibido, onde esmagar a oposição é permitido e onde a promessa do efémero é condição sine qua non para sacar tudo aos que não têm nada para os que têm tudo não dêem nada.
A célula cedia a olhos vistos (microscópicos é claro) com o grupo à direita colocado emborrachado de tanta ganância, o da esquerda embriagado por manter os princípios e os iniciáticos brilhando naquela obscuridade de modo a que o enterro fosse claro e inolvidável.
Ainda se está no limiar da desgraça, as células apodrecidas querem ganhar a guerra que iniciaram e desejam terminar, restam aquelas (quais estruturas de pequena dimensão mas que recusam a putrefacção senão a natural e biológica, reunindo-se abraçando-se, dialogando e sendo coerentes) que fazem do inconsciente o caminho para o consciente, do caos a ordem, do materialismo a nobreza e do pensamento o futuro.
Finalizo dizendo-vos que qualquer semelhança desta historieta imaginária com a realidade é pura verdade cabendo a cada um de nós terminá-la da maneira que sabemos pois não pensar nada custa mas pensar custa o que for necessário para que o nosso tempo actual não se pareça com o homem da foice aos ombros mas sim que mimetize o Compasso por cima do Esquadro sem lucubrações ou dúvidas de partir do ponto e traçar círculo sobre a matéria que se organiza a ela própria mas que absoluta e relativamente se eleva pela acção daquele e, isto se não formos uns ignorantes do simbolismo.
Diógenes de Sínope, M:.M:.
abril de 2014
Bibliografia
-Jules Boucher – “La Symbolique Maçonnique”, Éditions Devry
-Jean Delacour – « Le Cerveau et L’Esprit »
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