Fiquem vocês sabendo que, muito mais cedo que tarde, abrir-se-ão de novo as grandes alamedas por onde passe o homem livre, para construir uma sociedade melhor.

(Últimas declarações de Salvador Allende ao povo chileno a 11 de Setembro de 1973, quando os aviões dos generais fascistas já bombardeavam o Palácio de La Moneda)

10 de novembro de 2025

O Mestre Maçom - prisioneiro ou libertado pela lenda de Hiram

 



O Mestre Maçom -  prisioneiro ou libertado pela lenda de Hiram



Foi-me sugerida a aprentação de uma Pr:. sobre o significado da lenda de Hiram para o Mestre Maçon. Prisioneiro ou libertado por ela? 

Para discorrer sobre o assunto, irei socorrer-me de três fontes: a minha própria reflexão, constante de várias das PPr:. elaboradas nos últimos anos; o excelente acervo bibliográfico construído pelos NN:.QQ:.IIr:. Diógenes de Sínope e Salvador Allende; e a sabedoria de muitos estudiosos da história maçónica, como Oswald Wirth, Hercule Spoladore e vários outros que aqui citarei.

Como é o caso de Marc Halévy, para quem “o grande tripé mítico e místico sobre o qual repousa o edifício simbólico e espiritual da Franco-maçonaria, resume-se em três ideias que têm entre si relações extraordinariamente ricas: o arquitecto perfeito e o Iniciado completo que é Hiram, o Templo de pedras de Jerusalém, sobre o monte Moriah, e o rei Salomão que incarna a Sabedoria mais profunda e representa o Divino entre os homens” .

Cada um destes pilares encontra as suas raízes no Livro dos Reis e nas Crónicas da Bíblia hebraica e a sua ligação perfeita é-nos dada a conhecer pela Lenda de Hiram, elemento central do ritual maçónico de elevação a Mestre.

Fala-nos a Lenda da morte do Mestre Hiram às mãos de três companheiros maléficos que, cegos pela ambição e a ganância, recorrem à traição buscando obter o segredo do Mestre antes de merecerem a exaltação. Eles fazem tudo para esconder a sua vileza, mas a verdade e a justiça triunfam sobre o mal e as mentiras; o cadáver podre e quase não enterrado do Mestre é descoberto pelo amor e constância dos seus discípulos. Que o resgatam e o mantêm para sempre vivo, pela compreensão completa de que a morte do Mestre não foi em vão, porque os seus ensinamentos serão eternos. Os ramos de Acácia que cobriam o corpo de Hiram, representam pela sua longevidade e pela incorruptibilidade da sua madeira, a permanência da Ordem através do tempo .

O fundamento iniciático da lenda do Mestre Hiram assenta numa tradição bastante antiga, segundo a qual, para que uma instituição tenha condições de sobreviver através dos tempos, é preciso que o seu personagem central desapareça de uma forma notável. 

É nesse sentido, por exemplo, que James Frazer nos mostra que “os mitos da criação, em todas as lendas antigas que versam sobre esse tema, têm uma mesma estrutura arquetípica. A noção do deus morto e regenerado, que é arquetípico em várias religiões, é uma estrutura psíquica que tem a ver com o simbolismo da natureza nos seus ciclos regenerativos. Ele também se liga aos ciclos de poder, observáveis na estrutura das sociedades antigas, no sentido em que é somente pela morte do rei anterior que o novo rei pode assumir. Daí o ciclo morte-regeneração-ressurreição assumir essa compostura arquetípica no Inconsciente Coletivo da humanidade e ser reproduzido em todos os chamados Mistérios celebrados pelos povos antigos.”  

Mas apesar de ser um elemento central do Ritual/Catecismo maçónico desde meados do Séc. XVIII, tanto a Lenda de Hiram, como o nome e a real existência de Hiram Abif, têm sido objeto de muita controvérsia entre historiadores e estudiosos.

De facto, o nome de Hiram aparece em dois livros bíblicos, o 1º Livro dos Reis e o 2º Livro das Crónicas e é relativo a duas personagens diferentes. O primeiro é Hiram, rei de Tiro, amigo de Salomão e que lhe fornecerá as madeiras de cedro e cipreste do Líbano para o Templo (em troca de óleo e trigo), e que enviará a Salomão o outro Hiram, um reputado mestre de fundição de metais, para as suas obras em bronze. 

Na obra “As origens do Grau de Mestre na Maçonaria”, escrita por Eugéne Felicien Albert, Conde Goblet D'Alviella, (1846-1925), Grande Comandante Soberano do Conselho Supremo do Grau 33 da Bélgica, este autor defende que "a lenda de Hiram, como é tratada nas nossas Câmaras do Meio, parece ter sido desconhecida pela maçonaria operativa." 

D'Alviella cita o mais antigo dos textos maçónicos conhecidos – o manuscrito Halliwell, dito "Regius" (1390), mas na verdade, tanto neste como no manuscrito de “Cooke”, de 1410, Hiram e o Templo de Salomão são totalmente ignorados, sendo Pitágoras, Hermes e Euclides realçados como os pilares da geometria.

De facto, só no final do Séc. XVI, em 1583, aparece num manuscrito intitulado “Grande Loja nº1”, a referência ao Templo de Salomão e a Hiram, rei de Tiro. E só em 1710, num manuscrito intitulado “Dumfries nº 4”, aparece uma referência muito elogiosa a Hiram, o mestre fundidor de metais, gabando a sua sabedoria e engenho perfeitos.

