A Construção do Homem Novo no Último Quartil do Século Vinte
O mundo, na última parte do século XX, viveu sob o impacto de grandes eventos e mudanças estruturais. A Guerra Fria, que polarizava o globo desde o fim da Segunda Guerra Mundial, aproximava-se do seu desfecho com o colapso da União Soviética em 1991. Esse momento marcou o surgimento de uma nova ordem mundial, caracterizada pela globalização e pela hegemonia do capitalismo. Ao mesmo tempo, movimentos sociais e culturais clamavam por maior igualdade, liberdade e reconhecimento de direitos, como o feminismo, o movimento ambientalista e as lutas por direitos civis e LGBTQIA+.
O “homem novo” que emerge desse contexto não é apenas uma figura política ou social, mas um ser que busca compreender e agir num mundo cada vez mais interconectado e complexo. Essa construção foi marcada por desafios e oportunidades, moldadas pela tecnologia, pela economia e pelos valores culturais em transformação.
Essa era digital não apenas democratizou o acesso à informação, mas também criou novos desafios, como a necessidade de lidar com o excesso de dados e a superficialidade das relações mediadas por tecnologias. Assim, o homem novo surgiu como alguém capaz de navegar neste mar de informação, desenvolvendo competências críticas e adaptativas.
Culturalmente, os anos finais do século XX testemunharam uma aceleração na desconstrução de paradigmas tradicionais. O conceito de identidade, por exemplo, tornou-se mais fluido, influenciado por debates em torno de gênero, raça, sexualidade e cultura. O homem novo foi construído em meio a um diálogo constante entre o individual e o coletivo, tentando equilibrar a busca por autenticidade pessoal com a responsabilidade social.
Movimentos como o pós-modernismo questionaram narrativas únicas e absolutas, incentivando a pluralidade de perspectivas. Essa nova visão de mundo encorajou o homem do final do século XX a pensar criticamente sobre suas crenças e a abrir-se ao outro, reconhecendo a diversidade como uma força e não como uma ameaça.
O despertar para as crises ecológicas e para as limitações dos recursos do planeta também desempenhou um papel crucial na formação do homem novo. O relatório "Nosso Futuro Comum" (1987) e a Conferência do Rio (1992) trouxeram à tona a necessidade de um desenvolvimento sustentável, moldando uma nova consciência ambiental.
Essa preocupação global inspirou uma geração a questionar os valores do consumismo e a adotar práticas mais responsáveis, tanto individual quanto coletivamente. A construção do homem novo tornou-se, então, inseparável da ideia de um mundo sustentável e interdependente. A construção do homem novo nesse período não foi linear nem homogênea. Foi marcada por contradições e tensões, refletindo as ambiguidades de um tempo em que o progresso técnico e científico contrastava com a persistência de desigualdades e conflitos.
Contudo, o legado mais importante talvez resida na capacidade do homem novo de questionar, reinventar e adaptar-se a um mundo em constante mudança. O último quartil do século XX ensinou que a verdadeira renovação não está apenas no avanço externo, mas na transformação interna, no desenvolvimento de uma consciência mais crítica, ética e solidária.
Nesse sentido, o homem novo que emergiu desse período não é uma figura acabada, mas um processo contínuo, em que cada geração carrega a responsabilidade de redefinir os valores que sustentam sua existência e suas ações no mundo.
A título exemplificativo podemos tentar interpretações a partir da “Construção do Homem Novo no Último Quartil do Século 20” na origem de Ideias ou ideais Totalitárias, Socialistas, Comunistas, Liberais, Sociais-Democratas, Libertários e de Movimentos Radicais.
O último quartil do século XX (1975-2000) foi um período de intensas mudanças ideológicas e culturais, marcado por embates e convergências entre diversas correntes de pensamento que disputavam o protagonismo na construção de um novo modelo de indivíduo e sociedade. As ideias totalitárias, socialistas, comunistas, liberais, sociais-democratas, libertárias e os movimentos radicais desempenharam papéis distintos nesse cenário, muitas vezes apresentando visões contrastantes sobre o que significava o "Homem Novo".
As ideias totalitárias deixaram marcas profundas na configuração política e social de várias regiões até o fim do século XX. Regimes como o franquismo na Espanha (até 1975) e as ditaduras militares na América Latina exemplificam tentativas de moldar um "homem novo" submisso ao Estado, disciplinado e alheio a questionamentos críticos. A imposição de valores homogêneos e a repressão à diversidade eram vistas como ferramentas para consolidar a ordem social e preservar a identidade nacional ou ideológica.
Entretanto, o desmoronamento desses regimes e a denúncia das suas violações de direitos humanos abriram espaço para outras perspectivas, desacreditando o projeto totalitário como via para a construção de um futuro renovado.
Ainda assim, experiências como as de Cuba, China (em transição para um modelo econômico híbrido) e algumas revoluções na África e na América Latina buscaram redefinir a ideia do homem novo como um trabalhador solidário, comprometido com a coletividade e desprendido do individualismo burguês. A crítica ao consumismo e à desigualdade estrutural permaneceu como um legado importante dessas correntes, mesmo diante das suas limitações práticas.
O liberalismo, especialmente na sua forma neoliberal, tornou-se a ideologia dominante nos anos 1980 e 1990, impulsionado pelas políticas de líderes como Margaret Thatcher e Ronald Reagan. A visão liberal do homem novo centrava-se no indivíduo como agente autônomo e responsável pelo próprio destino. A liberdade de mercado, a inovação tecnológica e o empreendedorismo eram exaltados como caminhos para a realização pessoal e coletiva.
No entanto, essa construção de um homem novo autossuficiente também trouxe críticas: o aumento das desigualdades sociais, a precarização das relações de trabalho e a corrosão de valores comunitários apontaram as limitações do ideal liberal, especialmente em sociedades marcadas por grandes desigualdades históricas.
A social-democracia apresentou-se como uma alternativa intermediária, buscando conciliar os valores do liberalismo (como a liberdade individual) com as preocupações socialistas (como a igualdade e a justiça social). Países escandinavos, por exemplo, tornaram-se símbolos dessa tentativa de construir um homem novo equilibrado, valorizando tanto os direitos individuais quanto os deveres coletivos.
Esse modelo mostrou-se atraente para sociedades que buscavam estabilidade, mas enfrentou desafios como a globalização e a competição econômica crescente, que muitas vezes reduziram o espaço para políticas de bem-estar social expansivas.
Os libertários, com sua defesa radical da liberdade pessoal e da mínima intervenção estatal, trouxeram uma perspectiva peculiar à construção do homem novo. Na visão libertária, o indivíduo é um ser completamente autônomo, cuja realização plena depende da ausência de coerções externas, seja do Estado, seja de outras instituições sociais.
Embora atraente para aqueles que rejeitavam tanto o totalitarismo quanto o coletivismo, o libertarismo foi frequentemente criticado por negligenciar a interdependência humana e as desigualdades estruturais que moldam a realidade de muitas sociedades.
Para esses grupos, o homem novo não seria uma figura única, mas plural, diversa e inclusiva. A luta por direitos civis, justiça ambiental e respeito às identidades culturais e de gênero desafiou os paradigmas vigentes, construindo uma nova visão de humanidade que celebrava a diferença e a liberdade de expressão.
Podemos assim refletir que no último quartil do século XX, a construção do homem novo revelou-se um processo em disputa, moldado por tensões ideológicas e contextos históricos distintos. Nenhuma corrente de pensamento conseguiu impor-se de forma definitiva, mas cada uma contribuiu com elementos que, em diálogo ou confronto, ajudaram a moldar um ser humano mais consciente de suas responsabilidades, direitos e da complexidade do mundo.
Se há algo que caracteriza o homem novo desse período, é a sua pluralidade e a abertura ao constante questionamento. O homem novo do final do século XX não é uma figura acabada, mas um processo de construção em andamento, onde o diálogo entre diferentes ideais continua a desafiar e enriquecer a humanidade.