Citando Oswald Wirth:

“ - O que procuram os Mestres?

 - A Palavra Perdida.

 - Qual é essa palavra?

- A Chave do segredo maçónico, ou dito de outro modo, a compreensão do que permanece ininteligível aos profanos e aos iniciados imperfeitos” .   

Meus Queridos Irmãos,

Nada há de mais significativo para uma Loja, durante os seus trabalhos na Câmara do Meio, do que a representação alegórica da Lenda do Mestre Hiram Abiff, constituindo esta uma ocasião sempre propícia para recordar e consolidar o solene compromisso assumido ao atingir o Sublime Grau de Mestre Maçon.

Estudamos a Lenda com profunda atenção, quando somos protagonistas da morte do Mestre e compreendemos o seu significado simbólico, traduzido na morte do "velho eu" e na ascensão a um novo estado de consciência e sabedoria, bem como na importância de saber manter um segredo e de honrar a palavra dada. Nela encontramos os elementos que nos irão guiar na incessante busca da perfeição. 

A Lenda de Hiram não nos oprime nem liberta, antes nos ensina a ver mais além, felizes por pertencer a uma geração de maçons que, ano após ano, vão enriquecendo os quadros das Lojas, assegurando a continuidade e o engrandecimento da Ordem e da Maçonaria Universal

Na Lenda de Hiram não há seres mágicos ou com poderes sobrenaturais, o protagonista é um trabalhador simples, um fundidor de metais que pauta a sua vida pela entrega ao trabalho e pela honestidade, a perseverança e a discrição. 

Os segredos que foram usados para a construção do Templo, bem como os nomes dos diferentes utensílios, ferramentas e vocabulário pertencentes à associação de construtores, são aplicados na simbologia e na ritualística maçónica. E as ferramentas com que matam o Mestre, mostram-nos a dualidade das coisas, pois em vez de serem usadas para edificar o bem, são aqui usadas para a ignomínia e o crime, dando-nos a entender que nenhuma criação humana é boa ou má por si só, a sua bondade ou perversidade depende do uso que os seres humanos fazem dela.

Os três pérfidos companheiros da Lenda, representam os três grandes flagelos da humanidade que nos levaram em inúmeras ocasiões a eventos fratricidas, a ganância, o fanatismo e a ignorância. Hiram é a alegoria das três virtudes opostas, generosidade, tolerância e instrução. E o castigo dos seus assassinos pode ser visto como uma metáfora para a justiça moral que exige que o mal seja corrigido e a verdade prevaleça. 

Como se lê e pratica no Ritual das nossas sessões em grau de Aprendiz, os Maçons reúnem-se em Loja para “cavar masmorras ao vício combatendo a tirania, a ignorância, os preconceitos e os erros, e elevar templos à Virtude, glorificando a Justiça, a Verdade e a Razão.”

A lenda de Hiram ensina-nos que para um homem justo que ama a sua liberdade, os medos da morte não são nada comparados com a abominação da traição e da desonra. E que o homem que sabe ouvir a voz da natureza terá a força necessária para combater os seus medos, gerando a paz interior que o ajudará a compreender que nos nossos corpos perecíveis, reside o princípio da vida e da imortalidade.  

Para os Maçons, Hiram Abif não representa somente o arquiteto do templo, morto por três companheiros perversos, mas também o modelo do justo que triunfa contra a corrupção e a morte. A paixão de Hiram converte-se deste modo no símbolo reservado ao maçon que cumpre e respeita os seus deveres e obrigações.

A Maçonaria ensina os homens e as mulheres a respeitarem-se apesar de tudo o que os possa dividir e daí o tratamento por Irmão e Irmã. Elevando-nos acima da divisão e trabalhando com afã para unir o que está disperso, partilhamos ente nós o efeito dessa tolerância mútua, sem a qual não existe Maçonaria.

Porque ... 

O Mestre Maçon é o viajante que vai além de onde os fracos sucumbem, os inconstantes desertam e os timoratos desistem.” 


Cândido, M:.M:.

R:.L:. Salvador Allende, a oriente de Lisboa, Março de 2025 (e:.v:.)



Bibliografia


Hercule Spoladore – Loja de Pesquisas “Brasil” – Londrina – PR

Humberto Camejo Arias (Gr.33) – “La Muerte de Hiram”

Marc Halévy – “Hiram et le Temple de Salomon, Le Mythe Fondateur de la Franc-maçonnerie”

Vitor Manuel Adrião – “Terra Nostra, os Mestres e a Iniciação”; “Dogma e Ritual da Igreja e da Maçonaria”

James Frazer- O Ramo de Ouro, Zahar Ed. 1982.  

João Anatalino - “Conhecendo a Arte Real” - MADRAS - SÃO PAULO, 2003

Goblet d’Alviella - “Las Origenes Del Grado de Maestro”

Oswald Wirth - “ La Franc-Maçonnerie Rendue Intelligible à Ses Adepts – Le Maître” -– Ed. Dervy (2003)

Irène Mainguy -“La Symbolique Maçonnique du Troisiéme Millenaire” - Ed. Dervy (2006)

Daniel Berésniak - “Los Oficios y Los Oficiales de La Logia”

Manuel Pinto dos Santos - “Dicionário da Antiga e Moderna Maçonaria”

Blog «Jakim & Boaz» ("jakimeboaz.blogspot.pt")

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