Reflitamos agora sobre o conceito da Criação do Homem Novo a Partir da Maçonaria, de John Rawls, Derrida, Jürgen Habermas, Jean-François Lyotard e Gilles Lipovetsky.
A criação do "homem novo" é um conceito filosófico e simbólico que remete à transformação do indivíduo em direção a uma versão mais consciente, ética e aberta ao progresso humano. Essa construção tem sido abordada por diferentes correntes de pensamento, desde os valores e rituais da Maçonaria até as teorias de pensadores contemporâneos como John Rawls, Derrida, Jürgen Habermas, Jean-François Lyotard e Gilles Lipovetsky. Embora distintas em seus enfoques, essas perspectivas convergem na busca de um ser humano mais preparado para enfrentar os desafios éticos, sociais e existenciais da modernidade e pós-modernidade.
A Maçonaria, com suas tradições iniciáticas e simbólicas, propõe que o homem novo é resultado de um processo contínuo de aperfeiçoamento pessoal e espiritual. Através do uso de símbolos como a "pedra bruta" e o "compasso e esquadro", a Ordem ensina que o indivíduo deve trabalhar constantemente em sua moralidade, intelecto e sensibilidade, com o objetivo de atingir a plenitude humana e contribuir para o progresso da sociedade.
Além disso, a Maçonaria valoriza princípios universais como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, que servem de base para a criação de um homem novo comprometido com a justiça social e a solidariedade. Para a Maçonaria, o homem não é um ser acabado, mas um projeto, cuja realização depende do equilíbrio entre razão, espiritualidade e ação ética no mundo.
John Rawls, no seu livro “A Teoria da Justiça” oferece uma visão de homem novo como aquele que age a partir de princípios de justiça imparciais e universais. Na famosa formulação da "posição original", Rawls imagina indivíduos em um estado hipotético, sob um "véu de ignorância", onde desconhecem suas próprias condições sociais, econômicas ou naturais. Nessa situação, eles escolheriam princípios de justiça que garantissem igualdade de oportunidades e proteção aos menos favorecidos.
O homem novo de Rawls é, portanto, aquele que transcende os interesses egoístas e adota uma postura ética que privilegia o bem comum. Essa visão ressoa com os ideais maçônicos de fraternidade e justiça, colocando a racionalidade e a empatia como pilares para a construção de uma sociedade mais equitativa.
Jacques Derrida, com sua filosofia da desconstrução, oferece uma abordagem radicalmente diferente para a criação do homem novo. Para ele, a desconstrução não é destruir, mas desmontar os sistemas de significados fixos, desafiando as hierarquias e dicotomias que estruturam o pensamento humano.
O homem novo, para Derrida, é aquele que abraça a pluralidade, a incerteza e a ambiguidade, rejeitando verdades absolutas e dogmas. Essa postura crítica ressoa com o ideal maçônico de liberdade de pensamento, que incentiva o questionamento constante como um meio de crescimento intelectual e espiritual.
Jürgen Habermas propõe um modelo de homem novo baseado na razão comunicativa, ou seja, na capacidade de dialogar e buscar consenso por meio da linguagem. Habermas acredita que a modernidade ainda possui potencial emancipatório, e que o homem pode superar a fragmentação e a alienação ao envolver-se em práticas discursivas racionais e éticas.
O homem novo de Habermas é, assim, um agente dialógico, capaz de respeitar a diversidade de perspectivas e construir pontes entre diferentes grupos e ideias. Esse ideal dialoga profundamente com os valores maçônicos de tolerância e fraternidade, que também enfatizam a importância do diálogo como meio de alcançar a harmonia e o entendimento mútuo.
Jean-François Lyotard, na sua análise da condição pós-moderna, desafia a ideia de grandes narrativas universais que moldaram a modernidade, como o progresso científico, o humanismo e as utopias políticas. Para Lyotard, o homem novo da pós-modernidade deve abraçar a fragmentação e a diversidade, reconhecendo que a verdade é múltipla e contextual.
Esse homem pós-moderno é plural, adaptável e consciente das limitações das grandes ideologias. Embora essa visão pareça contrastar com os ideais maçônicos, ela complementa a ideia de liberdade de pensamento ao reconhecer que a evolução humana depende da capacidade de acolher perspectivas diversas e respeitar a complexidade do real.
Por último. Gilles Lipovetsky analisa o indivíduo na era do hiperindividualismo e do consumo, onde valores como autonomia e hedonismo predominam. Para Lipovetsky, o homem novo da contemporaneidade não é mais moldado por grandes projetos colectivos, mas pela busca de realização pessoal e bem-estar emocional.
Embora essa perspectiva pareça distante de modelos tradicionais como o da Maçonaria ou o de Rawls, ela aponta para uma necessidade emergente: a construção de um homem Novo que encontre equilíbrio entre o individualismo e a responsabilidade social. A Maçonaria, com sua ênfase no autoconhecimento e na solidariedade, pode oferecer um contrapeso ético a esse hiperindividualismo, ajudando o indivíduo a integrar suas aspirações pessoais com o bem coletivo.
Esta convergência de ideias sobre “A criação do homem novo”, a partir das perspectivas da Maçonaria e de pensadores contemporâneos, revela um projeto multifacetado e dinâmico. Se a Maçonaria oferece um modelo ético e espiritual baseado no simbolismo e na fraternidade, pensadores como Rawls, Derrida, Habermas, Lyotard e Lipovetsky contribuem com ferramentas filosóficas e críticas para questionar, reconstruir e adaptar esse ideal às complexidades da modernidade e da pós-modernidade.
O homem novo que emerge dessas visões não é um produto acabado, mas um processo contínuo de autotransformação, diálogo e integração entre valores individuais e coletivos. Ele é, acima de tudo, um ser aberto ao aprendiz, à diversidade e à construção de um mundo mais justo e solidário.
O que acima foi escrito leva-me a uma reflexão sobre uma pergunta efetuada numa prancha efetuada pelo Grão-Mestre do GOL “Por que sou Maçon e por que sou Maçon do Grande Oriente Lusitano (GOL)?
Escolhi trilhar este caminho porque acredito na força transformadora do conhecimento, da ética e da prática do bem. A Maçonaria não oferece respostas prontas, mas um método simbólico e filosófico para que cada um encontre as suas próprias respostas e contribua para a construção de uma sociedade mais humanista. A liberdade de pensamento, aliada à responsabilidade com o próximo, é uma das bases que me move dentro desta Ordem.
E é no Grande Oriente Lusitano (GOL) que encontrei o lugar ideal para viver plenamente estes valores. O GOL, a mais antiga obediência maçónica de Portugal, é uma instituição profundamente enraizada na história e na cultura do país, mas com um olhar sempre voltado para o futuro. A sua tradição de defesa da liberdade de consciência e dos direitos humanos inspira-me a ser mais comprometido com os valores democráticos e a justiça social.
O GOL distingue-se pelo seu caráter liberal e adogmático, respeitando e promovendo a liberdade religiosa e o pensamento laico. Aqui, a diversidade não é apenas aceite, mas valorizada como uma força enriquecedora. Este ambiente plural permite que cada um expresse suas ideias e aprenda com a experiência e sabedoria dos outros, numa dinâmica de constante crescimento pessoal e coletivo.
Além disso, o compromisso histórico do Grande Oriente Lusitano com a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva reforça o meu orgulho de pertencer a esta Obediência. Seja nos momentos de luta pela liberdade durante a ditadura, seja no incentivo ao pensamento crítico e ao progresso social, o GOL tem estado sempre na vanguarda de causas que considero fundamentais.
Sou Maçon porque acredito no poder do simbolismo e da fraternidade para transformar o ser humano. E sou Maçon do GOL porque esta Obediência reflete os princípios e ideais que desejo cultivar e defender na minha vida e na sociedade. Aqui, sinto-me parte de algo maior: um projeto coletivo de evolução espiritual, ética e social, que se alicerça na liberdade e na dignidade humana.
Esses são os motivos pelos quais abraço com orgulho e responsabilidade a minha jornada maçónica no Grande Oriente Lusitano.
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